INTRODUÇÃO A displasia fibrosa (DF) é um pseudotumor raro, de caráter benigno e recidivante, com etiologia ainda desconhecida. Consiste na substituição do osso normal por um tecido fibroso desorganizado contendo trabéculas osteoides imaturas, lembrando caracteres chineses. Acomete mais indivíduos da raça branca durante a infância e a adolescência, com uma discreta predileção pelo sexo feminino (1,2).
Tem particular interesse na otorrinolaringologia por serem tumores raros com sintomatologia inespecífica, o que leva muitas vezes a um diagnóstico tardio pela baixa suspeição. Possui predileção por ossos da face e crânio, podendo acometer também ossos longos. A DF geralmente tem curso assintomático devido ao crescimento lento e tendência à estabilização após a puberdade (1,2). Em poucos casos pode ter um comportamento agressivo, ocasionando disfunções e deformidades anatômicas (3,4,5). A transformação maligna é observada em 1% dos casos (6,7).
O presente artigo descreve duas apresentações não usuais de displasia fibrosa caracterizadas pelas recidivas precoces com extenso acometimento dos seios paranais e pelo comportamento agressivo com invasão orbitária e base do crânio.
RELATO DO CASO Caso 1: Paciente, 7 anos, masculino, com queixa de cefaleia frontal moderada, vertigem e epistaxes recorrentes iniciados há 2 anos. Evolui com alterações psiquiátricas automutilantes, obstrução e alargamento da base nasal; além de exoftalmia à esquerda, sem déficit visual. A obstrução nasal inicialmente à esquerda, progrediu contralateralmente, prejudicando a respiração e sono. Realizou tomografia computadorizada (TC) em agosto de 2002 que evidenciou lesão expansiva com densidade óssea e aspecto de vidro despolido, com isocentro em cavidades nasais, sugerindo displasia fibrosa. Superiormente estendia-se aos seios etmoidais e à fossa craniana anterior. Inferiormente, havia alargamento e invasão do infundíbulo maxilar esquerdo e; medialmente, deslocava a parede medial da órbita esquerda, causando compressão sobre o músculo reto medial e proptose bulbar grau I. Foi submetido à antrectomia e descompressão orbitária à esquerda. O diagnóstico histopatológico evidenciou substituição óssea normal por tecido fibroso contendo trabéculas osteoides imaturas e desorganizadas. Um ano após a cirurgia os sintomas retornaram. Uma nova TC evidenciou um processo expansivo com densidade óssea ao nível do etmoide, parte do esfenoide e fossas nasais, envolvendo órbita esquerda e seio frontal, além de comprometimento de seio maxilar esquerdo (Figura 1). Uma antrectomia esquerda foi realizada em 2004. Após seis meses de acompanhamento, não havia anormalidades clínicas nem radiológicas. Contudo, houve nova recidiva após dois anos de seguimento, com a TC de face mostrando lesão recidivante em seios maxilar e esfenoidal esquerdos, seios etmoidais e frontais (Figura 2). Foi novamente submetido à cirurgia e houve nova recorrência em 2007. A TC de seios paranasais mostrou hiperosteose ao nível dos ossos da face com aspecto em vidro fosco, sugestivo de displasia fibrosa. Uma quarta cirurgia foi realizada em janeiro de 2008, consistindo em uma etmoidomaxilarectomia via degloving e craniotomia frontal bilateral para ressecção de lesão acometendo o esfenoide. O exame histopatológico diagnosticou displasia fibrosa (Figura 3). O paciente evoluiu bem sem sinais de fístula liquórica e com melhora da deformidade facial.
Caso 2: Paciente, 25 anos, sexo feminino, com história de algia moderada e abaulamento em região maxilar e zigomática esquerda iniciada há 2 anos. A TC de seios da face em julho de 2007 evidenciou lesão sólida à esquerda, invadindo seio maxilar com extensão para órbita, seio frontal e etmoidal, fossa nasal e faringe ipsilateral, além de destruição óssea e proptose do globo ocular esquerdo (Figura 4). Foi submetida à osteotomia maxilar superior esquerda. O diagnóstico histopatológico revelou substituição óssea normal por tecido fibroso contendo trabéculas osteoides imaturas e desorganizadas. Oito meses após a cirurgia os sintomas retornaram, havendo nova recidiva com a TC mostrando lesão em seio maxilar esquerdo, seios etmoidais e frontais, bem como proptose do globo ocular esquerdo. Em abril de 2008, uma nova osteotomia de maxila superior esquerda foi realizada com ressecção da lesão expansiva. O exame histopatológico diagnosticou displasia fibrosa. A paciente evoluiu sem queixas e melhora da deformidade facial.
