INTRODUÇÃOCorpos estranhos (CE) são motivos frequentes de consultas em Otorrinolaringologia. Os sítios mais comumente acometidos são cavidade nasal, orelhas e orofaringe. Nestes locais os corpos estranhos apresentam sintomas característicos e a remoção destes não representa grande dificuldade para o especialista. A forma de inoculação pode ser voluntária ou acidental (1,2,3).
Segundo vários autores (1,4,5,6,), os CE correspondem, em média, por 11% dos casos de Emergências em Otorrinolaringologia, podendo evoluir com complicações em 22% dos casos. Estas complicações são, na maioria dos casos, simples, mas, eventualmente, quadros mais severos, como perfurações timpânicas e broncoaspiração podem ocorrer (6,7).
Vários fatores são decisivos para a ocorrência de complicações como a tentativa de remoção por curiosos e profissionais de saúde não habilitados; inexperiência do médico no manejo de corpos estranhos; falta de infra-estrutura hospitalar adequada; má estruturação da rede pública para Emergências em Otorrinolaringologia e longa permanência do corpo estranho (1,6,8).
O grande potencial para complicações durante a remoção destes corpos estranhos torna importante a atuação do otorrinolaringologista neste procedimento. O sucesso da remoção de CE depende da cooperação do paciente, da habilidade do médico, do tipo de CE, da manipulação prévia, da visibilidade e profundidade do CE e dos equipamentos disponíveis (2).
Como a ocorrência de CE envolvendo as cavidades nasais, orelhas e orofaringe é motivo de frequentes consultas em serviços de emergência de otorrinolaringologia, seu tempo de permanência é que irá determinar a sintomatologia, já que os casos de CE raramente são assintomáticos. Nas cavidades nasais os sintomas iniciam-se com espirros, rinorreia hialina e obstrução nasal, evoluindo em alguns dias para rinorreia unilateral fétida e purulenta. Nas orelhas o quadro pode se iniciar com hipoacusia, otorragia, otorreia ou zumbido. Já na orofaringe o principal sintoma é a odinofagia (1,2).
Em relação ao modo de introdução dos CE pode-se classificá-los em voluntária ou acidental. A voluntária ocorre principalmente nas crianças e a acidental, no qual é mais comum em adultos, é representada por animais vivos, sendo a miíase mais comumente encontrados e associados a complicações mais severas (2,9). Os primeiros anos de vida, são para as crianças, uma fase de exploração e interação com o meio ambiente. Quando começa a engatinhar e/ou andar, a criança passa a ter acesso a uma grande variedade de objetos, nos quais acabam, por curiosidade, colocando-os em orifícios mais expostos como orelha, nariz e orofaringe (10).
A forma e o tamanho dos objetos encontrados como CE pode determinar a dificuldade na remoção. No CE de orelha podem ocorrer complicações devido as pequenas dimensões do meato acústico externo e a proximidade de estruturas importantes (2,4). A remoção torna-se difícil quando o CE está próximo da membrana timpânica, devido o risco de perfuração da mesma. Dentre as complicações mais frequentes pode-se encontrar: laceração do meato acústico externo, perfuração timpânica, otite externa e hematoma. Os casos de CE de cavidade nasal podem evoluir com epistaxe, perfuração septal e rinossinusite de acordo com o tempo de evolução e a localização dos mesmos (1,2).
O objetivo deste estudo é descrever uma série de pacientes com corpos estranhos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Paulista de Otorrinolaringologia - São Paulo, bem como avaliar o quadro clínico e tratamento nestes casos e suas complicações.
MÉTODOForam analisados de forma prospectiva, 128 pacientes com diagnóstico de corpo estranho em orelha, nariz ou orofaringe, atendidos no pronto socorro do Hospital Paulista de Otorrinolaringologia, São Paulo, no período de agosto de 2005 a agosto de 2007.
Foram levados em consideração a idade, sexo, localização do corpo estranho, tempo de introdução e remoção do corpo estranho, tipo de corpo estranho, complicações e sintomas mais comum.
O material utilizado para a remoção dos corpos estranhos inclui espéculos nasais e auriculares, abaixadores de língua de Bruennings, fibras óticas flexíveis e rígidas de 4mm de diâmetro (70o, 0o e 30o), pinças Kelly e baioneta, laringoscópio de fibra ótica, pinças Hartmann e jacaré, ganchos rombos e pontiagudos, seringas para lavagem auricular e lavador elétrico de orelhas. Em apenas 12 (9,37%) pacientes houve a necessidade de remoção no centro cirúrgico com anestesia geral.
RESULTADOSForam estudados 128 casos de CE em otorrinolaringologia, sendo 86 (67,18%) de orelha; 24 (18,75%) de cavidade nasal e 18 (14,07%) casos de orofaringe (Gráfico 1). Em relação ao sexo dos pacientes observamos 71 (55,47%) do sexo masculino e 57 (44,53%) do sexo feminino. A idade variou de 2 - 78 anos, sendo que a média de idade foi de 17 anos. Dentre as faixas etárias, 41 pacientes (32,03%) estavam na faixa de 0-10 anos, 9 (7,03%) entre 11-20 anos, 74 (57,81%) entre 21-59 anos e apenas 4 (3,13%) acima de 60 anos (Tabela 1).
