INTRODUÇÃOA punção aspirativa por agulha fina (PAAF) é um método pré-operatório de alta acurácia na elucidação diagnóstica dos nódulos tireoidianos na detecção de câncer (1), sendo ainda, no entanto, a "neoplasia folicular" um dilema (2). A PAAF guiada por ultra-sonografia (USG) realizada por um radiologista juntamente com o citopatologista in loco apresenta resultados superiores quando comparada com a punção guiada pela palpação manual. Por outro lado, o valor da biópsia intra-operatória de congelação ainda permanece controverso quanto ao seu potencial de ajudar o cirurgião a decidir entre realizar a hemitireoidectomia ou a tireoidectomia total. O método potencialmente pode evitar uma segunda intervenção para remoção do lobo contra-lateral se o espécime cirúrgico revelar malignidade ao exame histopatológico incluído em parafina, bem como na avaliação da peça macroscopicamente, podendo, assim, evitar uma tireoidectomia total desnecessária, que levará o paciente ao uso permanente de reposição da levotiroxina e aumenta a chance de hipoparatireoidismo e lesão de nervo laríngeo recorrente (3).
Diversos estudos já foram realizados, demonstrando a acurácia do exame de congelação (4). Porém, apesar de já ter sido descrita classicamente na literatura (5), a macroscopia dos nódulos tireoidianos foi utilizada poucas vezes como objeto de estudo como auxiliar na determinação da natureza da lesão.
O objetivo desse estudo é avaliar o valor da avaliação macroscópica da peça na definição da extensão da cirurgia frente à doença nodular da glândula tireóidea.
MÉTODOO presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Guilherme Álvaro, de Santos, em julho de 2007. Durante o ano de 2007, em estudo prospectivo, 85 pacientes foram consecutivamente submetidos à tireoidectomia por doença nodular de tireoide pela mesma equipe cirúrgica. Destes pacientes, 74 (87%) eram do gênero feminino e 12 (13%) do masculino. A idade variou de 18 a 82 anos, com média de 49,9 anos. Sessenta e dois pacientes tinham nódulo único. Os pacientes que tinham mais de um nódulo tiveram os demais nódulos também avaliados no estudo.
Todos os espécimes cirúrgicos (Figuras 1, 2, 3 e 4), durante o ato cirúrgico, logo após sua retirada, foram submetidos a exame intra-operatório pela equipe cirúrgica seguindo protocolo, anotando informações quanto a tamanho, natureza (sólida, cística ou cística com componente sólido), cápsula (completa ou não, espessura e presença de invasão), delimitação, coloração (esbranquiçada, amarelada, rósea, marrom, castanha) e degenerações (hemorragia, fibrose, calcificações, necrose) dos nódulos tireoidianos.
O diagnóstico histopatológico do material incluído em parafina estava disponível para cada nódulo estudado. As características macroscópicas dos nódulos foram comparadas aos resultados da anatomia patológica.
RESULTADOSA Tabela 1 mostra as características gerais das lesões e das cápsulas. O tamanho dos nódulos variou de 0,5 a 12cm, com uma média de 4,1cm. Noventa e três nódulos apresentavam cápsula completa, enquanto 29 não apresentavam cápsula. A cápsula apresentava-se fina e de forma regular na maioria dos casos. Em dois casos, havia invasão macroscópica da cápsula por tumor.
A Tabela 2 mostra as características de natureza, aspecto ao corte, consistência, coloração e características secundárias (fibrose, hemorragia, calcificações) dos nódulos. Noventa e quatro nódulos eram de natureza sólida, a maioria homogênea e de consistência amolecida ao corte. A característica secundária mais encontrada foi hemorragia (em 55,2%), seguida de calcificações grosseiras (47,2%) e fibrose (37,6%).
A Tabela 3 mostra como ficou a distribuição dos resultados anatomopatológicos nesse estudo; 77,6% constituíram de lesões benignas, tendo como resultado bócio adenomatoso. Dos 28 casos de carcinoma, 23 eram carcinomas papilíferos, correspondendo a 82,1% dos casos de malignidade.