Figura 1. Corte coronal de tomografia computadorizada mostrando tumor comprometendo o etmoide, o esfenoide, fossas nasais, órbita esquerda e seio frontal, além de envolvimento de antro maxilar esquerdo.
Figura 2. Corte axial de tomografia computadorizada eviden-ciando lesão expansiva com densidade óssea e aspecto de vidro despolido recidivante acometendo os seios etmoidais e fossa craniana anterior, invasão do infundíbulo maxilar esquerdo e deslocando a parede medial da órbita esquerda com proptose bulbar.
Figura 3. Corte histopatológico mostrando substituição óssea normal por tecido fibroso contendo trabéculas osteoides imaturas e desorganizadas (40X).
Figura 4. Corte axial de tomografia computadorizada mostrando tumor à esquerda, invadindo seio maxilar com extensão para órbita, seio frontal e etmoidal, fossa nasal e faringe ipsilateral, além de destruição óssea e proptose do globo ocular esquerdo.
DISCUSSÃO A displasia fibrosa é uma lesão tumoral benigna rara de caráter recidivante com etiologia ainda desconhecida. Consiste na alteração da maturação óssea, ocorrendo substituição do osso normal por um tecido fibroso desorganizado contendo trabéculas osteoides curvilíneas imaturas, lembrando as letras chinesas (1). A DF craniofacial representa aproximadamente 2,5% dos tumores ósseas e 7,5% dos tumores ósseos benignos. Acomete mais indivíduos da raça branca, com uma discreta predileção pelo sexo feminino (2).
A displasia fibrosa apresenta dois padrões clínicos. O padrão monostótico é o mais frequente correspondendo a 70% dos casos; ocorre em um único osso ou em ossos contíguos. Já padrão poliostótico é encontrado quando vel por 3% dos casos e com predominância no sexo múltiplos ossos são acometidos. Uma forma particular feminino (1,2,3). denomina-se síndrome de McCune-Albright, consistindo na forma poliostótica acompanhada de manchas cutâneas Em ambos os casos apresentados, houve um acohiperpigmentadas e puberdade precoce, sendo responsá-metimento contíguo e restrito aos ossos craniofaciais correspondendo ao padrão monostótico. Apesar de mais frequente, o acometimento desses ossos na forma monostótica é menos comum, uma vez que a DF tem predileção por ossos longos (como costelas, fêmur e tíbia). O envolvimento craniofacial chega a 25% no padrão monostótico e 50%, no poliostótico (1). Na face, a maxila é o osso mais acometido, seguido pela mandíbula. O frontal, o temporal e o clivus são menos afetados (10). A extensão para a órbita é incomum, enquanto que a invasão de base do crânio é um evento raro (4,5,10,12).
Por serem tumores raros, com sintomatologia inespecífica e acometerem ossos craniofaciais, possuem particular importância na otorrinolaringologia. O diagnóstico muitas vezes é tardio pela baixa suspeição (1). A DF, quando monostótica, apresenta geralmente um curso assintomático ou sintomas leves, com crescimento insidioso e tendência à estabilização após a puberdade. Usual-mente, a descoberta é incidental. Em poucos casos pode ter um crescimento mais agressivo, com crescimento rápido, provocando dor, obstrução nasal ou exoftalmia. A forma poliostótica associa-se a um acometimento progressivo, alta probabilidade de complicações e recidivas na idade adulta (3,4,5,12). Nos casos presentes, os sintomas se iniciaram há aproximadamente 2 anos (obstrução nasal, cefaleia, vertigem). Um quadro inespecífico e insidioso que evoluiu com alterações estéticas como abaulamento de pirâmide nasal e proptose ocular.