A média do tempo de evolução foi de 12,2 dias, sendo que 73 (57,03%) casos foram atendidos com menos de 24 horas de evolução. Do total de pacientes 83 (64,85%) receberam atendimento inicial no PS do Hospital Paulista e 45 (35,15%) vieram encaminhados de outro serviço após alguma tentativa de remoção prévia. Os casos de CE de orelha apresentaram média do tempo de evolução de 11,76 dias. Nos casos de CE de nariz a média do tempo de evolução foi de 38,03 dias. Para os casos de CE de orofaringe a média foi de apenas 1,82 dias.
De acordo com a localização, dos 86 CE auriculares, 45 (52,32%) foram introduzidos na orelha direita, 39 (45,34%) na esquerda e 2 (2,34%) em ambas as orelhas. Nos CE nasais 9 (37,5%) envolveram a narina direita e 14 (58,33%) a esquerda e apenas 1 (4,17%) em ambas as narinas. Dos casos de orofaringe, 5 (27,77%) ocorreram na tonsila direita, 7 (38,88%) na tonsila esquerda e 6 (33,33%) em base da língua.
Entre os CE auriculares, 44 (51,16%) foram removidos com pinça jacaré; 29 (33,73%) com irrigação auricular com água morna através de seringa ou lavador elétrico de orelha; 5 (5,82%) com cureta otológica para cerúmen e 8 (9,31%) só foi possível a remoção em centro cirúrgico. Dos 24 pacientes com CE nasais, 18 (75%) foram submetidos à extração com sonda de Itard; 5 (20,83%) com pinça jacaré ou baioneta; e apenas 1 (4,17%) foi necessário remoção em centro cirúrgico. Já nos casos de orofaringe 15 (83,33%) foram removidos com pinça de Hartmann, sendo em alguns casos necessária a utilização da fibra ótica (flexível e/ou rígida) para melhor visibilidade, e em 3 (16,67%) casos só foi possível em centro cirúrgico por meio de anestesia geral. Os 12 (9,37%) casos que se fez necessário levar ao centro cirúrgico com auxílio de anestesia geral, foi devido principalmente a falta de colaboração dos pacientes, principalmente na faixa etária infantil e nos casos de orofaringe ao intenso reflexo nauseoso.
Os sintomas mais comuns dos casos de CE auriculares foram hipoacusia com 34 (39,53%) casos e otalgia com 21 (24,41%) casos. Nos CE nasais, a rinorreia unilateral estiveram presentes em 9 (37,5%) casos e a cacosmia em 6 (25%) casos. Nos CE de orofaringe o principal sintoma foi odinofagia com 16 (88,88%) casos (Tabela 2).
O CE mais frequente de orelha foi o algodão, com 37 (43,02%) casos, seguido de artefatos de plástico com 16 (18,60%) casos. O CE mais frequente na cavidade nasal encontramos o mesmo número de fragmentos de esponja e de papel com 8 (33,33%) casos cada. Já na cavidade oral a espinha de peixe foi a mais encontrada com 13 (72,22%) casos (Tabela 3).
Foram encontrados apenas 18 (14,06%) casos de complicações, decorrentes da presença de CE ou da manipulação dos mesmos. Dos CE auriculares 9 (7,03%%) casos apresentaram otite externa aguda; 3 (2,34%) casos tiveram laceração do conduto auditivo externo e apenas um (0,78%) caso apresentou perfuração timpânica. Nos CE nasais 4 (3,12%%) casos evoluíram para rinossinusite e um (0,78%) caso com epistaxe. Os casos de CE de região de orofaringe não apresentaram complicações (Gráfico 2).
Gráfico 1. Distribuição dos corpos estranhos em otorrinolarinogologia
Gráfico 2. Frequência e tipos de complicações existentes para remoção do corpo estranho.
DISCUSSÃOOs otorrinolaringologistas lidam com a maior parcela de orifícios corpóreos naturais pelos quais os corpos estranhos podem ser introduzidos como: orelha, nariz e boca. O esôfago e as vias aéreas inferiores são atingidas de forma indireta, uma vez que os corpos estranhos devem passar primeiramente pela faringe ou fossas nasais. Alguns autores ressaltam que os CE de orofaringe e fossas nasais são CE esofagianos e brônquicos em potencial (1,7,8). Com isso, sabemos que tais acidentes podem levar a complicações sérias e, inclusive, ao óbito, o que neste trabalho, não observamos nenhum desfecho fatal.
Nossos dados são concordantes com a literatura (2,5,8,11,12,13) sobre a localização dos corpos estranhos, com predominância em orelhas, seguidos pelos da região nasal e orofaringe. Em relação ao sexo, em comparação com outros autores (2,5,8), não encontramos diferença estatisticamente significativas.
