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Ano: 2009  Vol. 13   Num. 3  - Jul/Set Print:
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Incidência de Sintomas de Refluxo Gastroesofágico em Pacientes com Rinossinusite Crônica Refratária ao Tratamento Clínico
Incidence of Gastroesophageal Reflux Symptoms in Patients with Refractory Chronic Sinusitis Upon Clinical Treatment
Author(s):
Marina Serrato Coelho1, Milton Rogério Spolaor2, Evaldo Dacheux de Macedo Filho3, Edgar Sirena4, Paulo Romam5, Marcela Schmidt B. de Oliveira6.
Palavras-chave:
sinusite, refluxo gastroesofágico, associação.
Resumo:

Introdução: A rinossinusite crônica (RNSC) é uma patologia que apresenta alterações estruturais e histológicas. A associação entre RNSC e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) vem sido bastante debatida nos últimos anos. Para que esta relação seja comprovada é necessário que haja evidências de que pacientes com RNSC apresentem maior incidência de DRGE, de que a fisiopatologia de ambas as doenças explique a associação entre elas e de que o tratamento do DRGE cure ou melhore os sintomas de RNSC. Objetivo: Avaliar a incidência de DRGE em pacientes portadores de RNSC e grau de melhora dos sintomas da doença nasossinusal após o tratamento com inibidores de bomba de prótons. Método: Estudo retrospectivo com 30 pacientes com RNSC refratária ao tratamento clínico e/ou patologia polipoide da cavidade nasal com indicação de cirurgia endoscópica funcional dos seios paranasais. Foi aplicado um questionário para avaliação da sintomatologia e tratamento prévio para refluxo Gastroesofágico. Os dados foram submetidos à análise estatística por método do Qui-Quadrado ou teste exato de Fisher com significância de 5%. Resultados: Associação entre RNSC e doença do RGE ocorreu em 40% dos pacientes. Dos pacientes portadores de RGE, 33% apresentaram melhora da sintomatologia da RNSC com medicações para tratamento da patologia gástrica. Conclusão: Ainda não é possível afirmar que o RGE seja um fator responsável pela RNSC, e este deve ser investigado como cofator ou fator desencadeante quando não houver outra etiologia evidente. Há, entretanto, mecanismos biológicos plausíveis para esta associação.

INTRODUÇÃO

A rinossinusite crônica (RNSC) consiste de uma patologia crônica da mucosa nasossinusal, com sinais e sintomas presentes há mais que 12 semanas, ocorrendo alterações estruturais e histológicas tanto da mucosa nasossinusal como do osso subjacente.

Esta doença afeta 5-15% da população mundial, sendo responsável por 11,6 milhões de consultas médicas por anos nos Estados Unidos (1). Ocorre igualmente entre os sexos, raças e grupos etários. Inúmeros fatores estão comprovadamente associados a esta condição, como alergia, asma, imunodeficiências, intolerância a aspirina e diminuição da função ciliar (2). Nos últimos anos, outro fator vem sendo relacionados a RNSC - o refluxo gastroesofágico (RGE).

O RGE é uma entidade bastante conhecida dos otorrinolaringologistas; apresenta relação com tosse crônica, disfonia, disfagia, globus faríngeo, laringoespasmo, estenose subglótica, lesões benignas e malignas das pregas vocais (3). Sua associação com RNSC, entretanto, ainda é motivo de controvérsias, assim como seu impacto na evolução e terapêutica da doença.

Este estudo tem como objetivo avaliar a incidência de DRGE em pacientes portadores de RNSC e grau de melhora dos sintomas da doença nasossinusal após o tratamento medicamentoso da doença gastroesofagica


MÉTODO

Estudo clínico retrospectivo em que foram avaliados 30 pacientes, com idades entre 11 e 68 anos de idade, no período de janeiro de 2007 a novembro de 2008, em acompanhamento no serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas - UFPR por rinossinusite crônica e polipose nasal.

Em nosso grupo amostral, os pacientes haviam sido selecionados para a cirurgia segundo uma anamnese detalhada, exame físico e exames complementares. Foram incluídos no estudo pacientes com história clínica de rinossinusite crônica refratária ao tratamento clínico e portadores de patologia polipoide da cavidade nasal, sendo que todos apresentavam indicação de cirurgia endoscópica funcional dos seios paranasais (FESS).

