INTRODUÇÃOOtite média é a doença mais frequente na infância (1). Estima-se que cerca de 90% da população infantil tenha sofrido pelo menos 1 episódio de otite aguda antes do 2 anos de idade (2). A perda de audição consequente à otite implica o dano mais frequente encontrado nessa população e pode ser responsável por atraso de aquisição de linguagem, cognição e desenvolvimento psicossocial.
A colocação de tubo de ventilação após miringotomia para tratamento de otite média é o procedimento cirúrgico mais comumente realizado em crianças (1,2,3). Esse procedimento pode ser usado para tratar otite média serosa (seromucosa) e para tratar otite média aguda de repetição (1,2). Ambas as patologias podem estar associadas com perda de audição e dano às estruturas da orelha média.
Em 2004 um guideline(4) foi publicado, atualizando o primeiro guideline de 1995 de BLUESTONE e KLEIN (5), e revisando as indicações de colocação de tubo de ventilação transtimpânico que seguem:
A - Otite média secretora (OMS), sem melhora após antibioticoterapia e que persiste por 3 meses ou mais em casos bilaterais ou 6 meses ou mais em casos unilaterais.
B - Otite média aguda recorrente especialmente quando há falha da antibioticoprofilaxia. Na vigência de 3 episódios de OMA nos últimos 6 meses ou de 4 episódios no ultimo ano.
C - Otite média secretora recorrente cuja duração dos episódios seja considerada excessiva, como 6 meses dentro de 1 ano.
D - Suspeita de complicações supurativas
E - Disfunção da tuba auditiva, mesmo com ausência de efusão na orelha média, quando o paciente apresenta sinais e sintomas recorrentes não aliviados por tratamento clínico.
F - Barotrauma, especialmente na prevenção de episódios recorrentes como viagens de aeronaves ou tratamento com câmera hipobárica.
De acordo com o American Academy of Pediatrics, em um guideline sobre Otite média Secretora, um paciente é considerado candidato à cirurgia quando tem diagnóstico estabelecido de OMS por 4 meses ou mais com perda auditiva persistente e a miringotomia com inserção de tubo de ventilação é preferida a miringotomia apenas (6). Esse guideline não recomenda realização de adenoidectomia no mesmo tempo operatório, a menos que haja uma indicação distinta por sintoma nasal tal como obstrução nasal ou adenoitide crônica. Adenoidectomia deve ser indicada para tratamento de OMS somente na necessidade de 2ª intervenção, e em tais casos deve-se realizar adenoidectomia e miringotomia com ou sem inserção de tubo de ventilação (6). Amigdalectomia e miringotomia apenas não devem ser indicadas para tratar OME (6).
Apesar da colocação de tubo de ventilação ser um procedimento simples, complicações podem ocorrer. Sequelas timpânicas pós miringotomia para inserção de tubo de ventilação são comuns, mas são geralmente transitórias (otorreia) ou não afetam a função (timpanoesclerose) e é relatado que podem ocorrer em 25% a 33% dos pacientes (7). Uma das complicações mais frequentes é a perfuração residual e é relatada em cerca de 2% dos pacientes que receberam tubo de curta duração, tipo Shepard, e em 17% dos pacientes que receberam tubo de longa duração tipo Paparella (6). Estudos referem que tubos que persistem locados por mais de 30 meses têm menor chance de extrusão espontânea e maior risco de perfuração residual (2,8). Estima-se que 7 a 8% dos tubos inseridos deverão ser removidos pelo médico (2). Complicação anestésica é reportada em 1:50.000 casos (6).
MÉTODOFoi realizado um estudo retrospectivo tipo série de casos, com coleta de dados por estudo de prontuário. Foram incluídos todos os pacientes entre 2 e 18 anos de idade submetidos à miringotomia para inserção de tubo de ventilação realizados em nosso hospital escola durante os anos de 2007 e 2008 pela equipe de otorrinolaringologia pediátrica. Foram excluídos os pacientes que, apesar de ser indicada inserção do tubo de ventilação, foram submetidos à miringotomia apenas.
Os dados analisados foram idade, sexo, indicação/diagnóstico, audiograma e imitanciometria pré operatórios, complicações intra e pós operatórias, tempo de permanência do tubo, necessidade de retirada do tubo em centro cirúrgico e audiograma pós operatório. Foram avaliadas as indicações cirúrgicas e evolução pós operatória desses pacientes.
