INTRODUÇÃOO envelhecimento da população é um fato que se constata tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. O envelhecimento é considerado como uma fase do continuum que é a vida, começando com a concepção e terminando com a morte. É um processo dinâmico e progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que podem provocar a diminuição da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por levá-lo à morte (1).
Com o avanço da idade, várias alterações fisiológicas começam a ser percebidas pelos indivíduos. Em muitos casos, estas mudanças têm seu início em fases anteriores da vida, mas a manifestação ocorre a partir da entrada na chamada terceira idade.
Os problemas de saúde podem afetar significantemente a qualidade de vida dos idosos, que passam a sofrer restrições funcionais e em sua vida diária. Dentre estes problemas, está o zumbido. Ele pode ocorrer em qualquer fase da vida, mas a maior prevalência ocorre em idosos, provavelmente em função da deterioração dos sistemas auditivo e vestibular (2, 3). Estudos evidenciam que o zumbido é a segunda queixa otorrinolaringológica mais prevalente em idosos (4), sendo que muitas vezes o relato de zumbido é mais frequente que o da perda auditiva (5).
O zumbido é definido como a sensação de um som sem estímulo externo. Ele pode ser percebido em uma ou nas duas orelhas e pode também ser descrito como percebido na cabeça (6, 7). Existem várias classificações para o zumbido. A mais comum é a que divide o zumbido em subjetivo (percebido somente pelo paciente) ou objetivo (percebido por outras pessoas) (8).
O zumbido pode ser descrito e várias formas pelos sujeitos, não existindo relação entre a intensidade e o desconforto causado por ele (9). Quanto à prevalência, acredita-se que entre 10% e 33% dos idosos apresentem este sintoma. Quando são avaliados idosos com perda auditiva, a prevalência pode chegar a 80% (2, 3).
O zumbido provavelmente é o primeiro sintoma de uma série de patologias que afetam a saúde e o bem-estar de um indivíduo (8).
A relação entre o zumbido e a qualidade de vida é citada na literatura especializada (10, 11, 12, 13). Em muitos casos, o zumbido pode provocar isolamento social, distúrbios do sono, concentração, desequilíbrio emocional e gerar incapacidade nos indivíduos, ou seja, afeta significantemente a qualidade de vida (14, 15, 16, 17).
Vários são os componentes da qualidade de vida. Por ser um construto subjetivo, sua definição e avaliação são extremamente complexas. Em função disto, pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniram-se e elaboraram um dos conceitos mais utilizados atualmente. Para este organismo, qualidade de vida é a "percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". A partir deste conceito, foi criado um instrumento de avaliação, chamado World Health Organization Quality Of Life (WHOQOL) (18). Por ser extremamente longo (100 questões), posteriormente os pesquisadores desenvolveram uma versão abreviada (WHOQOL-bref) (19), da qual derivaram outras versões para serem aplicadas em grupos específicos de indivíduos. Para a população idosa, foi criado o questionário WHOQOL-OLD, já traduzido e validado no Brasil por um grupo de pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre-RS (20).
O WHOQOL-old é composto por 24 questões que avaliam seis facetas: Funcionamento do Sensório (FS); Autonomia (AUT); Atividades Passadas, Presentes e Futuras (PPF); Participação Social (PSO); Morte e Morrer (MEM); Intimidade (INT). Cada uma das facetas possui 4 itens. Para todas as facetas, o escore dos valores possíveis pode, portanto, oscilar de 4 a 20, desde que todos os itens daquela faceta tenham sido preenchidos. Os escores das seis facetas ou os valores dos 24 itens do módulo WHOQOL-old podem ser combinados para produzir um escore geral (global) para a qualidade de vida em adultos idosos, denotado como o escore total do módulo WHOQOL-old (20).
O módulo 'funcionamento do sensório' avalia o funcionamento sensorial e o impacto da perda de habilidades sensoriais na qualidade de vida. Na 'autonomia', avalia-se a independência do sujeito. A faceta 'atividades passadas, presentes e futuras' analisa a satisfação sobre conquistas na vida e coisas pelas quais se anseia. Em 'participação social' é avaliada a participação em atividades do cotidiano. No módulo 'morte e morrer', são analisadas preocupações, inquietações e temores sobre o tema. Em 'intimidade' é avaliada a capacidade de manter relações pessoais e íntimas (20).