A distribuição por faixa etária mostra uma clara predominância de CE em região nasal em crianças, o que também foi confirmado em outros estudos (1,2,8,14). Observou-se diminuição da incidência conforme o aumento da idade. Este fato pode ser explicado pela curiosidade e da descoberta em relação ao corpo. Com o crescimento e o desenvolvimento cognitivo, a introdução de CE nas narinas diminui significativamente, sendo encontrado apenas em pacientes com distúrbios psiquiátricos (2,15). Já os corpos estranhos em orofaringe são mais encontrados em adultos, enquanto os de orelha mostram uma distribuição mais balanceada, o que são concordantes com a literatura (2,8,11,16).
O tempo de evolução foi inferior a 24 horas em 57,03% dos casos, semelhante ao encontrado nos estudos de IKINO et al ( 1998) e TIAGO et al (2006). A média do tempo de evolução dos CE de orofaringe foi de apenas 1,82 dias, o que pode ser explicado pelo alto incômodo devido a presença do CE neste local. Os casos de CE de nariz foi os que mais apresentaram elevada média de tempo de evolução com 38,03 dias enquanto os de orelha foram 11,76 dias.
A alta incidência de espinhas de peixe como corpos estranhos de orofaringe reflete o pouco cuidado e a falta de atenção no preparo da alimentação e mastigação, especialmente com peixes pequenos. Nos casos de CE de orelha o algodão foi o mais encontrado principalmente pelo hábito da população pelo uso de cotonetes para limpeza e alívio do prurido otológico. Já em crianças encontramos mais fragmentos de plásticos variados, desde pedaço de brinquedos, botões, miçangas entre outros. Fragmentos de esponja e de papel, geralmente removidos de travesseiros, colchões, livros e cadernos, foram os corpos estranhos nasais mais encontrados. O caso de corpo estranho animado em nosso estudo representou apenas 5 casos, todos em pacientes acima de 20 anos de idade.
Os sintomas mais encontrados dos casos de CE auriculares foram hipoacusia com 39,53% dos casos e otalgia com 24,41% dos casos. Nos CE nasais, a rinorreia unilateral estiveram presentes em 37,5% dos casos e a cacosmia em 25%. Nos CE de orofaringe o principal sintoma foi odinofagia com 88,88% casos, devido ao extremo desconforto objetivando a busca pelo atendimento precoce.
Os matérias e métodos utilizados para a remoção dos CE de orelha, nariz e orofaringe foram semelhantes aos apresentados nos estudos de MARQUES et al (1998) e TIAGO et al (2006). Sendo que apenas 9,37% casos foram necessário levar ao centro cirúrgico com auxílio de anestesia geral, devido principalmente a falta de colaboração dos pacientes, ocorrendo em sua maior parte na faixa etária infantil e nos casos de orofaringe ao intenso reflexo nauseoso. O que se mostrou dentro dos demais estudos no qual a relação entre a necessidade de anestesia geral para remoção de CE variou de 8,6 a 30% (17).
Encontramos complicações em 14,06% dos casos. A maioria dos autores observaram maior incidência de complicações em casos previamente manipulados por médicos de outra especialidade, outros profissionais de saúde, o próprio paciente e mesmo outros leigos (4,6,11,16).
Em nosso estudo, as complicações mais frequentes foram otite externa aguda (7,03%) evoluindo com otalgia, sendo o tratamento feito com gotas tópicas e sintomáticos, rinossinusite aguda (3,12%) com rinorreia purulenta e obstrução nasal, onde foi prescrito antibióticos sistêmicos por 14 dias e lavagem nasal com solução fisiológica, laceração do conduto auditivo externo (CAE) com 2,34%, epistaxe (0,78%) sendo que de pequena quantidade, não necessitando de qualquer mecanismo de contenção e perfuração timpânica (0,78%) que foi tratado e feito acompanhamento ambulatorial.
CONCLUSÃOCom este estudo observamos que a maioria dos casos com manipulação prévia para a remoção do corpo estranho por profissional não habilitado ou por leigo evoluiu com complicações, mostrando que o manejo desses pacientes deve ser realizado pelo médico otorrinolaringologista e com o uso de material adequado.
O grande número dos casos de corpo estranho em ouvido, nariz e garganta resolve-se facilmente, porém é importante frisar que, quando em casos que há dificuldade técnica ou por falta de cooperação do paciente, deve-se optar pela remoção em centro cirúrgico sob sedação ou anestesia geral, evitando assim, complicações iatrogênicas.
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1. Ex-Fellow na Universidade de Graz - Áustria.
2. Otorrinolaringologista. Pós-graduando pela Fundação Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
3. Residente do Primeiro Ano do Hospital Paulista de Otorrinolaringologia.
Instituição: Hospital Paulista de Otorrinolaringologia. São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Breno Simões Ribeiro da Silva - Rua Dr. Diogo de Farias, 780 - Bairro Vila Clementino - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04037-002 - Telefone: (+55 11) 5087-8700 - E-mail: brenosimoes21@yahoo.com.br
Artigo recebido em 6 de Agosto de 2009. Artigo aprovado em 1º de Outubro de 2009.