Title
Search
All Issues
10
Ano: 2009  Vol. 13   Num. 4  - Out/Dez Print:
Original Article
Versão em PDF PDF em Português Versão em PDF PDF em Inglês TextoTexto em Inglês
Cirurgia Endoscópica de Ouvido: Dissecção da Orelha Média
Ear endoscopic Surgery: Dissection of the Middle Ear
Author(s):
João Flávio Nogueira Júnior1, Daniel Nogueira Cruz2.
Palavras-chave:
endoscopia, procedimentos cirúrgicos otológicos, dissecação, orelha média.
Resumo:

Introdução: Endoscópios são equipamentos utilizados com sucesso em diversos procedimentos de várias especialidades médicas. Entretanto, na área da otologia, mesmo com a incorporação dos endoscópios em procedimentos conjuntos com microscópio, os procedimentos puramente assistidos por endoscopia ainda são muito limitados. Objetivo: Realizar dissecção endoscópica transcanal e transcanal modificada da orelha média, mostrando marcos anatômicos importantes além das estruturas que podem ser visualizadas através deste acesso. Tipo de Estudo: Prospectivo. Método: Em maio de 2009, 10 peças de ossos temporais foram dissecadas pelo mesmo cirurgião com auxílio de endoscópios. Utilizamos instrumentos de 0 e 45 graus e 4 mm, os mesmos empregados em cirurgias naso-sinusais. Resultados: Não houve dificuldades técnicas maiores na realização das dissecções. Fomos capazes de identificar várias estruturas-chave tais como a articulação incudo-maleolar, segmento timpânico do nervo facial, canal semi-circular lateral e additus ad antrum, isto sem provocar lesões em estruturas da orelha média. Conclusão: A dissecção endoscópica da orelha média pelas vias transcanal e transcanal modificada é possível e possibilita excelente visualização de estruturas importantes na orelha média. As técnicas de cirurgia de ouvido com endoscópio neste momento são semelhantes às microscópicas, porém algumas adaptações de instrumentos, novas técnicas e familiarização com estes aparelhos são fundamentais para o futuro.

INTRODUÇÃO

Endoscópios são equipamentos utilizados com sucesso em diversos procedimentos de várias especialidades médicas. Em nossa especialidade, os endoscópios são extremamente úteis e, atualmente bastante familiares, em cirurgias de nariz, seios paranasais e base do crânio.

Nestas áreas, o endoscópio praticamente substituiu o microscópio por apresentar algumas vantagens como excelente visualização de estruturas, imagem grande angular, visualização em diversos ângulos e magnificação que possibilitam a realização de cirurgias complexas (1).

Entretanto, na área da otologia, mesmo com a incorporação dos endoscópios em procedimentos conjuntos com microscópio, as cirurgias puramente assistidas por endoscopia ainda são muito limitadas (2,3,4).

Atualmente, os procedimentos cirúrgicos da orelha média são tradicionalmente realizados com auxílio de microscópios. Entretanto, apesar de alguns benefícios, os microscópios, por conta de campo de visão restrito linear, não permitem fácil visualização de recessos profundos e laterais da orelha média. As técnicas cirúrgicas microscópicas convencionais, justamente por conta das limitações inerentes ao microscópio, requerem exposição para visualização destas áreas, muitas vezes utilizando acessos que requerem broqueamento de estruturas, além de incisões retroauriculares (2,5,6,7).

O endoscópio, apesar de não proporcionar neste momento visão tridimensional, oferece campo de visão amplo e com poder de magnificação ainda maior que alguns microscópios.

Atualmente, estes equipamentos já são utilizados para diagnóstico em ambulatórios ou para complementação cirúrgica, como em casos de inspeção de possíveis colesteatomas residuais, entretanto o uso cirúrgico dos endoscópios na otologia ainda é muito restrito e suas aplicações, na grande maioria das vezes, é meramente adjuvante ao uso de microscópios (4,5,7,8).

Nosso trabalho tem como objetivo apresentar técnica de dissecção endoscópica transcanal da orelha média, avaliando as áreas e marcos anatômicos importantes que podem ser acessados através deste acesso, discutindo as principais dificuldades técnicas encontradas.