Todos os pacientes tiveram a primeira reavaliação pós-operatória na primeira semana e subsequentemente, foram acompanhados com avaliações bimestrais até a extrusão do tubo, momento em que era solicitado novo audiograma.
RESULTADOSForam identificados 109 pacientes entre 2 e 18 anos de idade sendo a média de idade de 7,37 anos. Quanto ao gênero 65 pacientes (59,63%) eram do sexo masculino e 44 (40,37%) do sexo feminino.
Destes pacientes 92 (84%) foram submetidos à miringotomia para colocação de TV bilateralmente e 17 (16%) à miringotomia e colocação de tubo de ventilação unilateralmente, totalizando 201 inserções de tubos de ventilação.
A indicação, em sua totalidade, foi Otite média secretora não responsiva a antibioticoterapia que persistia por no mínimo 3 meses. Todos os pacientes apresentavam audiograma tonal com GAP aéreo- ósseo. Curva tipo B à imitanciometria foi encontrada em 188 casos (93,54%); e curva tipo C foi encontrada em 13 casos (6,46%).
Dentre os procedimentos secundários realizados no mesmo tempo operatório, encontramos adenoidectomia em 21,89% dos casos (44 casos), adenoamigdalectomia em 57.71% (116 casos), otoplastia foi realizada em dois casos, cauterização de cornetos inferiores em dois casos e timpanoplastia da orelha contralateral em dois casos.
Entre os diagnósticos sindrômicos encontramos 20 casos com Síndrome de Down (9,95%), dois casos de Síndrome de Turner, dois casos de Síndrome de Alpert, 2 casos de Síndrome de Pierre Robin e 2 casos de Síndrome de Crouzon.
Dentre os diagnósticos secundários o mais encontrado foi síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) em 16,41% (33 casos).
Perfuração residual foi a complicação pós operatória mais frequente, encontrada em 7 casos (3,43%). A maior parte desses pacientes evoluiu com otite média crônica simples não supurativa e tiveram que ser submetidos à timpanoplastia. Em dois casos os pacientes evoluíram com otorreia crônica sendo necessária reabordagem posterior com mastoidectomia.
Apenas dois casos tiveram que ser removidos cirurgicamente, pois permaneceram locados por mais de 18 meses. Em todos os casos foram utilizados tubos de curta permanência tipo Shepard®.
O tempo médio de permanência de cada tubo foi de 9,97 meses, variando de 1 a 17meses. No momento da coleta de dados, apenas 124 casos haviam tido o tubo extraído e o restante dos casos, na última consulta, ainda mantinham o tubo locado.
Em relação aos resultados audiométricos pós-operatórios foi observada melhora do GAP aéreo-ósseo em 49 casos (81,67%), 11 casos (18,33%) mantiveram o GAP aéreo ósseo após a cirurgia. O restante dos casos, no momento da coleta de dados, ainda aguardava audiometria ou não havia perdido o tubo de ventilação.
Nas 60 audiometrias pós-operatórias observamos alteração significativa do GAP aéreo ósseo (teste de McNemar, p< 0,001), enquanto no pré-operatório 100% dos casos apresentavam o GAP no pós-operatório apenas 18,3%.
Em relação aos dados timpanométricos, foram encontrados 4 casos (6,67%) que mantiveram curva tipo B e 7 casos (11,67%) que evoluíram com curva tipo C. Todos esses casos tiveram nova programação de colocação de tubo de ventilação.
Quanto a imitanciometria também observamos que há alteração significativa nos resultados pós-operatórios (teste de McNemar, p< 0,001). No pré-operatório 100% dos casos apresentavam curva B ou C a audiometria enquanto no pós-operatório 81,7% apresentavam curva do tipo A.
DISCUSSÃOForam examinadas características clínicas e evolução pós-operatória de crianças com idade inferior a 18 anos e que foram submetidas à inserção de tubo de ventilação no Hospital São Paulo durante os anos de 2007 e 2008. Essa população é urbana e etnicamente muito variada.
As características clínicas foram muito variadas, dentro dessa população encontramos crianças hígidas, com diagnósticos secundários tais como hipertrofia adenoamigdaliana e SAOS; e crianças com síndromes genéticas.
A literatura internacional postula critérios de indicação cirúrgica mais abrangentes que os usados no serviço estudado. Nesse trabalho foram estudados apenas pacientes cuja indicação cirúrgica foi otite média secretora persistente por três meses ou mais sem melhora após antibioticoterapia.
Esse estudo demonstrou que a maioria das consultas ambulatoriais pós-operatórias não resultou em intervenções clinicas tais como antibioticoterapia para otorreia aguda e aspiração de MAE.