Em estágios avançados a DF ocasiona deformidades e disfunção, de modo que os sintomas se relacionam com a área afetada. Os principais são: disacusia sensório-neural, estenose do conduto auditivo, obstrução nasal uni ou bilateral, cefaleia intensa, exoftalmia (4,5,12). Pode haver também comprometimento dos nervos trigêmeo, facial e outros pares cranianos (2,9). A transformação maligna é observada em 1% dos casos, geralmente para osteossarcoma (6,7).
Os métodos de imagens são fundamental na caracterização da lesão e análise da expansão tumoral, auxiliando no planejamento cirúrgico e o seguimento longitudinal dos pacientes operados (8). A tomografia computadorizada possui uma acurácia superior à radiografia simples (3). São descritas três formas radiológicas: (1) forma compacta, é a mais comum (50% dos casos) e possui padrão homogêneo, com imagem característica de "vidro fosco"; (2) a lesão lítica possui caráter irregular circundado por uma margem de alta densidade; e (3) a forma mista, que apresenta áreas radiolúcidas alternadas com áreas radiopacas (2,3,8).
Os principais diagnósticos diferenciais são: hiperosteose, osteoma, osteosarcoma, cordoma, meningioma hiperostótico, tumor marrom do hipertireoidismo e fibroma ossificante (1,3). Esse último tem importância pela semelhança clínica e radiológica, devendo ser diagnosticado por exame histopatológico (3,14).
Pacientes com pequenas lesões assintomáticas requerem acompanhamento, não havendo necessidade de ressecção ou reconstrução cirúrgica. Deve-se realizar biópsia para confirmação diagnóstica e estreito acompanhamento com TC de controle. A estratégica cirúrgica é indicada em lesões sintomáticas, podendo ser realizada em qualquer idade em caso de disfunção acentuada ou acometimento extenso. Muitas vezes não é possível a excisão completa das lesões em decorrência do grau de acometimento e do não delineamento das margens tumorais (2,9). A displasia fibrosa não responde a radioterapia e esta é considerada um fator de malignização da lesão (10).
Nos dois casos descritos havia disfunção orgânica e extensa invasão tumoral ocasionando deformidades faciais, optando-se pela intervenção cirúrgica. No primeiro caso, realizou-se pela etimoidomaxilarectomia via degloving acompanhada de craniotomia frontal bilateral para excisão tumoral que invadia a base do crânio. No segundo caso, optou-se pela antrectomia maxilar superior para ressecção tumoral. Ambos os pacientes evoluíram com remissão dos sintomas, bom resultado estético e não apresentaram novas recidivas durante o seguimento pós-operatório.
As reconstruções ósseas são favoráveis se existirem distorções anatômicas, alterações funcionais e compressão de nervos cranianos, sendo mais indicadas após a estabilização do crescimento tumoral e devem ser conduzidas imediatamente após a ressecção ampla das lesões ósseas (9). Podem ser utilizados enxertos ósseos autólogos ou sintético de metilmetacrilato. Os resultados são promissores quando auxiliadas por novas tecnologias no planejamento cirúrgico como a tomografia computadorizada virtual em três dimensões (3D) (15,16).
Atualmente, o procedimento endoscópico intranasal de Lothrop modificado tem sido utilizado no tratamento de sinusites crônicas e tumores do seio frontal. Apresentam vantagens, sobre as técnicas abertas, pelo menor tempo cirúrgico e de permanência hospitalar no pós-operatório, além de menos complicações intra e pós-operatórias (11).
COMENTÁRIOS FINAIS A displasia fibrosa é uma osteopatia incomum com etiologia desconhecida. Possui importância em otorrinolaringologia por acometerem ossos craniofaciais, sendo a maxila o osso mais afetado na face. Apresenta sintomatologia inespecífica e a invasão orbitária é um evento raro. A forma monostótica tem um curso assintomático, com crescimento lento e estabilização após a puberdade, necessitando apenas acompanhamento. O tipo poliostótico possui um comportamento progressivo e se associa a complicações e recidivas. A tomografia é o método de eleição na caracterização da expansão tumoral, auxiliando no planejamento cirúrgico. A estratégica cirúrgica está indicada em lesões sintomáticas, alterações funcionais ou distorções anatômicas. Ressecções endoscópicas apresentam vantagens sobre as técnicas abertas por serem minimamente invasivas, com menos complicações intra e pós-operatórias. Novas técnicas de reconstruções ósseas a partir de enxertos ósseos autólogos ou sintético guiadas por tomografia computadorizada em 3D para o planejamento cirúrgico têm mostrados resultados estéticos e funcionais promissores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Rosenberg A. Ossos, Articulações e Tumores de Partes Moles. Em: Cotran RS, Kumar V, Robbins ST. Patologia estrutural e funcional. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 1087-1134.
