Title
Search
All Issues
10
Ano: 2009  Vol. 13   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Original Article
Versão em PDF PDF em Português Versão em PDF PDF em Inglês TextoTexto em Inglês
Infecções Cervicais Profundas - Classificação em Níveis de Gravidade
Deep Neck Infections - Classification in Levels of Severity
Author(s):
Marina Serrato Coelho1, Gyl Ramos2, Luciano Campelo Prestes3, Andrea Soccol4, Marcela Schmidt B. de Oliveira5, Paulo Lobo6
Palavras-chave:
pescoço, condutas terapêuticas, inflamação.
Resumo:

Introdução: As infecções dos espaços cervicais constituem quadros graves e que apresentam elevada mortalidade quando evoluem com complicações. Objetivo: Estabelecer um protocolo de graduação dos abscessos cervicais e organizar uma sequência para o atendimento desses pacientes. Método: Foi realizado um estudo retrospectivo de 150 pacientes portadores de abscesso cervical no qual se avaliou a impressão clínica, estado geral, condição respiratória, estado loco-regional, antibióticos utilizados e comorbidades. Após, organizou-se a classificação em níveis de gravidade. Resultados: A idade média foi de 31 anos e em 37% dos casos a origem era dentária. Na avaliação loco - regional em 67% o acometimento se estendia até nível I e II. Conforme a gravidade, os pacientes foram classificados da seguinte maneira: Grau I (46%), II (36%), III (15%) e IV (3%). Somente antibioticoterapia foi utilizada em 27% dos casos. A associação com cirurgia ocorreu em 73% Conclusão: A padronização da conduta terapêutica e a sua classificação em gravidade é fundamental para a sistematização do atendimento e diminuição da morbi-mortalidade.

INTRODUÇÃO

Apesar da prevalência de infecções dos espaços cervicais profundos (IECP) terem diminuído com a terapia antimicrobiana moderna, essas infecções continuam a ser causa de significante morbidade e mortalidade. As IECP podem surgir a partir de numerosos focos da cabeça e pescoço, sendo mais comum os de origem dentária e adenotonsilar (1).

O entendimento da anatomia da região é fundamental para prever a extensão da infecção e principalmente para definir o tratamento cirúrgico. Múltiplas camadas de fáscia revestem e dividem as estruturas do pescoço criando espaços virtuais. As fáscias cervicais são divididas em superficial e profunda. A fáscia superficial fica imediatamente abaixo da derme e envolve o tecido adiposo, nervos, vasos superficiais, linfáticos e musculatura da mímica. A fáscia profunda é dividida em camadas superficial, média e profunda (2).

Pelo menos 11 espaços profundos fazem parte da complexa estrutura formada pelos planos faciais e constituem possíveis sítios de infecção, podendo ser classificados da seguinte maneira baseado na sua relação com o hioide: espaços localizados acima do nível do hioide (peritonsilar, submandibular, parafaríngeo, mastigador/temporal, bucal e parotídeo); espaços que envolvem a inteira circunferência do pescoço (retrofaríngeo, "danger space", prevertebral e carotídeo) e o espaço visceral anterior ou pré-traqueal, localizado abaixo do hioide (3).

As IECP são geralmente polimicrobianas. Entre os agentes comumente encontrados estão: Streptococcus viridans, Streptococcus milleri, Prevotella spp, Peptosstreptococcus spp e Klebisiella pneumoniae, sendo este último mais comum em pacientes diabéticos (4, 5)

O tratamento desses pacientes consiste em três aspectos principais: manutenção da via área, antibioticoterapia e manejo cirúrgico (5).

As principais complicações incluem: obstrução respiratória, mediastinite, empiema pleural, pericardite, trombose de veia jugular e choque séptico. Apesar da incidência de complicações ter diminuídos em relação à era pré-antibiótica, a mortalidade nessas condições é bastante alta, chegando a atingir índices de até 40 a 50% (6).

Por essa razão, a classificação desses pacientes de acordo com a severidade do caso poderia ser útil para facilitar o reconhecimento dos casos com maior chance de evoluir com complicações e dessa forma administrar tratamento apropriado e reduzir a morbi-mortalidade desses casos.

Este artigo tem por objetivo avaliar retrospectivamente os pacientes portadores de infecção cervical do serviço de otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná no período de janeiro de 2000 a janeiro de 2007 e estabelecer um protocolo de graduação dos abscessos cervicais e dessa forma organizar um protocolo para o atendimento desses pacientes.


MÉTODO

O presente estudo é um trabalho retrospectivo que seguiu a normativa do comitê de ética e pesquisa da instituição - Universidade Federal do Paraná (2007/022084).