MÉTODO

Realizamos a dissecção puramente endoscópica da orelha média, via trans-canal auditivo externo (transcanal e transcanal modificada), em 10 peças de osso temporal formolizadas no mês de maio de 2009. Utilizamos os seguintes instrumentos:
- Endoscópio: instrumentos de 4 mm e 18 cm de 0 e 45 graus, os mesmos utilizados em cirurgias tradicionais de nariz e seios paranasais (Figura 1B).
- Vídeo: câmera com três chips (Stryker 1088HD), com fonte de luz halógena de 150 watts.
- Instrumentos: material tradicional de cirurgia otológica com pinças, curetas, elevadores, além de aspirador descolador especialmente desenvolvido (Figura 1A).
- Posicionamento: os ossos temporais foram posicionados em bandeja própria e a dissecção foi realizada com o cirurgião visualizando diretamente o monitor que ficou à frente do cirurgião.

Um protocolo de dissecção endoscópica transcanal e transcanal modificada do ouvido médio com marcos anatômicos e estruturas que deveriam ser visualizadas foi desenvolvido. As dissecções foram baseadas neste protocolo e todas realizadas pelo mesmo cirurgião. Todos os ossos temporais escolhidos apresentavam membrana timpânica intacta. Os condutos auditivos externos foram limpos, para remoção de quaisquer objetos que pudessem prejudicar a introdução dos endoscópios.

A dissecção endoscópica iniciava-se com instrumento de 4mm e 0 graus. Um amplo retalho timpanomeatal era confeccionado expondo a orelha média. Neste ponto em todas as peças as seguintes estruturas deveriam visualizadas: promontório, janelas redonda e oval, ramo longo da bigorna, martelo, estribo, processo cocleariforme, tensor do tímpano e nervo facial.

Após a visualização destas estruturas uma curetagem era realizada na parede posterior do conduto auditivo externo, devendo expor o nervo corda do tímpano, tensor do estribo e eminência piramidal (Figura 2).

O próximo passo era a realização de curetagem na região atical, devendo ser visualizada a articulação incudo-maleolar. Após a visualização destas estruturas com endoscópio de 4mm e 0 graus, uma inspeção da orelha média era realizada com endoscópio de 4mm e 45 graus. Com este instrumento angulado deveria ser possível a visualização da tuba auditiva, canal do músculo tensor do tímpano, recesso do nervo facial, canal semi-circular lateral e entrada para antro mastoideo (Figuras 3 e 4).

A membrana timpânica, martelo, bigorna e estribo eram então removidos, expondo completamente a orelha média. Neste ponto outra inspeção com endoscópio de 4mm e 45 graus era realizada.



Figura 1. Instrumentos utilizados. A: Material tradicional de cirurgia otológica adicionado à curetas e aspirador descolador especialmente desenvolvido. B: Endoscópios de 4 mm e 18 cm (0 e 45 graus de angulação). Além destes, aspiradores tradicionais, pinças e tesouras também são necessários.



Figura 2. Dissecção endoscópica de ouvido. A: Visão endoscópica (0 graus e 4mm) da orelha média, após curetagem da parede posterior do conduto auditivo externo e remoção do nervo corda do tímpano. B: Mesma visão editada com cores para melhor identificação de algumas estruturas. MT: membrana timpânica. P: promontório. E: estribo. TE: tendão do estapédio. EP: eminência piramidal. RLB: ramo longo da bigorna. NF: segmento timpânico do nervo facial. PC: processo cocleariforme e tensor do tímpano.



Figura 3. Dissecção endoscópica de ouvido. A: Visão endoscópica (45 graus e 4mm) da orelha média, após curetagem da parede posterior do conduto auditivo externo, remoção do nervo corda do tímpano e início da curetagem da região atical. B: Mesma visão editada com cores para melhor identificação de algumas estruturas. MT: membrana timpânica. P: promontório. JR: nicho da janela redonda. B: bigorna. M: martelo e início da visualização da articulação incudo-maleolar. NF: segmento timpânico do nervo facial. PC: processo cocleariforme e tensor do tímpano.



Figura 4. Dissecção endoscópica de ouvido. A: Visão endoscópica (45 graus e 4mm) da orelha média. B: Mesma visão editada com cores para melhor identificação de algumas estruturas. PC: processo cocleariforme e tensor do tímpano. P: promontório. E: estribo. TE: tendão do estapédio. RLB: ramo longo da bigorna. NF: segmento timpânico do nervo facial. CSL: canal semi-circular lateral e entrada para antro mastoideo.



