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Ano: 2010  Vol. 14   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Perfuração do Septo Nasal: Tratamento e Revisão da Literatura
Septum Nasal Perforation: Treatments and Literature' Review
Author(s):
Eulógio Emílio Martinez Neto1, Luiz Eduardo Lutaif Dolci2, Alexandre Antonio Murta3,
Fábio Duro Zanini4.
Palavras-chave:
septo nasal, perfuração do septo nasal, cirurgia.
Resumo:

Introdução: O presente trabalho consiste de uma revisão da bibliografia a respeito de artigos relacionados às diferentes manifestações e formas da perfuração nasal septal, com ênfase principal na descrição de suas técnicas de correções cirúrgicas. Quanto à etiologia, essa é fundamentalmente iatrogênica, por consequência de trauma cirúrgico. Outras causas incluem exposição a reagentes químicos industriais, uso de cocaína, terapêutica esteroídica intranasal, neoplasias e condições infecciosas. Há poucos dados com relação à prevalência de perfuração do septo na população em geral. As tomadas de decisão sobre correção cirúrgica ou tratamento médico dependem das características anatômicas e da patogênese da perfuração septal.

INTRODUÇÃO

A perfuração do septo nasal é uma entidade nosológica de fácil diagnóstico, podendo ser devida à ampla variedade de etiologias, desde extremamente benignas até manifestação local de graves doenças sistêmicas. Além disso, a perfuração do septo nasal varia amplamente em relação à localização, amplitude, e sintomatologia; em consequência, as opções terapêuticas são múltiplas, incluindo o tratamento conservador e técnicas cirúrgicas diversas, devendo ser individualizadas para cada paciente. Particularmente em relação à correção cirúrgica, não há técnica que seja universalmente recomendada. A opção por determinada estratégia deve ser baseada na etiologia, em características anatômicas como localização e amplitude da perfuração, na disponibilidade de tecidos ou materiais especiais para a correção do defeito e na experiência do cirurgião.

No presente artigo, analisamos os principais aspectos da perfuração do septo nasal, com ênfase especial na revisão do desenvolvimento das técnicas de correção cirúrgica. Temos por objetivo confrontar e relembrar peculiaridades das distintas técnicas cirúrgicas para auxiliar no planejamento operatório dos casos de perfuração do septo nasal.


REVISÃO DA LITERATURA

Etiologia

A principal causa da perfuração septal é a iatrogênica, como complicação de cirurgia nasal (1,2), mas outras causas iatrogênicas podem ocorrer, como o uso de corticoterapia nasal (3,4,5), cauterização da mucosa para tratamento de epistaxe, intubação nasotraqueal e criocirurgia dos cornetos. Além disso, há descrições de perfurações por diversos tipos de traumas. A perfuração raramente ocorre em crianças (6).

Entre as doenças relacionadas à perfuração septal podemos citar: Abscesso nasal, sífilis, tuberculose, febre tifoide, difteria, granulomatose de Wegener, lupus eritematoso e sarcoidose. As neoplasias e carcinomas também podem levar à perfuração do septo nasal (7,8,9). Em áreas tropicais em desenvolvimento, a Hanseníase e a Leishmaniose ainda são causas não pouco frequentes de perfuração septal (10). Quando os bordos da perfuração são recobertos por mucosa, dificilmente a perfuração é relacionada a doenças mais graves, como tuberculose ou neoplasias (3, 1).

Irritantes inaláveis também podem levar à perfuração do septo nasal, como nos casos de aspiração nasal de cocaína, que determina isquemia por vaso constrição (1), formação de granuloma por adulterantes (2) além de perfurações relatadas após inalação de fumaça de ácido crômico, fumaça de ácido sulfúrico, poeira de limo e cimento, piche, alcatrão, sal, poeira de vidro, carbonato de sódio, nitrato de cálcio, cianeto de cálcio, arsênico, mercúrio e fósforo.

Por vezes a perfuração antecede outros sintomas de doenças sistêmicas, sendo, portanto necessária investigação clínica dos casos sintomáticos que não tenham diagnóstico etiológico claro (11).

Quadro Clínico e Diagnóstico

Os sintomas são normalmente brandos. As perfurações menores são em geral mais sintomáticas, por causarem ruído respiratório semelhante a assobio (12). O paciente também pode apresentar sensação de obstrução nasal, explicada pela turbulência causada pela passagem do ar na perfuração (13,14). Anosmia é outra queixa referida (15), assim como formação de crostas, sangramento nasal, de intermitente até epistaxe mais severa, nariz em sela, retração columelar (1, 16), odor fétido e cefaleia (16).