Foram avaliados 150 pacientes portadores de abscesso cervical atendidos no serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal do Paraná no período de janeiro de 2000 a janeiro de 2007.

Todos os pacientes eram avaliados nos seguintes itens:

1 - Impressão Clínica.
2 - Estado Geral.
3 - Condição Respiratória.
4 - Estado Loco-Regional.
5 - Antibióticos já Usados.
6 - Comorbidades.

Em relação à impressão clínica o paciente era classificado em:

1 - Paciente Bem.
2 - A Melhora Virá como Sempre.
3 - Paciente Mal.

Em relação ao estado geral:

1 - Sem Sinais de Comprometimento.
2 - Alteração Hemodinâmica Mínima.
3 - Toxemia.
4 - Choque.

Em relação a sua função respiratória:

1 - Sem Sinal de Dificuldade Respiratória.
2 - Sinais Incipientes.
3 - Dificuldades Evidentes.

Avaliação loco-regional era classificada em:

1 - Nivel I E II.
2 - Até Nivel III.
3 - Até Fúrcula.
4 - Enfisema Subcutâneo.

Em relação ao uso de antibioticoterapia prévia:

1 - Sem Uso Prévio.
2 - Adequado, Sem Melhora.
3 - Adequado, já Trocado, Piora.

E por fim em relação à comorbidades apresentadas pelos pacientes:

1 - Sem História e ou Sinais.
2 - Diabetes Tratado e Compensado.
3 - Diabetes Tratado e Não Compensado.

Após avaliação sistemática de todos esses itens organizou-se a classificação de gravidade.

Todos os pacientes são submetidos a uma conduta padrão que consiste em:

1 - Cateterizar Veia.
2 - Antibioticoterapia.
3 - Manutenção de Via Aérea.
4 - Tratamento de Comorbidades.
5 - Antiinflamatórios.
6 - Drenagem do Abscesso.

Quando classificado em grau II, III ou IV solicitou-se um exame de imagem - a tomografia computadorizada com contraste nas incidências axial e coronal para avaliação loco-regional e melhor planejamento cirúrgico.


RESULTADOS

Foram avaliados 150 pacientes, todos atendidos no serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da UFPR, entre janeiro de 2000 e janeiro de 2007. Dentre eles, 80 do sexo masculino, observando-se uma relação 4:3 homens x mulheres. A idade média foi de 31,86 anos.

Na admissão, os pacientes foram avaliados quanto à impressão clínica, estado geral e função respiratória.

Na determinação do provável foco séptico, 50 apresentavam origem dentária (37%), seguidos de foco indefinido em 49 (33%), infecções faríngeas e amigdalianas em 30 (20%), infecções das glândulas salivares em 6 (4%)e traumatismos em 5 (3%).

Quanto ao uso de antibioticoterapia prévia, 111 negaram (74%). Dentre o grupo que utilizou (39), as penicilinas benzatinas foram as mais utilizadas (8%), seguidas das cefalosporinas de primeira geração (5%).

Em 114 pacientes não havia registro de comorbidades (76%). Houve 4 casos de diabetes tratado e compensado (3%), 5 casos de diabetes não tratado ou descompensado (3%), 2 casos de HIV (1,3%), 1 gestante e 1 paciente com paralisia cerebral (0,6%).

Quanto à avaliação loco-regional, em 99 casos o acometimento se estendia até nível I e II (67%), 35 até nível III (23%), 14 até a fúrcula (9%) e 2 casos apresentavam enfisema subcutâneo (1%).

Os pacientes foram classificados quanto à gravidade do quadro. Grau I ocorreu em 69 casos (46%), II em 54 casos (36%), III em 22 casos (15%) e 4 em 5 casos (3%).

O tempo médio até o atendimento em nosso serviço foi de 7,89 dias. O tempo de internação médio foi de 8,48 dias. Houve necessidade de UTI em 3 casos (2%), com uma média de 6 dias. Houve 1 caso de óbito.

Não houve necessidade de manutenção de vias aéreas em 133 pacientes (8%). Nos 17 casos em que esta foi necessária, 4 receberam oxigênio por cateter (3%), 2 foram intubados (1%) e 11 foram submetidos à traqueostomia (7%).

Somente antibioticoterapia foi à terapêutica utilizada em 41 casos (27%). Houve necessidade da associação com drenagem cirúrgica em 109 (73%). A associação de cefalosporina de primeira geração e metronidazol foi utilizada em 96 casos (64%). Em 27 optou-se por cefalosporina de terceira geração e metronidazol (18%), e em 9 casos cefalosporina de primeira geração associada à metronidazol e amicacina (6%). Outros esquemas foram utilizados conforme necessidade individual.