Foi aplicado um questionário para avaliação da sintomatologia do grupo estudado, ocorrência de tratamento clínico prévio da RNSC, quais medicações já haviam sido utilizadas, grau de melhora com estes medicamentos, tratamento cirúrgico nasal prévio, presença de diagnóstico prévio de doença do refluxo gastroesofágico, medicações utilizadas para controle do mesmo, grau de melhora da RNSC e RGE com estas drogas, e se o paciente já havia realizado endoscopia digestiva alta e pHmetria.

O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa do Hospital de Clínicas - Universidade Federal do Paraná.

Os dados foram submetidos à análise estatística por método do Qui-Quadrado ou teste exato de Fisher com significância de 5%, e foi realizada uma revisão minuciosa da literatura sobre associação de Rinossinusite crônica e doença do refluxo gastroesofágico.


RESULTADOS

A avaliação do grupo amostral evidenciou, no nosso estudo, uma associação entre rinossinusite crônica e doença do refluxo gastroesofágico em 40% dos pacientes. Dos pacientes portadores de RGE, 33% apresentaram melhora da sintomatologia da RNSC com medicações para tratamento da patologia gástrica.

Quanto à sintomatologia nos pacientes em estudo, foram encontrados sintomas tanto da RNSC quanto do RGE.

Em relação ao uso de medicações, 100% dos pacientes já havia feito tratamento clínico anterior para RNSC, sendo citados várias formas de tratamento. Foi relatado o uso de Budesonida em 90% dos casos. Outras drogas foram citadas: amoxacilina, levofloxacina, prednisona, entre outras. A melhora com tratamento clínico foi parcial em 60% dos pacientes, total em 23% e não houve melhora alguma em 17% dos casos.

Do ponto de vista da prevalência da RNSC e RGE entre os sexos, 20% das mulheres apresentavam apenas RNSC enquanto 33% dos homens apresentavam esta patologia isoladamente. Entretanto, 30% das mulheres tinha associação entre RNSC e DRGE enquanto apenas 16% dos homens tinha a mesma associação.


DISCUSSÃO

A associação entre RNSC e RGE, assim como a importância do refluxo na história clínica e terapêutica da RNSC vem sido bastante debatida nos últimos anos. Para que esta relação seja comprovada é necessário que haja evidências de que pacientes com RNSC apresentem maior incidência de RGE, de que a fisiopatologia de ambas as doenças explique a associação entre elas e de que o tratamento do RGE cure ou melhore os sintomas de RNSC (4).

Essa associação entre RNSC e DRGE esteve presente no nosso estudo em 40% dos pacientes. Outros autores também relataram essa associação. DIBAISE e cols observaram uma prevalência de 81,8% de RGE em pacientes com RNSC (5). Em questionário aplicado na comunidade, 56% dos entrevistados referiram sintomas de RGE, 75% sintomas nasossinusais, e 45% apresentavam ambos os sintomas, demonstrando ser esta uma associação bastante comum (6).

Para DIBAISE e cols, 78% das RNSC apresentavam critérios diagnósticos de RGE de acordo com a pHmetria de 24 horas (7). Em um estudo comparativo entre 2 grupos, 63% dos pacientes com RNSC apresentavam pHmetria de 24 horas alterada; no grupo controle o refluxo foi diagnosticado no exame somente em 18% (8).
De acordo com WONG, adultos com RGE complicado possuem maior incidência de RNSC quando comparados a um grupo controle (9).

A FESS é, atualmente, a abordagem cirúrgica de escolha para RNSC refratária ao tratamento clínico. É efetiva em 89% dos casos, com melhora dos sintomas a longo prazo em até 98% (10). Os possíveis fatores envolvidos na falha terapêutica são técnica cirúrgica inadequada, doença irreversível da mucosa, sinéquia, alergia, tabagismo e RGE (11). O RGE é comprovadamente um fator que determina uma resposta pobre a FESS (12).

Em estudo publicado por DELGAUDIO, os casos de RNSC refratários a FESS apresentavam uma maior quantidade de episódios de refluxo até o esfincter esofágico superior e nasofaringe - com um grau maior de acidez (pH < 5) - do que o grupo controle (3).

Três mecanismos fisiopatológicos poderiam explicar a associação entre as doenças: o efeito direto do ácido na mucosa nasal, uma disfunção do sistema nervoso autônomo e a presença do Helicobacter pylori (HP) (4).

Sabe-se que o contato do ácido estomacal com a mucosa nasal resulta em edema desta, com diminuição do clearence mucociliar e obstrução do óstio de drenagem sinusal. Para WONG e cols, o refluxo ácido é um evento raro na nasofaringe (5% dos casos), apesar de uma parcela significativa dos pacientes com RNSC (32%) apresentar pHmetria alterada (1). Em estudo publicado por PHIPPS e cols, 63% dos casos de RNSC apresentavam refluxo esofágico e 32% refluxo na nasofaringe (13).