RESULTADOS

Todos os 10 ossos temporais foram dissecados com auxílio de endoscópios de 4mm de diâmetro e 18 cm de comprimento. Seis eram ossos do lado esquerdo e quatro do lado direito. As principais dificuldades técnicas encontradas foram o manuseio em alguns momentos do endoscópio e de instrumentos dentro do conduto auditivo externo. Entretanto, apesar destas não houve dificuldades técnicas maiores, tais como lesão (sem intenção) causada pela ponta do endoscópio em estruturas importantes da orelha média e no conduto auditivo externo na realização da dissecção assistida por endoscopia.
Todas as estruturas previamente citadas foram visualizadas com sucesso através desta via de acesso com o uso de endoscópios de 0 graus ou angulados. Além destas estruturas encontramos uma excelente visualização do segmento timpânico do nervo facial, canal semi-circular lateral, antro mastoideo, canal do músculo tensor do tímpano e tuba auditiva (Figuras 5 e 6).



Figura 5. Dissecção endoscópica de ouvido. A: Visão endoscópica (45 graus e 4mm) da orelha média após remoção da membrana timpânica e cadeia ossicular. B: Mesma visão editada com cores para melhor identificação de algumas estruturas. NF: segmento timpânico do nervo facial. CSL: canal semi-circular lateral. AM: entrada para antro mastoideo.



Figura 6. Dissecção endoscópica de ouvido. A: Visão endoscópica (45 graus e 4mm) da orelha média após remoção da membrana timpânica e cadeia ossicular. B: Mesma visão editada com cores para melhor identificação de algumas estruturas. TA: região da tuba auditiva. CTT: canal do músculo tensor do tímpano. PC: processo cocleariforme e tendão do músculo tensor do tímpano.



DISCUSSÃO

Embora os endoscópios já sejam utilizados em nossa especialidade há pelo menos 15 anos, na otologia o uso destes instrumentos ainda é muito restrito (2). Uma das principais razões pode ser o papel de proeminentes otologistas que advogam o uso de endoscópios somente para procedimentos secundários e limitados ao diagnóstico. Além disto, modificar técnicas tradicionais, com excelentes resultados e universalmente aceitas com uso de microscópios e a adaptação ao trabalho com apenas uma mão é difícil.

Outra razão pode ser o uso de endoscópios com diâmetro menor em otologia. Estes instrumentos podem ser muito frustrantes aos cirurgiões, pois talvez as únicas vantagens dos endoscópios sejam as diferentes angulações e maior campo de visão, o que não é atingido com estes endoscópios "otológicos" com menor diâmetro e comprimento. Além disto, muitas vezes estes endoscópios menores não possibilitam manuseio adequado dos instrumentos, visto que muitas vezes há espaço limitado para a movimentação das mãos, o que não acontece com uso de endoscópios de 4mm e 18 cm de comprimento (2,9,10,11,12).

A maioria dos autores afirma que a maior contribuição do endoscópio às cirurgias otológicas seria no tratamento de colesteatomas (6,7,8,9,12). Os acessos transcanal e transcanal modificado à cavidade timpânica têm tido especial atenção pelos que advogam o uso de endoscópios para o tratamento destas lesões e com excelentes resultados quanto comparados aos tradicionais acessos microscópicos (2,3,4,6,7,8,9,12).

Realizamos dissecção endoscópica utilizando instrumentos de 4mm e 18cm, que possibilitam visão melhor que as obtidas com os endoscópios otológicos. Estes instrumentos são os mesmos utilizados em cirurgias tradicionais de nariz e seios paranasais. O uso de endoscópios nasais em cirurgias otológicas é um assunto bastante recente. A grande maioria dos autores que advogam o uso da endoscopia para cirurgias otologias, utiliza endoscópios tradicionais de ouvido (2,3,4,9,13).

Não encontramos problemas tanto com o diâmetro ou pelo espaço ocupado no conduto auditivo externo pelo instrumento.
As dissecções foram baseadas nos acessos transcanal e transcanal modificado. Algumas dificuldades técnicas foram observadas pelo cirurgião que realizou as dissecções como ausência de visão estereoscópica tridimensional, e trabalho unimanual. Entretanto, estruturas-chave para a realização de cirurgias otológicas com segurança e efetivas foram encontradas, não havendo maiores dificuldades técnicas. É importante citar que se trata de estudo em peças anatômicas e sem sangramentos.

Apesar destas limitações, a excelente visualização endoscópica das estruturas da orelha média pode trazer um futuro promissor para a cirurgia endoscópica de ouvido. Pela capacidade de visualização endoscópica de algumas estruturas, lesões limitadas à região atical podem ser acessadas pelo conduto auditivo externo com assistência de endoscópios.

No estudo anatômico fomos capazes de identificar a articulação incudo-maleolar, além de segmento timpânico do nervo facial, canal semi-circular lateral e entrada do antro mastoideo, isto sem provocar lesões em estruturas da orelha média. Entretanto, lesões extensas podem apresentar um difícil manejo com endoscópios.