DISCUSSÃO

As infecções cervicais profundas podem ter como origem diversos focos na cabeça e pescoço, incluindo os dentes, glândulas salivares, tecido linfoide cervical e tecido adenotonsilar (1). Na era pré-antibiótica as infecções faringotonsilares eram responsáveis por ate 70% dos casos de IECP (7). Atualmente, muitos estudos mostram declínio importante dessa incidência (7-9). O mesmo pode ser observado no nosso estudo, no qual o foco dentário, foi tido como origem dos abscessos em 37% dos pacientes, enquanto que as afecções faríngeas e amigdalianas estiveram presentes em 20% dos casos. Não foi possível identificar o provável foco inicial da infecção em 33% dos pacientes. Outros autores também relataram proporção significante de infecções profundas do pescoço de origem primária desconhecida (1, 6, 8, 10).

As comorbidades mais frequentemente encontradas nos pacientes com IECP são o diabetes mellitus, hepatite cônica, insuficiência renal crônica e estados de imunossupressão como HIV/AIDS ou pacientes em quimioterapia (2). No presente estudo 8% dos pacientes apresentavam comorbidades, predominando os casos de diabetes. Apesar de outros autores também relatarem maior incidência de diabetes entre as doenças associadas nos pacientes com IECP, nosso estudo mostrou menor incidência geral de comorbidades quando comparado com outros trabalhos (7, 8, 12).

Lee et al também mostraram maior incidência de diabetes entre as comorbidades, porém em seu estudo, DM não mostrou estar relacionado a maiores índices de complicações, mesmo assim os autores consideram esses pacientes como de alto risco para complicações, assim como os pacientes com mais de dois espaços cervicais profundos envolvidos (8).

Por outro lado, Huang et al realizaram estudo no qual os autores mostraram que em comparação com o grupo de pacientes não diabéticos portadores de IECP, os pacientes diabéticos tiveram maior tempo de hospitalização (19.7 dias versus 10.2 dias, P < 0.0001), maior frequência de complicações (33.9% versus 8.5%, P < 0.0001), além de maior frequência de intubações e traqueostomias (19.6% versus 6.2%, P = 0.0123)

Especial atenção deve ser dada para a manutenção da via aérea nos pacientes com IECP e qualquer sinal de comprometimento deve ser prontamente tratado.

A intubação traqueal com laringoscopia rígida pode ser difícil nesses pacientes pela possibilidade de distorção da anatomia das vias aéreas, rigidez dos tecidos e acesso limitado à boca (11). Por essa razão, a traqueostomia deve ser considerada sempre que alguma dificuldade for prevista, visto que nesses casos tentativas de intubação podem acabar piorando uma via aérea já prejudicada (2).

No nosso estudo 11% dos pacientes necessitaram de manutenção da via aérea, sendo que destes, dois pacientes foram submetidos à intubação e 11 a traqueostomia. Este resultado esta de acordo com dados da literatura que indicam que uma obstrução das vias aéreas em um grau suficiente para necessitar de uma traqueostomia esta presente em aproximadamente 12 a 16% dos pacientes (2).

Ovassapian et al sugerem como primeira escolha para manejo da via aérea nos pacientes com IECP a intubação com fibra óptica usando anestesia tópica deixando a traqueostomia para casos onde não esteja disponível a fibrobroncoscopia ou tentativa de intubação tenha falhado (11).

Houve apenas 1 óbito entre a amostra estudada, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de aproximadamente 0,7% que se mostrou próximo ao encontrado em outros estudos (6, 7, 8).

Na suspeita de abscesso cervical profundo, os pacientes devem ser internados, com instituição de antibioticoterapia endovenosa, corticoterapia (se possível), além dos cuidados com hidratação, analgesia, entre outros.

A antibioticoterapia inicial é empírica, com cobertura para gram positivos e anaeróbios, dependendo da gravidade do caso, do foco mais provável, e a existência de tratamento prévio (3).

O esquema terapêutico preconizado em nosso serviço é a associação de cefalosporina de primeira geração e metronidazol, utilizados em 96 casos (64%). Outros esquemas foram utilizados conforme necessidade individual.

Houve necessidade da associação com drenagem cirúrgica em 73% dos casos, para os demais a antibioticoterapia foi à única terapêutica utilizada. Dependendo da literatura, drenagem cirúrgica é necessária em 10 a 83% dos pacientes com IECP (2).