A disfunção autonômica - via nervo vago - possui papel de destaque na fisiopatologia da asma e RGE. O aumento do tônus vagal pode ser parcialmente responsabilizado pela hiper-reatividade das vias aéreas ao ácido (14).

Quadro semelhante pode ocorrer na cavidade nasal e seios paranasais.

É comprovada a importância do Helycobacter pylori (HP) na fisiopatologia da gastrite aguda, gastrite crônica ativa, úlceras gástrica e duodenal crônica, adenocarcinoma gástrico e linfoma primário de células B do estômago (1). Recentemente o HP tem sido identificado no esôfago distal, dentes, saliva, tonsilas palatinas e adenoides, sem saber - até o momento - se a sua presença resultaria em alguma anormalidade nestes tecidos (1). DINIS encontrou a mesma incidência de HP nos pacientes com RNSC e no grupo controle, em avaliação feita através de PCR e histologia (15). Para KIM HYO YEOL, o HP possui um papel limitado na patogênese da RNSC (16).

Estudos retrospectivos demonstram melhora de 69 a 89% dos sintomas nasossinusais após tratamento para RGE (8, 17). PHIPPS e DIBAISE e cols observaram melhora clínica nasossinusal em 80 a 91% dos casos após tratamento com inibidores de bamba de prótons (IBP), em estudos prospectivos (13,18). Em estudo realizado por PINCUS e cols, 56% apresentaram melhora e 28% resolução da sintomatologia nasossinusal (19). Para DIBAISE, a melhora foi discreta após 3 meses de tratamento com IBP e a completa resolução dos sintomas foi rara (5). No presente estudo pode ser observado melhora da sintomatologia da RNSC em 33% dos tratados com inibidores de bomba de prótons.

Segundo AMIN e cols, ainda não é possível afirmar que o RGE seja um fator responsável pela RNSC, e este deve ser investigado como cofator ou fator desencadeante quando não houver outra etiologia evidente. Há, entretanto, mecanismos biológicos plausíveis para esta associação (20).

Nosso estudo mostrou que os sintomas da DRGE são bastante prevalentes nos pacientes com RNSC, porém, o diagnóstico diferencial entre essas duas doenças apenas pelo quadro clínico pode ser um tanto difícil, visto que, manifestações atípicas do RGE podem ser semelhantes aos sintomas apresentados por pacientes portadores de RNSC e da mesma forma o contrário também é possível, ou seja, sintomas de RNSC podem simular manifestações atípicas da DRGE.

Diante desse desafio diagnóstico que se impõe e para que não haja uma supervalorização do RGE, sugerimos quando possível a realização de exames complementares, como a pHmetria de 24 horas, para que o diagnóstico preciso da DRGE possa se feito, caso nenhum exame esteja disponível, o teste terapêutico com inibidores da bomba de prótons pode ser bastante sugestivo da presença de RGE em pacientes DRGE refratária.

Além disso, outros questionamentos ainda podem ser levantados com relação a DRGE: É uma doença que complica a patologia já instalada? Pode ser considerado um fator etiológico? Mais estudos são necessários para que essas e outras perguntas possam ser esclarecidas.


CONCLUSÃO

O presente estudo sugere que pode existir associação entre o RGE e a RSC, o que deve ser lembrado nos pacientes refratários ao tratamento convencional. Porém, outros estudos são necessários para melhor esclarecer a associação dessas doenças.


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20. Amin MR, Postma GN, Johnson P, Digges N, Koufman JA. Proton pump inhibitor resistance in the treatment of laryngopharyngeal reflux. Head Neck Surg. 2001, 125:374-78.








1. Médica Residente em Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
2. Médico Otorrinolaringologista.
3. Doutor. Médico do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
4. Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.
5. Acadêmico de Medicina do Sexto Ano de Medicina da UFPR.
6. Médica Estagiária do Serviço de Otorrinolaringologia do HC-UFPR.

Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.
Curitiba / PR - Brasil.

Endereço para correspondência: Marina Serrato Coelho - Rua Francisco Juglair, 298 301 - Bairro: Ecoville - Curitiba / PR - Brasil - CEP: 81200-230 - Telefone: (+55 41) 3314-1500 - E-mail: emacedo@onda.com.br.

Artigo recebido em 05 de Julho de 2009. Artigo aceito em 07 de Setembro de 2009.
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