Partindo dos pressupostos teóricos descritos, o presente estudo tem como objetivo avaliar a qualidade de vida de indivíduos idosos que apresentam o sintoma de zumbido, verificando-se também a influência das variáveis sexo e idade.
MÉTODOO delineamento deste estudo é observacional, descritivo, de grupo, prospectivo, contemporâneo e transversal (21). A amostra desta investigação foi composta por 36 indivíduos idosos (idade igual ou superior a 60 anos), portadores de zumbido, selecionados pelo método de amostragem não-probabilística, de conveniência.
Os idosos que compuseram a amostra foram convidados a participar do estudo na Clínica de Fonoaudiologia da Universidade Luterana do Brasil, na Universidade da Terceira Idade e no projeto de hidroginástica para idosos da mesma instituição.
Inicialmente foi realizada uma entrevista, visando obter dados sociodemográficos dos indivíduos e a presença de zumbido.
Para a aplicação do WHOQOL-old, foi entregue a cada participante da pesquisa, individualmente, o questionário autoaplicável, exceto para os idosos com dificuldade na leitura, para os quais os questionários foram lidos pela pesquisadora.
A análise descritiva da idade e do escore do WHOQOL-old foi realizada por meio da observação do cálculo de médias e desvio padrão.
A análise estatística foi executada no software Statistical Package for Social Science (SPSS) 10.0 for Windows. Foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes para comparar cada domínio do Whoqol e o somatório geral do Whoqol entre homens e mulheres da amostra. Este teste t foi também utilizado para comparar a diferença na intensidade do zumbido entre homens e mulheres. Foi adotada a ANOVA de 1 fator para comparar os resultados de cada domínio do Whoqol e do somatório geral do Whoqol entre os sujeitos que apresentaram zumbido fraco, médio e forte, e também para verificar se havia diferença em relação à idade dos sujeitos que apresentaram zumbido fraco, médio e forte. Considerou-se o nível de significância de 0,05.
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, protocolo 2007-261H.
RESULTADOSConforme a análise dos dados sociodemográficos do estudo, dos 36 idosos que compuseram a amostra, 26 (72,2%) eram do sexo feminino e 10 (27,8%) do sexo masculino e a média de idade foi de 68,67 ± 6,84 anos.
Com relação à sensação de intensidade do zumbido, 16 idosos (44,4%) descreveram seu zumbido como fraco, 13 (36,1%) como médio e 7 (19,4%) como forte. O período em que sentiam o zumbido de forma mais acentuada era à noite, conforme os dados apresentados na Tabela 1.
Na Tabela 2, são apresentados os dados do escore do WHOQOL-old obtidos com os sujeitos da amostra.
Considerando-se que não existe um ponto de corte para determinar se a qualidade de vida dos indivíduos está ou não adequada e que o escore máximo a ser obtido em cada uma das facetas é 20, constatou-se que, em todos os aspectos avaliados, os valores obtidos estavam semelhantes, superiores à metade da pontuação máxima possível. O escore total também foi bastante alto.
Na Tabela 3, estão colocados os dados das facetas do WHOQOL-old estratificadas por sexo e os resultados do teste t de Student (p). A estatística apontou que houve diferença significativa (p=0,016) entre homens e mulheres somente para o domínio 'morte/morrer' do Whoqol. Os demais domínios e o somatório geral do Whoqol não apresentaram diferença significativa entre os sexos.
Na Tabela 4, são apresentados os dados estratificados pela sensação de intensidade do zumbido, conforme relatado pelos sujeitos da amostra.
A análise dos dados evidenciou que não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre a idade e entre o sexo dos componentes da amostra, no que se refere à sensação de intensidade do zumbido (p=0,96 e p=0,35). Ao verificar os resultados obtidos para cada uma das facetas do WHOQOL-old e a intensidade do zumbido, constataram-se valores semelhantes, ou seja, não houve diferença significativa nas facetas e no somatório do Whoqol entre indivíduos que apresentaram zumbido fraco, médio e forte, conforme pode ser observado na Tabela 4.
DISCUSSÃOOs dados sociodemográficos deste estudo evidenciaram que a maior parte dos idosos avaliados era do sexo feminino. Isto já era esperado, uma vez que os estudos sobre envelhecimento apontam para a feminização do envelhecimento, ou seja, mais mulheres atingem a idade de 60 anos e elas permanecem por mais tempo no grupo de idosos do que os homens (22, 23).