Apesar de Mayor et al mostrarem sucesso em 90,32% dos pacientes com IECP tratados exclusivamente com antibioticoterapia e sugerir que o tratamento medicamentoso exclusivo pode ser tão eficaz quanto à abordagem cirúrgica, a maioria dos autores concorda que o tratamento cirúrgico esta indicado para todos os casos graves.

Nesse contexto a classificação dos quadros clínicos conforme a gravidade realizada em nosso trabalho pode ajudar na definição do tratamento adequado para cada paciente. No nosso estudo a Drenagem cirúrgica é realizada nos casos de gravidade II, III, e IV, sempre mantendo drenos na cavidade.

A aspiração pode ser utilizada para obtenção de material para culturas, principalmente nos pacientes com risco para infecção por patógenos atípicos, como os imunodeprimidos por exemplo (3).


CONCLUSÃO

As complicações das infecções cervicais profundas são potencialmente fatais e a identificação dos principais preditores desse desfecho pode ser difícil. Dessa forma, a definição da gravidade do quadro clínico é de fundamental importância na sistematização do atendimento desses pacientes. Para tanto propomos que uma classificação em nível de gravidade pode auxiliar tanto para o reconhecimento de pacientes com maior potencial de evoluir para complicações como também para padronização da conduta terapêutica dos pacientes com IECP e com isso reduzir a morbi-mortalidade dessa patologia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Sakagushi M, Sato S, Ishiyama T, Katsuno S, Tagushi K. Characterization and management of deep neck infection. J Oral Maxillofac Surg. 1997, 26:131-134.

2. Osborn TM, Assael LA, Bell RB. Deep Space Neck Infection: Principles of Surgical Management. Oral Maxillofacial Surg Clin N Am. 2008, 20:353-365.

3. Vieira F, Allen SM, Stocks RSM, Thompson JW. Deep Neck infection.Otolaryngol Clin N Am. 2008, 459-483.

4. Roscoe DL, Hoang L. Microbiologic Investigations for Head and Neck Infections Infect Dis Clin N Am. 2007, 21:283-304.

5. Caccamese Jr JF, Coletti DP. Deep Neck Infections: clinical considerations in aggressive disease. Oral Maxillofacial Surg. 2008, 20:367-380.

6. Wang LF, Kuo WR, Tsai SM, Huang KJ. Caracterizations of Life-Treatening Deep Cervical Space Infections: A review of one hundred nenety-six cases. Am Journal of Otolaryngol. 2003, 24(2):111-117.

7. Har-El G, Aroesty JH, Shaha A, Lucent FE. Changing trends in deep neck abscess. Oral Med Oral Pathol. 1994, 77:446-50.

8. Lee JK, Kim HD, Lim SC. Predisposing Factors of Complicated Deep Neck Infection: An Analysis of 158 cases. Yonsei Med J. 2007, 48(1):55-62.

9.Larawin V, Naipo J, Dubey SP. Head and neck space infections. Otolaryngology - Head and Neck Surgery. 2006, 135:889-893.

10. Gidley PW, Ghorayeb BY e Stiernberg CM. Contemporary management of deep neck space infections. Otolaryngol Head Neck Surg. 1997, 116:16-22.

11. Ovassapian A, Tuncbilek M, Weitzel EK, Joshi CW. Airway Management in Adult Patients with Deep Neck Infections: A Case Series and Review of the Literature Anesth Analg. 2005, 100:585-9.

12. Boscolo-Rizzo. Deep neck infections: a constant challenge. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2006, 68(5):259-65.

13.Huang TT, Tseng FY, Liu TC, Hsu CJ, Chen YS. Deep neck infection in diabetic patients: comparison of clinical picture and outcomes with nondiabetic patients. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005, 132(6):943-7.

14. Plaza Mayor G, Martínez-San Millán J, Martínez-Vidal A. Is conservative treatment of deep neck space infections appropriate? Head Neck. 2001, 23(2):126-33.










1. Médica Residente em Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
2. Mestre. Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
3. Médico Residente em Otorrinolaringologia.
4. Médica Otorrinolaringologista.
5. Médica Estagiária do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
6. Médico.

Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da UFPR. Curitiba / PR - Brasil.

Endereço para correspondência:
Marina Serrato Coelho
Rua Francisco Juglair, 298 - 301-B
Curitiba / PR - Brasil - CEP: 81200-230
Telefone: (+55 41) 3532-8482
E-mail: ma.serrato@hotmail.com

Artigo recebido em 31 de Março de 2009.
Artigo aceito em 12 de Junho de 2009.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024