O exame ambulatorial com espéculo e endoscópio nasal permite o diagnóstico de maneira clara. A tomografia computadorizada tem se mostrado útil para classificar e estudar as perfurações e sua relação com demais elementos da anatomia nasal (14,17).

Tratamento Conservador

O tratamento conservador pode ser:·

o Expectante nos casos assintomáticos.

o Lavagens e aplicações de unguentos nos casos onde a queixa se restringe à formação de crostas. Alguns pacientes relatam alívio mais significativo dos sintomas após lavagens com xarope de glucose (Mel Karo®) diluído (8).

o Colocação de órtese manufaturada para obturação da perfuração (botão manufaturado) (18). Os de Silastic® são confeccionados no formato de um carretel, com distância entre discos de 3 mm, espessura de cada disco de 1mm, eixo central com 5 mm de diâmetro e diâmetro dos discos de até 3 cm (15).

Tratamento Cirúrgico

A literatura médica apresenta inúmeras propostas cirúrgicas para a correção da perfuração septal e por vezes considera alguns casos inoperáveis, como FAIRBANKS em 1980 (8).

Para facilitar o estudo e entendimento das técnicas descritas podemos agrupá-las de acordo com sua filosofia cirúrgica. Assim, a princípio, podemos dividi-las entre as que propõem o fechamento da perfuração e as que propõem sua ampliação.

Em 1935 (19), IMPERATORI e cols. propuseram o aumento cirúrgico da perfuração, com o intuito de diminuir o desconforto causado pelos assobios constantes causados pelas perfurações menores, localizadas na parte anterior do septo nasal (12). A ampliação produzia alívio parcial ou total dos sintomas, além de ser tecnicamente muito mais simples do que as tentativas de correção da perfuração.

O fechamento da perfuração septal exige técnica cirúrgica mais refinada e complexa, as quais podemos agrupar de acordo com as bases de cada técnica: as que se valem de retalhos do próprio septo nasal para a obturação da perfuração, com ou sem o uso de enxertos associados, e as técnicas que incluem retalhos de vizinhança.

Dentre as técnicas que utilizam retalhos de mucosa do próprio septo nasal, encontramos a sugestão de GOLLOM (20), que em 1968 reviu a irrigação do septo e propôs que os retalhos incluam em seus pedículos ramos das artérias etmoidais anteriores e esfenoplalatinas. Descreveu técnica que consiste em incisão hemitransfixante, descolamento retangular bilateral da mucosa, sua anteriorização, preenchimento com cartilagem e osso, seguidos de realização de suturas, deixando as do lado dos retalhos por último, técnica esta descrita como difícil para perfurações maiores que 1.5 cm. No mesmo ano GOLLOM (21) descreveu nova técnica, realizando abordagem de rinoplastia com encurtamento do septo. De maneira análoga, JOHNSON (22), em 1968, descreveu técnica que combina reparo e rinoplastia, para que o septo encurtado tivesse mucosa redundante o suficiente para cobrir a perfuração. JUDSON e BELMONT (1) descreveram em 1985 a necessidade de retalhos amplos quando associados a deformidades de sela do dorso nasal e a realização de duas ou três cirurgias. As cirurgias estéticas eram realizadas seis meses após o fechamento da perfuração septal, tomando-se o cuidado de não realizar suturas na área cruenta das regiões doadoras de enxerto.

Outra filosofia cirúrgica para o fechamento das perfurações inclui o uso de retalhos, que podem ser rodados de estruturas da própria cavidade nasal ou de regiões mais distantes. Um retalho de concha média, rodado e suturado sobre a área perfurada, foi proposto em 1964 por Ismail e cols. (23). Já DENECKE e cols., em 1967, relataram o uso de retalho de concha inferior, mas constataram que as perfurações anteriores normalmente não estão alinhadas com a cabeça da concha inferior, surgindo uma importante restrição à técnica (24). Esta técnica foi mais tarde retomada por FRIEDMAN e cols. (25), em 2003, utilizando também retalho de concha inferior.