A comparação dos achados macroscópicos com o resultado do estudo anatomopatológico mostra que o padrão de crescimento recente (p = 0,002); a presença de aderências da tireoide (p < 0,001); ausência de hemorragia (p < 0,001); a presença de necrose (p < 0,001); e a má delimitação do nódulo (p < 0,001) tiveram significado estatístico no resultado de doença maligna - Tabelas 4 e 5.
Figura 1. Espécime cirúrgico apresentando nódulo sólido, de aspecto homogêneo e coloração esbranquiçada, sem focos hemorrágicos ou necróticos, com margens mal delimitadas, não capsulado, com invasão extratireoidiana e de consistência firme. O diagnóstico foi de carcinoma papilífero.
Figura 2. Espécime cirúrgico apresentando nódulo sólido, de aspecto homogêneo e coloração rósea, sem focos hemorrágicos ou necróticos com margens bem delimitadas, com cápsula tênue, sem invasão extratireoidiana e de consistência elástica. A congelação revelou neoplasia folicular e a parafina, adenoma folicular.
Figura 3. Espécime cirúrgico com nódulo sólido com componente cístico, com vegetação, aspecto heterogêneo e coloração rósea e amarelada, com áreas de fibrose, focos hemorrágicos com margens bem delimitadas, cápsula espessa, sem invasão extratireoidiana e de consistência fibroelástica. O diagnóstico foi de bócio com degeneração cística.
Figura 4. Espécime cirúrgico mostrando nódulo sólido com componente cístico de aspecto homogêneo e coloração amarelada, com áreas de fibrose, sem focos hemorrágicos ou necróticos, com margens bem delimitadas, cápsula espessa, sem invasão extratireoidiana e consistência fibro-elástica. O diagnóstico foi de bócio com degeneração cística.
DISCUSSÃOFoi demonstrado que a biópsia de congelação (BC) apresenta sensibilidade, especificidade, valores preditivos para os testes positivo e negativo e acurácia global chegando a, respectivamente, 69%, 100%, 100%, 91,5% e 77%. Assim, avaliando a BC, tanto especificidade como valor preditivo do teste positivo são elevados (4). Isso significa que, quando o método da BC aponta tratar-se de câncer, tal interpretação é altamente confiável. Os resultados de "padrão folicular" vêm com a recomendação, por parte do patologista, de aguardar-se o resultado da "parafina", pois não foram encontrados os critérios necessários para fechar-se o diagnóstico de malignidade, não se recomendando a tireoidectomia total sistematicamente.
Apesar de haver muitos estudos avaliando o papel da BC (4), estudos sobre as características macroscópicas dos nódulos tireoidianos e sua relação com o diagnóstico AP são raros. O principal papel do estudo dos aspectos macroscópicos seria de auxiliar a equipe médica na decisão sobre a extensão da cirurgia nos casos "duvidosos".
ROSAI et al. haviam descrito características macroscópicas das diferentes patologias que acometem a glândula tireoide. Assim, características como invasão de parênquima tireoidiano ou estruturas extratireoidianas, margens poucos definidas, presença de necrose e pequenas calcificações, além de coloração variando do marrom e amarelado ao branco são características comuns aos carcinomas medulares, papilíferos e anaplásicos. Além disso, os carcinomas papilíferos podem ter, ao ser seccionado, a sensação de haver pequenos grânulos. Esses tumores geralmente teriam uma consistência endurecida quando comparados às lesões benignas. Lesões benignas tendem a apresentar coloração mais rósea e uniforme, sendo bem-delimitados e muitas vezes com uma cápsula bem formada. Lesões benignas maiores, poderiam ter uma cápsula mais grossa e a presença de degenerações como fibrose, calcificações grosseiras, ossificação, formação cística e hemorragia. Necrose poderia ocorrer somente secundária à PAAF (6).
Outros autores demonstraram que a realização da PAAF poderia estar relacionada à formação de hemorragia ou necrose intraglandular, porém, sem significado diagnóstico. Além disso, a formação de necrose não teria um mecanismo bem estabelecido (7).
