INTRODUÇÃOA vascularização do palato é feita por ramos da artéria carótida externa: artéria palatina maior, artéria palatina ascendente e ramos da artéria faríngea ascendente (1,2).
A principal artéria que supre o mucoperiósteo do palato duro é a artéria palatina maior, que é um ramo da artéria maxilar na fossa pterigopalatina (3). A artéria palatina descendente passa pelo forâmen palatino maior e recebe a denominação de artéria palatina maior. Este ramo atinge o mucoperiósteo do palato duro e corre na direção anterior, paralelo a borda lateral do palato duro, próximo a sua junção com o alvéolo. Supre o palato duro através de arcadas mediais e o osso alveolar via ramos laterais (4). Existe uma grande rede de anastomose entre os vasos que suprem o palato duro e o palato mole.
O conhecimento detalhado da anatomia vascular do palato e, em especial, na região do forâmen palatino maior é importante para prevenção de lesões vasculares durante procedimentos nesta região. Durante as cirurgias para a correção de fissuras palatinas, é frequente a abordagem do pedículo vascular para a liberação do retalho. Lesões do pedículo podem ter consequências catastróficas, como a necrose do retalho. Além disso, o mesmo pode ser utilizado na confecção de um retalho palatal mucoperiosteal que pode ser transposto para a cavidade nasal para a reconstrução de falhas na base do crânio após abordagens endonasais expandidas (5, 6).
O objetivo deste estudo é desenvolver um modelo anatômico que possa ilustrar a anatomia endoscópica do forâmen palatino maior e analisar se a técnica de injeção é suficiente para preencher os ramos arteriais menores que irrigam o palato duro.
MÉTODOEste estudo foi desenvolvido no Laboratório de Anatomia Topográfica Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa de nossa instituição. Cinco cabeças de cadáveres foram preparadas para dissecção após a injeção intravascular de silicone colorido (7), sendo armazenadas em solução alcoólica a 75%. Inicialmente, ambos os cotos cervicais das artérias carótidas comuns e veias jugulares internas foram dissecados e isolados. Todos os vasos foram canulados com cateter de diâmetro adequado para preencher por completo o lúmen vascular. Após canulação dos vasos, os cateteres foram firmemente amarrados com fio de algodão número 0. É importante destacar que esta amarria deve ser firme para se evitar extravasamento de silicone durante a injeção. Os vasos foram repetidamente irrigados com água. Usando-se uma seringa de 60 mL, injetou-se água no sistema vascular de um lado até a obtenção de um fluxo contínuo de água límpida no lado contralateral. Por exemplo, ao injetarmos repetidamente água na carótida comum do lado direito, esperávamos a limpeza do sistema até que o fluxo de água que saía da artéria carótida comum esquerda fosse límpido e sem coágulos. Este mesmo procedimento foi feito para o sistema venoso. A realização adequada deste passo durante a preparação das peças cadavéricas é essencial para a obtenção de ótimos resultados de coloração dos vasos. A presença de coágulos intraluminais é o principal fator responsável pela falha de coloração dos vasos, já que os coágulos impedem a chegada do silicone, principalmente em ramos arteriais menores e distais como é o caso da artéria palatina descendente (3). Para a coloração do sistema arterial, foi usado corante hidrossolúvel vermelho. Para o sistema venoso, foi utilizado corante hidrossolúvel azul (Figura 1). Seguimos a seguinte formulação para o preparo do silicone:
A) Artérias: Duas partes de polimetilsilaxane (thinner) para uma parte de silicone.
B) Veias: Uma parte de polimetilsilaxane (thinner) para uma parte de silicone.
O catalisador (dialurato carbonato de cálcio) foi adicionando imediatamente antes da injeção da solução nos vasos, na proporção de 10 mL para cada 300 mL de solução. O corante (pigmentos hidrossolúveis) também foi adicionado imediatamente antes da injeção. Durante a dissecção endoscópica do palato, fotografias foram feitas com a câmera digital Nikon D70® de 6.5 megapixels (Nikon, Tokyo, Japan) acoplada ao endoscópio. Imagens digitais foram armazenadas em computador usando-se o Windows Pictures Viewer® (Microsoft Corp, Redmond, WA).
Técnica de Dissecção
Inicialmente um retrator autostático foi posicionado entre o lábio inferior e o superior. Devido à rigidez cadavérica, apenas uma abertura mínima da boca foi estabelecida. Abertura esta suficiente para a dissecção endoscópica.
Toda a mucosa do palato duro foi inspecionada endoscopicamente com a identificação da região de transição entre palato duro e mole, bem como a transição entre a mucosa aderida ao osso alveolar e palato duro. Uma incisão em "U" invertido foi realizada, tendo-se como limites posteriores a transição entre palato duro e mole. A incisão sempre foi iniciada do lado direito, estendendo-a anteriormente na transição entre o osso alveolar e o osso palatino (mais posteriormente) e o osso maxilar (mais anteriormente). Incisão semelhante foi repetida do lado esquerdo. As extremidades anteriores das incisões foram unidas anteriormente, resultando o formato de "U" invertido (Figura 2). Na sequência, um descolamento subperiosteal foi realizado até a identificação do forâmen palatino maior de ambos os lados. O limite posterior do descolamento foi a identificação da borda posterior dos ossos palatinos e musculatura do palato mole.