TIPTON (26) (Figura 1), em 1970, relatou três casos em que as perfurações, com dimensões de 1,5 a 2 cm, tiveram fechamento total através da utilização de retalho gengivolabial; os resultados foram mantidos em reavaliações periódicas realizadas até seis meses após a cirurgia . TARDY em 1973 (27) e depois em 1977 (28) chamou a atenção para a boa elasticidade da mucosa gengival quando rodada para o nariz, em contraposição à pouca elasticidade da mucosa nasal. KRATZ (29) (Figura 2), em 1973, utilizou retalho nasal desde o assoalho, iniciando inferiormente e do lado oposto à colocação de enxerto composto. Durante o pós-operatório preconizou doze dias de tamponamento; no mesmo artigo apresenta caso de rotação de retalho horizontal de mucosa gengival pelo sulco nasolabial. SCHULTZ-COULON (30), em 1994, utilizou o que denominou retalho em ponte, referindo-se à manutenção de pedículo vascularizado preservado na rotação do retalho. MEYER (16), em 1994, refere utilizar retalho anterior para perfurações de até 2 cm. Em casos de perfurações maiores, realiza a correção em três passos: primeiramente acomodando concha de orelha em bolsão subgengival, num segundo momento passa a mucosa gengival com enxerto cartilaginoso para correção septal e por último realiza uma terceira abordagem cirúrgica para ressecção do pedículo. ROMO e cols. (31), em 1995, descreveram o uso de expansores submucosos implantados em assoalho nasal, inflados de 0,5 a 1ml por semana até o máximo de 3,5ml antes da cirurgia. Com isso conseguiam retalho de mucosa de assoalho nasal com dimensão suficiente para o fechamento da perfuração. Adicionalmente, combinaram o retalho desta mucosa redundante com enxerto de fáscia temporal, tendo obtido êxito em todos os cinco casos operados. Os artigos que sugerem rotação de retalhos de vizinhança são unânimes quanto à necessidade de um segundo tempo cirúrgico para a ressecção do pedículo vascular.

Dentre as técnicas que utilizam enxertos entre os retalhos de mucosa septal, encontramos já em 1963 a descrição do uso de enxerto de fáscia e pericôndrio entre os folhetos de mucosa septal, por WRIGHT e cols. (19). Esta publicação teve grande valor, tanto pelos resultados promissores quanto por justificar a utilização de enxertos no fechamento das perfurações, ao invés da simples sutura de bordos. Os autores relatam que, além de baixa requisição metabólica, enxertos de fáscia e pericôndrio servem como armação para o crescimento de fibroblastos, sustentando o crescimento das margens das mucosas, uma em direção à outra. MCCOLLOUGH (32) em 1976 relatou o fechamento de perfuração septal através de enxerto composto de orelha, com sucesso. Em 1980, FAIRBANKS (9) (Figura 3) descreveu a utilização de fáscia temporal com diâmetro 2 cm maior que a perfuração a ser coberta, tendo obtido êxito em dezenove dentre vinte casos operados. Nesta mesma publicação defende que perfurações pequenas, ocorridas durante cirurgia, têm melhor chance de fechamento se corrigidas durante o mesmo ato operatório, uma vez que o diâmetro da perfuração tende a aumentar com a cicatrização. No mesmo ano (8) também fez considerações contrárias às técnicas cirúrgicas que propõem a sutura de bordos da perfuração, com ou sem a eversão da mucosa contra-lateral devido ao caráter atrófico e friável do tecido dos bordos da perfuração. Também critica as técnicas que utilizam mucosa oral, pela não transformação desta em tecido ciliado, tendo como consequência seu ressecamento. KRIDEL e cols. (33), em 1986, utilizaram com sucesso o periósteo da mastoide como enxerto e conseguiram o fechamento de dezessete entre vinte e dois casos operados, utilizando técnica de rinoplastia aberta com enxertos de fáscia temporal ou osso etmoide ou avanço de retalhos altos e baixos. TEICHGRAEBER e cols. (2), em 1993, descreveram técnica que consiste em rinoplastia aberta associada à incisão alar para melhor exposição, aplicada a pacientes portadores de perfurações causadas em sua grande maioria por septoplastias, sendo todas no bordo posterior da cartilagem quadrangular, na junção do vômer com o etmoide. Obtiveram sucesso em dezenove dentre vinte e dois pacientes operados. Nas perfurações grandes utilizaram periósteo ou fáscia temporal para dar força e durabilidade ao fechamento, além de permitir a não obrigatoriedade da cobertura bilateral por retalhos de mucosa. Os autores argumentam que o fechamento de um lado suporta o enxerto de tecido conectivo e permite que o enxerto se comporte como "andaime" para a migração da mucosa contra-lateral. HUSSAIN e MURTHY (34), em 1997, descreveram a utilização de um "enxerto sanduíche" composto por fáscia temporal profunda, cartilagem tragal e fáscia temporoparietal.