O uso de endoscópios em cirurgias otológicas ainda é limitado mas, a partir do estudo de dissecção, passamos a realizar cirurgias otológicas puramente endoscópicas para miringotomias, estapedotomias e tratamento cirúrgico de otites médias colesteatomatosas (Figuras 7 e 8).



Figura 7. Miringoplastia puramente endoscópica. A: Visão endoscópica (0 graus e 4mm) de perfuração em membrana timpânica direita. B: Visualização endoscópica (45 graus e 4 mm) da orelha média através da perfuração timpânica. Note visão do estribo, tensor do estapédio, eminência piramidal, janela redonda, parte do segmento timpânico do nervo facial e recessos em orelha média. Este tipo de visão não seria possível com uso de microscópio. C: Visão endoscópica (45 graus e 4mm) da tuba auditiva através da perfuração timpânica. D: Fechamento da perfuração timpânica.



Figura 8. Estapedotomia puramente endoscópica. A: Visão endoscópica (30 graus e 4mm) de perfuração criada em membrana timpânica esquerda. B: Visão endoscópica (30 graus e 4mm) após a fratura e remoção da super-estrutura do estribo. Note ramo longo da bigorna e nicho da janela oval (com platina do estribo). C: Colocação da prótese. D: Prótese no local.




CONCLUSÃO

A dissecção endoscópica da orelha média pelas vias transcanal e transcanal modificada é possível e possibilita excelente visualização de estruturas importantes na orelha média. As técnicas de cirurgia de ouvido com endoscópio neste momento são semelhantes às microscópicas, porém algumas adaptações de instrumentos, novas técnicas e familiarização com estes aparelhos são fundamentais para o futuro e popularização da cirurgia endoscópica de ouvido.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Higgins TS, Courtemanche C, Karakla D, Strasnick B, Singh RV, Koen JL, Han JK. Analysis of transnasal endoscopic versus transseptal microscopic approach for excision of pituitary tumors. Am J Rhinol. 2008, 22:649-52.

2. Tarabichi M. Endoscopic management of cholesteatoma: long term results. Otolaryngol Head Neck Surg. 2000, 122:874-81.

3. Tarabichi M. Endoscopic management of acquired cholesteatoma. Am J Otol. 1997, 18:5444-9.

4. McKennan KX. Endoscopic "second look" mastoidoscopy to rule out residual epitympanic/mastoid cholesteatoma. Laryngoscope. 1993, 103:810-4.

5. Rosenberg SI, Silverstein H, Willcox TO. Endoscopy in otology and neurotology. Am J Otol. 1994, 15:168-72.

6. Tarabichi M. Endoscopic middle ear surgery. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1999, 108:39-46.

7. Barakate M, Bottrill I. Combined approach tympanoplasty for cholesteatoma: impact of middle-ear endoscopy. J Laryngol Otol. 2008, 122:120-4.

8. Yung MW. The use of middle ear endoscopy: has residual cholesteatoma been eliminated? J Laryngol Otol. 2001, 115:958-61.

9. Tarabichi M. Endoscopic management of limited attic cholesteatoma. Laryngoscope. 2004, 114:1157-62.

10. El-Guindy A. Endoscopic transcanal myringoplasty. J Laryngol Otol. 1992, 106:493-5.

11. Kakehata S, Futai K, Sasaki A, Shinkawa H. Endoscopic transtympanic tympanoplasty in the treatment of conductive hearing loss: early results.Otol Neurotol. 2006, 27:14-9.

12. El-Meselaty K, Badr-El-Dine M, Mandour M, Maurad M, Darweesh R. Endoscope affects decision making in cholesteato-ma surgery. Otolaryngol Head Neck Surg. 2003, 129:490-6.

13. Karhuketo TS, Puhakka HJ. Endoscope-guided round window fistula repair. Otol Neurotol. 2001, 22:869-73.









1. Médico Otorrinolaringologista.
2. Médico Residente de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.

Insituição: Instituto de Otorrinolaringologia e Oftalmologia de Fortaleza - IOF Sinus Centro. Fortaleza / CE - Brasil. Endereço para correspondência: João Flávio Nogueira - Rua Dr. José Furtado, 1500 - Fortaleza / CE - Brasil - CEP: 60822-300 - Telefone: (+55 85) 9987-6234 - E-mail: joaoflavioce@hotmail.com

Artigo recebido em 25 de Outubro de 2009. Artigo aprovado em 02 de Dezembro de 2009.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024