Com relação à sensação de intensidade do zumbido, a maior parte o classificou como fraco ou médio, confirmando os dados da literatura (15). Conforme esperado, a maior parte dos componentes da amostra destacou que, à noite, sente piora do sintoma de zumbido. Isto se deve ao fato de, normalmente, os ambientes serem extremamente ruidosos, durante o dia. Os idosos avaliados eram bastante ativos, o que provavelmente os levava a não estarem tão atentos ao zumbido. Durante a noite, com a diminuição do ruído ambiental e das atividades, o zumbido acaba sendo percebido com maior clareza, o que, para os idosos entrevistados, origina a sensação de aumento de sua intensidade.
No que se refere à qualidade de vida, os resultados obtidos demonstram que o zumbido não a está afetando. Os excelentes escores obtidos no WHOQOL-old demonstram valores próximos à pontuação máxima. Quando foram analisados os escores por sexo, verificou-se que, com exceção da faceta morte/morrer, esta variável não influenciou a qualidade de vida dos idosos avaliados.
Considerando-se a sensação de intensidade do zumbido pelos idosos, constatou-se que não houve relação entre esta variável, a idade, o sexo ou os escores globais e por faceta no WHOQOL-old.
Os resultados obtidos neste estudo demonstram, portanto, que, no grupo investigado, a qualidade de vida está mantida, contrariando o esperado pelos pesquisadores e os achados da literatura especializada (10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17).
Acredita-se que o zumbido interfere na qualidade de vida, mas a tolerabilidade depende não só das características específicas do zumbido (sensação de frequência, sensação de intensidade, tipo de zumbido, entre outras), mas também do estado afetivo, emocional e da função mental do indivíduo que o apresenta (3, 6, 24). Muitos idosos que compuseram a amostra deste estudo eram praticantes de hidroginástica, acredita-se que tal fato tenha sido determinante para os resultados obtidos, uma vez que a prática de atividades físicas diminui a ansiedade, eleva a auto-estima e proporciona bem-estar, que é um dos componentes da qualidade de vida (25). Outra parte dos componentes do grupo frequentava a Universidade da Terceira Idade, na qual são realizadas atividades físicas, palestras, aulas de canto e dança. Isto certamente melhora a qualidade de vida dos idosos, fazendo com que mantenham sua saúde física e mental e evitando que o zumbido tenha repercussão negativa em sua vida diária. De acordo com o modelo de qualidade de vida no idoso, ela é um construto multidimensional, envolvendo critérios socionormativos e interpessoais, de relação do idoso com seu ambiente. Ela abarca quatro dimensões: competência comportamental, condições ambientais, qualidade de vida percebida e bem-estar subjetivo (26).
Pode-se, pois, hipotetizar que, em função da vida bastante ativa dos sujeitos da amostra, o zumbido não chega a ser um fator que interfira negativamente em sua qualidade de vida, ou seja, não constitui um fator negativo com força para causar impacto e prejudicar significativamente a qualidade de suas vidas.
CONCLUSÃOOs resultados obtidos neste estudo evidenciaram que, apesar da presença do zumbido, a qualidade de vida dos idosos avaliados está mantida, contrariando os achados da literatura especializada. Neles também não se verificou relação entre a qualidade de vida e as variáveis sexo e sensação de intensidade do zumbido.
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1. Doutora em Gerontologia Biomédica. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade - Curso de Fonoaudiologia.
2. Especialista em Audiologia - ULBRA. Fonoaudióloga Clínica.
3. Doutora em Ciências do Movimento Humano (UFRGS). Pós-Doutora em Educação Física - University of Maryland at College Park. Professora Curso de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
4. Doutora em Psicologia - USP. Professora do Curso de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
5. Mestre em Saúde Coletiva. Fonoaudióloga da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, RS/Serviço de Audiologia.
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre / RS - Brasil. Endereço para correspondência: Adriane Ribeiro Teixeira - Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade - Rua Ramiro Barcelos, 2600 - Bairro Santa Cecília - Porto Alegre / RS - Brasil - CEP: 90035-003 - Telefone: (+55 51) 9115-1790 - E-mail: adriteixeira@yahoo.com.br. Artigo recebido em 2 de Setembro de 2009. Artigo aprovado em 3 de Fevereiro de 2010.