Sugestões de uso de materiais artificiais, ou implantes, como associação às técnicas de fechamento, incluem a proposta por GYENEY e KERENYI (35), em 1977, que relataram a correção de perfurações septais através de implantes de fibrina (Bioplast®). KRIDEL e cols. (36), em 1998, sugeriram a utilização de um substituto biossintético (Acellular Human Dermal Allograft®), tendo relatado sucesso no fechamento de onze dentre doze perfurações tratadas. No caso de insucesso houve redução do diâmetro de 3 cm para 5 mm. Os autores fizeram críticas à utilização de fáscias, principalmente pela necessidade de utilizar material para secá-las, o que leva a seu amolecimento precoce, causando dificuldade de manipulação. Em 2006, LEE e cols. (37) demonstraram a utilidade de uso de cola de fibrina e enxerto autólogo de cartilagem para a prevenção de perfuração do septo durante septoplastias.



Figura 1. Retalho Gengivolabial (Tipton, 1970).




Figura 2. Enxerto Composto (Kratz, 1973).




Figura 3. Enxerto de Fáscia Temporal (Fairbanks, 1980).






DISCUSSÃO

Observamos que a literatura é unânime em recomendar que em cada caso se proceda cuidadosa pesquisa etiológica, uma vez que a perfuração do septo nasal pode em alguns casos ser manifestação de graves entidades nosológicas. Julgamos útil a informação de que quando os bordos da perfuração são recobertos por mucosa, dificilmente a perfuração é relacionada a doenças mais graves, como tuberculose ou neoplasias. Nos casos de perfurações iatrogênicas ocorridas durante septoplastias, é preferível sua correção imediata, uma vez que a perfuração tende a aumentar com a cicatrização.

As opções cirúrgicas variam desde a ampliação de pequenas perfurações da parte anterior do septo, para alívio do desconforto representado por assobios decorrentes do fluxo aéreo através do defeito, até as que se valem de retalhos, quer do próprio septo nasal para a obturação da perfuração, com ou sem o uso de enxertos associados, quer as que incluem retalhos de vizinhança.

A rinoplastia com encurtamento do septo pode em casos especiais ser suficiente para a correção do defeito podendo fornecer mucosa redundante suficiente para cobrir a perfuração.

Observamos que dentre as múltiplas opções sugeridas para a correção da perfuração septal, as mais frequentes utilizam retalhos do próprio septo nasal, rodados sobre área da perfuração, mantidos em posição por meio de suturas ou colas biológicas, e intercalados com enxertos de cartilagem ou fáscia. Esses enxertos parecem ter papel relevante no sucesso cirúrgico, servindo como anteparo estrutural para a cicatrização dos retalhos, além de isolamento entre os folhetos septais, na tentativa de impedir a recidiva da perfuração. Sua presença impediria o contato entre os bordos cicatriciais dos folhetos dos lados opostos do septo, o que resultaria em recidiva da perfuração.

É fundamental que se preserve a irrigação dos retalhos, recomendando-se a inclusão em seus pedículos de ramos das artérias etmoidais anteriores e esfenoplalatinas, quando provenientes de mucosa do próprio septo nasal. A sutura simples dos bordos da perfuração têm como empecilho o caráter atrófico e friável da mucosa desta região.


COMENTÁRIOS FINAIS

Todas as perfurações devem ter sua etiologia investigada. As perfurações iatrogênicas do septo nasal nas septoplastias devem ser prontamente corrigidas. Nos casos de opção por correção cirúrgica deve-se levar em conta uma boa exposição, adequado suprimento sanguíneo, emprego de enxertos de sustentação quando necessário e atenção para que a sutura dos bordos seja livre de tensão exagerada.


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1. Médico Otorrinolaringologista Especialista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo Bolsista CNPq.
2. Doutor em Medicina com Área de Concentração em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. Professor e Orientador de Mestrado e Doutorado na Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.
3. Doutor em Medicina com Área de concentração em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Professor de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica no Instituto Felippu.
4. Médico Otorrinolaringologista Especialista. Mestrando em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo Bolsista CAPES.

Instituição: Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. São Paulo / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Eulógio Martinez - Rua Antonio José Thomaz da Costa, 444 - Novo Campeche - Florianópolis / SC - Brasil - CEP: 88063-610 - Telefone: (+55 48) 9911-5575 - E-mail: eulogioneto@terra.com.br. Artigo recebido em 23 de Janeiro de 2009. Artigo aprovado em 6 de Outubro de 2009.
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