Comparando com nossos achados, podemos observar que nódulos com crescimento recente, mal-delimitados, com invasão de tecido tireoidiano, presença de necrose intranodular e/ou com aderência da tireoide a outras estruturas (musculatura) poderiam ser considerados com grande suspeita de malignidade. Da mesma forma, nódulos com crescimento insidioso, bem-delimitados, com componente cístico, com hemorragia e/ou fibrose podem ser considerados com grande suspeita de benignidade. Dentre todos esses itens mencionados, a presença ou ausência de aderências da tireoide, hemorragia ou necrose e a delimitação do nódulo (bem ou mal-delimitado), tiveram significado estatístico.
A presença de invasão de tecidos extra-tireoidianos, além de preditor de malignidade, pode estar relacionada à histologia mais agressiva e menos diferenciada, podendo ser considerada um fator de pior prognóstico, com uma taxa maior de recorrências (5).
CONCLUSÃOAs características macroscópicas dos nódulos tireoidianos podem auxiliar a PAAF e a biópsia de congelação na diferenciação entre doença benigna e maligna. Aderências da tireoide, necrose e a má delimitação do nódulo são fatores indicativos de malignidade. Por outro lado, a presença de hemorragia é fator protetor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Mazeh H, Beglaibter N, Prus D, Ariel I, Freund HR. Cytohistologic correlation of thyroid nodules. Am J Surg. 2007, 194(2):161-3.
2. Stacul F, Bertolotto M, Zappetti R, Zanconati F, Cova MA. The radiologist and the cytologist in diagnosing thyroid nodules: results of cooperation. Radiol Med (Torino). 2007, 112(4):597-602.
3. Shaha AR. Advances in the management of thyroid cancer. Int J Surg. 2005, 3(3):213-20.
4. Almeida JP, Couto Netto SD, Rocha RP, Pfuetzenreiter Jr EG, Dedivitis RA. The role of intraoperative frozen sections for thyroid nodules. Braz J Otorhinolaryngol. 2009, 75(2):256-60.
5. Tscholl-Ducommun J, Hedinger CE. Papillary thyroid carcinomas. Morphology and prognosis. Virchows Arch A Pathol Anat Histol. 1982, 396(1):19-39.
6. Rosai J, Cargangiu ML, Delellis LA. Tumors of the thyroid gland. In: Rosai J, Cargangiu ML, Delellis LA. Atlas of tumor pathology. Washington: Armed Forces Institute of Pathology; 1992.
7. Kini SR. Post-fine-needle biopsy infarction of thyroid neoplasms: a review of 28 cases. Diagn Cytopathol. 1996, 15(3):211-20.
1 Professor Livre Docente da Faculdade de Ciências Médicas do Centro Universitário Lusíada UNILUS, Santos; Chefe da Divisão de Cirurgia e da Divisão de Ensino do Hospital Ana Costa, Santos; Chefe do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos; Docente do Curso Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Complexo Hospitalar Heliópolis, São Paulo.
2 Ex-Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos / SP.
3 Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos; Mestrando do Curso Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Centro Universitário Lusíada UNILUS, Santos; Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas do Centro Universitário Lusíada UNILUS, Santos.
4 Mestre pelo Curso Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Complexo Hospitalar Heliópolis HOSPHEL, São Paulo; Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas do Centro Universitário Lusíada UNILUS, Santos; Cirurgião Assistente do Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa e da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos.
5 Residente de Cirurgia Geral do Hospital Ana Costa, Santos / SP.
6 Ex-Acadêmico da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, da Fundação Lusíada UNILUS sob Internato no Hospital Ana Costa, Santos / SP.
Instituição: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Ciências Médicas da Fundação Lusíada; Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos; e Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Santos. Santos / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Rogério A. Dedivitis - Rua Dr. Olinto Rodrigues Dantas, 343 conjunto 92 - Santos / SP - Brasil - CEP: 11050-220 - Telefone: (+55 13) 3223-5550 / 3221-1514 - E-mail: dedivitis.hns@uol.com.br
Artigo recebido em 14 de Março de 2010. Artigo aprovado em 1º de Maio de 2010.