INTRODUÇÃOA deficiência auditiva, que impede o idoso de desempenhar plenamente seu papel na sociedade, é um dos mais incapacitantes distúrbios de comunicação.
Presbiacusia é a perda da sensibilidade auditiva resultante do envelhecimento. Ela caracteriza-se por ser bilateral para sons de alta frequência, devido à mudança degenerativa e fisiológica do sistema auditivo (1), acompanhada de decréscimo na discriminação da fala (2). Considerando-se que a prevalência de deficiência auditiva é extremamente alta, atingindo até 84,2% dos idosos (3), considera-se que este é um problema de saúde pública. A perda da sensibilidade periférica está altamente correlacionada com o declínio cognitivo em idosos (4, 5). A presbiacusia compromete a capacidade para as atividades da vida diária dos idosos e aumenta o risco de declínio funcional. Muitas vezes, diante de um paciente com doença grave, estas deficiências são desvalorizadas, o que dificulta seriamente o processo de reabilitação (6).
Ao considerarem a relação entre desempenho cognitivo e perda auditiva, utilizando o miniexame do estado mental (
Mini-Mental State Examination - MMSE), pesquisadores demonstraram que idosos com perda auditiva, de moderada a severa, apresentaram escores mais baixos do que os idosos sem perda auditiva (7).
Em outro estudo, realizado para determinar o que causa baixos escores no teste MMSE, com exceção da demência, os autores concluíram que, em 10% dos componentes da amostra, as alterações visuais, auditivas e a baixa escolaridade foram os principais responsáveis pelos escores inferiores (8).
Estudos sobre a influência do uso de próteses auditivas no desempenho cognitivo também foram realizados. Eles demonstraram que a reabilitação propiciou melhora em medidas globais cognitivas (9) e que os familiares também perceberam melhora na atenção, reversão do isolamento social e da dificuldade comunicativa e emocional, contribuindo, portanto, para a melhora na qualidade de vida (10). Outro estudo, porém, revelou que o uso de próteses auditivas por idosos não influenciou em seu desempenho cognitivo (11)
Em uma análise realizada com um grupo de pessoas portadoras da doença de Alzheimer em fase inicial, foi verificado que as habilidades auditivas encontravam-se afetadas, em comparação aos resultados de um grupo controle, com a mesma faixa etária, porém sem a doença (12).
Torna-se, pois, importante conhecer as associações ente a deficiência auditiva e os distúrbios cognitivos, especialmente nos idosos, uma vez que geralmente não há queixas, no período inicial. Em decorrência disto, diagnósticos não são feitos nem intervenções não são realizadas, os efeitos, no entanto, podem ser significativos. Esta é uma área complexa na medida em que tanto uma neuropatologia pode determinar conjuntamente deficiências cognitiva e sensorial, quanto à deficiência sensorial crônica, associada à não intervenção, pode agravar a deficiência cognitiva (13).
Partindo dos pressupostos teóricos descritos, este estudo tem por objetivo verificar se existe relação entre a audição, a idade, o sexo, a escolaridade e o desempenho cognitivo em um grupo de idosos não institucionalizados.
MÉTODOA pesquisa é de desenho transversal e observacional. A amostra foi constituída por 33 idosos não institucionalizados, que realizaram avaliação auditiva numa Clínica Escola de Fonoaudiologia. Foi considerado idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 60 anos (14).
Os participantes do estudo foram convidados a participar da pesquisa após a realização da avaliação audiológica. Aqueles que aceitaram, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e responderam ao MMSE. Os resultados da avaliação audiológica foram obtidos nos prontuários da Clínica Escola.
Para a determinação do grau de perda auditiva, foi utilizada a classificação de Davis e Silvermann (15). Esta consiste na média dos limiares tonais para as frequências de 500, 1000 e 2000Hz. Foram considerados normais os resultados de 0 a 25 dB NA; perda leve, de 26 a 40 dB NA; moderada, de 41 a 70 dB NA; severa de 71 a 90 dB NA; profunda maior que 91 dB NA.
O MMSE foi aplicado sempre pela mesma examinadora. A análise dos resultados foi feita com base no protocolo de avaliação do MMSE (16, 17). O teste é composto por diversas questões agrupadas em sete categorias, cada uma delas com o objetivo de avaliar funções cognitivas específicas: orientação para tempo (5 pontos); registro de 3 palavras (3 pontos); atenção e cálculo (5 pontos); lembrança de 3 palavras (3 pontos); linguagem (8 pontos); capacidade construtiva visual (1 ponto). O teste consiste de perguntas e comandos a serem efetuados pelo paciente. O escore do MMSE pode variar de um mínimo de 0 até um total de 30 pontos, a soma é feita após a conclusão do exame. Resultados inferiores a 24 pontos indicam deficiência cognitiva (16).
Os dados foram inseridos no
software SPSS versão 10.0. Foram utilizadas técnicas de estatística descritiva como tabelas de frequência simples e cruzadas e o coeficiente de concordância de Kappa. Para comparação entre o MMSE e os graus de perda, foi utilizado o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis. Para comparação por escolaridade, foi utilizado o teste de Mann-Whitney.
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, sob protocolo 166h.
RESULTADOSA análise dos dados evidenciou que dos 33 (100%) idosos avaliados, 20 (60,6%) eram do sexo masculino e 13 (39,4%) eram do sexo feminino. As idades variaram entre 60 e 82 anos: 16 (43,4%) tinham entre 60 e 69 anos; 15 (45,4%), entre 70 e 79 anos; 2 (6,06%), entre 80 e 82 anos.