2. Jan M, Dweik A, Destrieux C, Djebbari Y. Fronto-orbital sphenoidal fibrous dysplasia. Neurosurgery. 1994, 34(3):544-547.
3. Alves AL, Canavarros F, Vilela DSA, Granato L, Próspero JD. Displasia fibrosa: relato de três casos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002, 68(2):288-292.
4. Júnior VS, Andrade EC, Didoni ALS, Jorge JC, Filho NS, Yoshimoto FR. Displasia fibrosa do osso temporal: relato de caso e revisão da literatura. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004, 70(6):828-831.
5. Falavigna A, Borba LAB, Teles AR. Displasia fibrosa do clivus. Arq Neuropsiquiatr. 2006, 64(2):329-333.
6. Brownbill D, Snell JA. A case of malignant transformation in fibrous dysplasia. Aust N Z J Surg. 1967, 36(3):254-255.
7. Schwartz DT, Alpert M. The malignant transformation of fibrous dysplasia. Am J Med Sci. 1969, 247:1-20.
8. Botelho RA, Tornin OS, Yamashiro I, Menezes MC, Furlan S, Ridelenski M, et al. Características tomográficas da displasia fibrosa craniofacial: estudo retrospectivo de 14 casos. Radiol Bras. 2006, 39(4):269-272.
9. Sharma RR, Mahapatra AK, Pawar SJ, Lad SD, Athale SD, Musa MM. Symptomatic cranial fibrous dysplasias: clinicoradiological analysis in a series of eight operative cases with follow-up results. J Clin Neuroscienc. 2002, 9(4):381-390.
10. Sottano CA, Garcia CRM, Valdivia ODV, Paiva LJ. Displasia fibrosa craniofacial: estudo de 14 casos. Rev Bras Otorrinolaringol. 1979, 45(2):164-169.
11. Charlett SD, Mackay SG, Sacks R. Endoscopic treatment of fibrous dysplasia confined to the frontal sinus. Otolaryngol Head Neck Surg. 2007, 136(4):59-61.
12. Oliveira RCB, Granato L, Korn GP, Marcon MA, Cunha AP. Displasia fibrosa do osso temporal: relato de dois casos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004, 70(5):695-700.
13. Lupescu I, Hermier M, Georgescu SA, Froment JC. Helical CT and diagnostic evaluation of cranio-facial fibrous dysplasia. J Radiol. 2001, 82(2):145-149.
14. Voytek TM, Ro JY, Edeiken J, Ayala AG. Fibrous dysplasia and cemento-ossifying fibroma. A histologic spectrum. Am J Surg Pathol. 1995, 19(7):775-781.
15. Murray DJ, Edwads G, Mainprize JG, Antonyshyn O. Advanced technology in the management of fibrous dysplasia. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2008, 61(8):906-916.
16. Chowdhury K, Schramm VL. Fibrous Dysplasia of the sinuses and orbit: surgical techniques. Otolaryngol Head Neck Surg. 1999, 10(2):113-120.
2. Graduação. Médico Residente de Cirurgia Geral da Universidade Federal do Piauí.
3. Doutorado. Professora Doutora Adjunta do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal do Piauí, Teresina, Piauí, Brasil.
Instituição: Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal do Piauí.
Teresina / PI - Brasil. Endereço para correspondência: Vítor Yamashiro Rocha Soares - Rua Deusa Rocha, 2076 - Bairro: Cristo Rei Teresina / PI - Brasil - CEP: 64014-180 - Telefone: (+55 86) 3217-8321 - E-mail: vyrsoares@yahoo.com.br
Artigo recebido em 24 de Junho de 2008. Artigo aceito em 31 de Maio de 2009.