Todos os pacientes que foram submetidos a procedimentos secundários no mesmo tempo operatório tiveram como indicação obstrução nasal e/ou SAOS diagnosticada por polissonografia. Apenas 1 (1,09%) desses pacientes teve complicações anestésicas e pós operatórias com sangramento de leito operatório. Dado condizente com os encontrados na literatura que relatam 0,2 a 0,5% de hemorragia pós operatória(6).
Não foi observado nenhum caso de otorreia aguda pós operatória, diferentemente que refere a literatura com até 16% de otorreia aguda pós operatória (2,3,9). Houve 2 casos (0,99%) de otorreia crônica após cirurgia, índice menor ao relatado na literatura (Tabela 1). Essa diferença pode estar relacionada ao fato de que a literatura internacional inclua otite média aguda recorrente como indicação cirúrgica. Fato que não ocorreu no estudo realizado.
A taxa de perfuração residual encontrada (3,43%) é consistente com a referida na literatura estudada (6,7) (Tabela 1).
Apenas 5,47% dos casos necessitaram de nova abordagem para reinserção de tubo de ventilação. A literatura mostra valores de 10% até 50% (3,6).
Em relação ao tempo de permanência, foi encontrada uma média de 9,97 meses e apenas 2 casos (0,99%) tiveram que ser removido cirurgicamente, pois permaneceu locado por mais de 18 meses, o que também conferem um número menor do que o encontrado na literatura que postula uma média de 7 a 8% de casos a serem removidos pelo médico (2).
Figura 1. Distribuição por idade dos pacientes que receberam os tubos de ventilação.
Figura 2. Variações dos parâmetros audiometricos e de imitanciometria no pré e pós-operatório.
CONCLUSÃOOs resultados encontrados sugerem que em nosso serviço há menores taxas de otorreia pós-operatória, reinserção de tubos, menor número de tubos removidos cirurgicamente e taxa semelhante de perfurações residuais que a descrita na literatura para a cirurgia de colocação de tubo de ventilação em pacientes com OMS.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Keyhani S, Kleinman LC, Rothschild M, Bernstein JM, Anderson R, Simon M, Chassin M. Clinical characteristics of New York children who received tympanostomy tubes in 2002. Pediatrics. 2008, 12(1):24-33.
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4. Bluestone JC, Kleincharles D, Klein JO. Clinical practice guideline on otitis media with effusion in young children: strengths and weaknesses. Otolaringology - Head and Neck Surgery. 1995, 112(4):507-11.
5. Rosenfeld RM, Culpepper L, Doyle KJ, Grundfast KM, Hoberman A, Kenna MA, Lieberthal AS, Mahoney M, et al. Clinical practice guideline: otitis media with effusion. Otolaringology - Head and Neck Surgery. 2004, 130 (5 Suppl): S95-118.
6. American Academy of family physicians, American Academy of Otolaryngology - Head and Neck Surg and American Academy of Pediatrics subcommittee on Otitis Media with Effusion. Otitis Media with Effusion. Pediatrics 2004, 113:1412-1429.
7. Kay DJ, Nelson M, Rosenfeld RM. Meta-analysis of tympanostomy tube sequelae. Otolaryngol Head and Neck Surg. 2001, 124(4):374-80.
8. van der Avoort SJ, van Heerbeek N, Zielhuis GA, Cremers CW. Sonotubometry in children with otitis media with effusion before and after insertion of ventilation tube. Arch otolaryngol Head and Neck Surg. 2009, 135(5):448-52.
9. Singleton RJ, Holman RC, Plant R, Yorita KL, Holve S, Paisano EL, Cheek JE.Trends in otitis media and myringotomy with tube placement among American Indian/Alaska Native Children and the US General Population of Children. Pediatric Infectious Disease J. 2009, 28(2):102-7.
1. Doutor em Medicina. Médico Docente Otorrinolaringologia.
2. Mestrando Otorrinolaringologia Pediátrica. Médico Pós-graduando.
3. Residência Médica. Médica Residente.
Instituição: UNIFESP/EPM - Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina - Departamento de Otorrinolaringologia Pediátrica. São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Juliana Antoniolli Duarte - Rua Pedro de Toledo, 947 - 2º andar - Vila Clementino - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 04039-002 - Telefax: (+55 11) 5539-5378 - E-mail: j_antoniolli@yahoo.com.br. Artigo recebido em 1º de Março de 2010. Artigo aprovado em 13 de Março de 2010.