Das 66 orelhas avaliadas, constatou-se que, em ambas as orelhas, foram obtidos limiares auditivos normais (OD - 27,3%, OE - 30,3%) e perdas auditivas leves (OD - 36,4%, OE - 24,2%), moderadas (OD - 30,3%, OE - 36,4%) e severas (OD - 6,1%, OE - 9,1%) (Tabela 1). Verificou-se que a maior parte dos idosos avaliados apresentou limiares auditivos normais ou perda auditiva de grau leve ou moderado.
A Tabela 2 contém os dados da análise dos resultados obtidos no MMSE em relação ao sexo. Os indivíduos do sexo masculino atingiram o valor mínimo de 10 e máximo de 30. A média de acertos nas respostas foi de 22,05. Os indivíduos do sexo feminino apresentaram no mínimo 10 e no máximo 25 acertos, com média de 19,46.
Como mostram os dados dispostos na Tabela 3, 26 (78,7%) idosos eram alfabetizados e 7 (21,3) não eram alfabetizados. A análise dos dados evidenciou que a escolaridade não influenciou os escores obtidos, o que difere da maior parte das pesquisas realizadas.
Para verificar a relação entre a perda auditiva e o desempenho cognitivo dos indivíduos, realizou-se a análise considerando-se o grau de perda auditiva na melhor orelha e a média dos escores obtidos no MMSE. Os resultados estão apresentados na Tabela 4. Verificou-se que os idosos com limiares auditivos normais ou perda auditiva de grau leve na melhor orelha apresentaram escores significativamente melhores do que idosos com perda auditiva de grau moderado ou severo.
O Gráfico 1 contém a análise dos resultados obtidos no MMSE em relação à idade. Estes achados confirmam que quanto maior a idade, pior o desempenho no teste, ou seja, a idade pode influenciar no MMSE. Apesar de haver uma diminuição gradual nos escores com o aumento de idade, as diferenças não são significantes. Talvez isto possa ser explicado pelo baixo número de indivíduos na faixa etária de 80 anos.
Gráfico 1. Resultados do MMSE em relação à idade.
DISCUSSÃONo que se refere ao grau de perda auditiva dos indivíduos da amostra, os resultados são semelhantes aos obtidos por outros autores (2, 18, 19, 20, 21), ou seja, a maior parte dos idosos avaliados apresentaram limiares auditivos normais ou perda auditiva leve ou moderada. Este grau de perda auditiva não impede completamente o indivíduo de perceber os sons ambientais, mas gera uma série de transtornos, uma vez que a fala é dificilmente compreendida e pode acarretar afastamento do convívio social, afetando seriamente o desempenho cognitivo dos indivíduos.
No que se refere ao sexo, apesar de as idosas obterem escores menores do que os idosos, a análise dos resultados evidenciou que esta variável não influenciou nos resultados do MMSE. Estes dados são semelhantes aos obtidos por outros autores (17, 22) mas diferem dos achados de outros (23). Talvez esta diferença entre os estudos possa ser explicada pelo tamanho da amostra.
Considerando-se que alguns indivíduos da amostra não eram alfabetizados e que a literatura pesquisada (24) evidencia que a escolaridade influencia nos escores obtidos, optou-se por realizar a análise dos resultados do MMSE também de acordo com a alfabetização dos componentes da amostra. Diferentemente do esperado, a escolaridade não influenciou nos resultados obtidos. Talvez esta diferença encontrada com relação às diversas pesquisas possa ser explicada pelo baixo nível de escolaridade dos idosos alfabetizados. Constatou-se que a maior parte deles tinha o ensino fundamental incompleto, tendo cursado somente dois ou três anos de escola regular, o que não os diferenciou significativamente dos indivíduos não alfabetizados. Caso idosos com maior nível de escolaridade tivessem sido incluídos na amostra, talvez esta variável tivesse influenciado, de modo significativo, nos resultados.
Quando considerados a presença e o grau de perda auditiva, constatou-se que, nos idosos avaliados, a perda auditiva foi um dos fatores que se relacionaram com a diminuição dos escores do MMSE, possibilitando afirmar que existe relação significativa entre a perda auditiva e o desempenho cognitivo dos idosos, confirmando estudos desenvolvidos anteriormente (7, 8).
A perda gradual da audição, como ocorre na presbiacusia, leva a dificuldade crescente na comunicação oral e ao consequente isolamento social, com implicações para a cognição (10, 25). O encaminhamento para seleção e adaptação de próteses auditivas é, pois, importante, uma vez que assim como a perda auditiva está associada à piora cognitiva, a reabilitação pode estar relacionada à melhora global nas medidas cognitivas (9, 10).
CONCLUSÃONos achados da amostra do presente trabalho, os indivíduos com perda auditiva de grau leve e moderado apresentaram melhores escores no MMSE do que os indivíduos com perda auditiva de grau severo e profundo. Conclui-se, portanto, que há relação entre perda auditiva e o desempenho cognitivo. As demais variáveis estudadas (idade, sexo e escolaridade) não influenciaram nos escores do teste.
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1. Especialista em Audiologia (IPA - RS). Fonoaudióloga Clínica.
2. Doutora em Gerontologia Biomédica (PUCRS). Fonoaudióloga do Laboratório de Audiologia (RS).
3. Doutoranda em Ciências Médicas: Pediatria (UFRGS). Fonoaudióloga Clínica.
Instituição: Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Canoas / RS - Brasil
Endereço para correspondência:
Adriane Ribeiro Teixeira
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Artigo recebido em 08 de Janeiro de 2009.
Artigo aprovado em 09 de Fevereiro de 2009.