RESULTADOSForam dissecados 5 palatos, fazendo um total de 10 artérias palatinas maiores avaliadas. Em 3 palatos, a artéria palatina maior foi corada em ambos os lados. Nos outros 2 casos, apenas a artéria de um dos lados foi corada. Em um destes casos, a artéria do lado direito foi corada, enquanto que o corante não atingiu a artéria do lado esquerdo (Figura 3). Enquanto que no outro caso, a situação foi o contrário. A artéria corada foi apenas do lado direito.
Desse modo, do total de 10 artérias dissecadas, 8 foram devidamente coradas pela técnica de injeção empregada. O que corresponde à uma eficácia de 80%.
DISCUSSÃOA artéria palatina descendente origina-se na fossa pterigopalatina (3) e segue inferiormente para o canal pterigopalatino (5). À medida que o canal pterigopalatino aproxima-se do palato, suas paredes ósseas tornam-se ligeiramente mais espessas, terminando no forâmen palatino maior. Na saída de tal forâmen, o vaso é denominado artéria palatina maior e caminha na porção lateral do palato, emitindo pequenos ramos até sua anastomose com ramos da artéria esfenopalatina no forâmen incisivo (4).
Os retalhos palatais são baseados na artéria palatina maior, e a conexão entre as ambas as artérias palatinas maiores através da linha média (8) permite que o retalho seja baseado em apenas uma artéria palatina maior (9), o que aumenta consideravelmente o potencial tamanho do mesmo. O retalho pode fornecer aproximadamente 10 cm2 de tecido (5, 10), além poder rodar 180o, ser invertido ou transposto para a cavidade nasal. A versatilidade deste retalho permite que seja utilizado para correção de falhas no palato duro, palato mole, retromolares (10) e base do crânio (5,6). Segundo OLIVIER e colaboradores, após a dissecção do canal pterigopalatino e transposição do retalho para a cavidade nasal através do alargamento do forâmen palatino maior, o mesmo possibilitou a cobertura de falhas durais no plano esfenoidal, sela e clivo até o nível o forâmen magno (5).
Apresenta como grande vantagem o fato de sua confecção não ser tecnicamente difícil (10), no entanto, a maior limitação deste retalho é a preensão e/ou tensão do pedículo no nível do forâmen palatino maior, que pode causar comprometimento vascular com consequentes deiscência, necrose (10) ou atrofia do retalho (4). O tecido ósseo palatal desnudado cicatriza por segunda intenção, sendo a mucosa reposta praticamente idêntica ao tecido normal, que com o tempo passa inclusive por um processo de reinervação.
O desenvolvimento de modelos anatômicos é muito importante na confecção de material didático, no desenvolvimento do conhecimento da anatomia, no aprimoramento da habilidade em realizar técnicas específicas, encurtando a curva de aprendizagem (1-4, 6, 7). A técnica de injeção permite a coloração e dissecções anatômicas precisas de vasos maiores que 0,1 mm de diâmetro (2) e partindo-se do princípio que a artéria palatina descendente apresenta calibre de 2 mm no nível do forame palatino maior (1), todos os vasos estudados deveriam ter sido corados. No entanto, presença de coágulos intraluminais podem ter impedido a chegada do silicone em ramos arteriais terminais.
Figura 1. (A) Injeção de silicone corado em vermelho no sistema carotídeo. (B) Após injeção de silicone no sistema arterial e venoso (veias jugulares internas), os cateteres são ocluídos com pinças de preensão.
Figura 2. Fotografia intra-oral com endoscópio de O grau. Linha pontilhada ilustra a região da incisão no palato duro. Observe que a incisão é realizada na mucosa de transição entre o osso alveolar e ossos palatinos. Neste caso, cadáver edêntulo apresenta redução importante na quantidade de osso alveolar. Círculo preto mostra superfície dorsal da língua.
Figura 3. Fotografia com endoscópio de O grau. Após descolamento subperiosteal do retalho de palato, identifica-se a região do forame palatino maior em ambos os lados. (A) Observe que do lado direito, a artéria foi corada em vermelho, enquanto que do lado esquerdo, o silicone não preencheu o vaso. (B) Detalhe da região do forame palatino maior do lado direito. Note o nervo palatino maior saindo pelo forame em posição lateral aos ramos arteriais (seta).
CONCLUSÃOO modelo anatômico demonstrou ser um método factível para o estudo endoscópico do forâmen palatino maior, sendo a injeção de silicone eficiente na coloração de vasos terminais em 80% dos casos
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10. Ward BB. The palatal flap. Oral Maxillofacial Surg Clin N Am. 2003, 15:467-473.
1. Especialista em Otorrinolaringologia pela ABORL-CCF. Pós-graduando de Doutorado em Otorrinolaringologia pela FMUSP.
2. Especialista em Otorrinolaringologia pela ABORL-CCF. Médico Otorrinolaringologista do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual - SP (IAMSPE).
3. Livre-Docente pela Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP. Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
4. Livre-Docente pela FMUSP. Chefe do Serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial do HC-FMUSP.
Instituição: Faculdade de Medicina da USP. São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Prof. Dr. Luiz Ubirajara Sennes - Rua Teodoro Sampaio, 483 - Pinheiros - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 05405-000 - Telefone: (+55 11) 3068-9855 - E-mail: lusennes@terra.com.br. Artigo recebido em 9 de Março de 2010. Artigo aprovado em 13 de Março de 2010.