INTRODUÇÃOUma malformação pode ser definida como uma alteração morfológica de um órgão, ou parte dele, resultante de um desenvolvimento intrinsecamente anormal. Entre as malformações congênitas que podem afetar a cavidade oral e, em casos raros, algumas regiões da face, estão às fissuras orais que podem comprometer, individualmente ou em conjunto, o lábio, o arco dentário e o palato (1,2).
As fissuras surgem precocemente na vida pré-natal, no período embrionário e início do período fetal, uma vez que a face completa-se até a oitava semana e o palato até a décima semana. São ocasionadas pela falta de fusão entre os processos faciais embrionários e os processos palatinos, acarretando uma série de sequelas graves que acompanham o portador ao longo de sua vida (1,2).
O estudo de base populacional indica que a ocorrência de fissura labiopalatal no Brasil é de 1: 673 nascimentos (2). Considerando as regiões brasileiras, outro estudo brasileiro (3) mostrou que a região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de prevalência com 0,47 casos de fissura por mil nascidos vivos, seguida da região Sudeste com 0,46 por mil nascidos vivos, com ascendência das taxas do Centro-Oeste no período compreendido entre 1990 e 1995 (3). No entanto, nesta revisão de literatura não foram encontrados estudos a respeito dos tipos de fissura, gênero e etnia dos portadores, especificamente, no estado de Mato Grosso do Sul.
Foi realizado um estudo, de base populacional, no município de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, no período de janeiro de 1990 a dezembro de 2002, a partir de 71.500 nascimentos registrados em cinco maternidades (4). Para cada caso de malformação foi tomado como controle o recém-nascido não malformado, do mesmo gênero, nascido imediatamente depois do portador. Dos 980 recém-nascidos com malformação congênita, 56 apresentaram fissuras, obtendo uma prevalência de 0,78 casos de fissura por mil nascimentos (4).
Os estudos realizados a partir de dados de base populacional, como os registros de nascidos vivos, permitem estimar a prevalência da malformação, no entanto, para melhor compreender a ocorrência da fissura é necessário identificar os tipos, a extensão e sua respectiva classificação. Para isso foi considerada a classificação de Spina, a mais utilizada no Brasil, concebida por Victor Spina, cirurgião plástico do Hospital das Clínicas de São Paulo, e citada por vários autores (5,6,7).
Esta classificação fundamenta-se na teoria embriológica que reconhece os mecanismos independentes das estruturas anteriores (originadas do palato primário) e posteriores ao forame incisivo (originadas do palato secundário), ponto de referência anatômico elegido para esta classificação (5,6,7).
A classificação de Spina agrupa as principais fissuras em três categorias, nomeadas pelo forame incisivo: fissuras pré-forame incisivo, fissuras transforame incisivo e fissuras pós-forame incisivo. No entanto, foi complementada com um quarto grupo, o das fissuras faciais raras, que são desvinculadas do palato primário e secundário (5).
A classificação de Spina permite a identificação de formas mistas como no caso da fissura pré-forame e pós-forame no mesmo portador, observando que as mesmas ocorrem em períodos diferentes do desenvolvimento embriológico (5,6,7).
Dentre os autores que estudaram a fissura a partir da sua classificação, destaca-se o estudo brasileiro que avaliou crianças nascidas entre 1999 e 2004, com mães domiciliadas no município de Goytacazes, Rio de Janeiro, a partir dos pacientes de 05 serviços especializados no atendimento à fissura e dos registros de nascimento notificados no Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) (8).
Neste estudo, identificaram-se 63 crianças com fissura, obtendo a prevalência de 1,35 por 1000 nascimentos, com maior frequência da fissura pós-forame (34,9%), seguida da transforame (31,7%), pré-forame (30,2%) e pré e pós-forame associadas (3,2%), não sendo encontrados casos de fissura raras da face (8).
Em Campinas, estado de São Paulo, foi realizado um estudo no Serviço de Genética Clínica da Faculdade de Ciências Médicas, onde foram encontrados 137 casos, sendo 47,4% de fissura palatal, 44,5% de fissura labiopalatal, 7,3% de fissura labial e 0,07% para úvula bífida. Ressalta-se que este foi o primeiro estudo encontrado, nesta revisão de literatura, que menciona a ocorrência da úvula bífida (9).
As implicações inerentes às fissuras são descritas na literatura sob três aspectos: estético, funcional e emocional. A estética, sem dúvida, é o aspecto mais facilmente reconhecido, uma vez que a lesão encontra-se na face, deformando o semblante de seu portador. Já entre as alterações funcionais encontram-se as dificuldades para a sucção, deglutição, mastigação, respiração, fonação e audição, nos mais variados graus de comprometimento dependendo do tipo e extensão da fissura (1, 7).
Dessa maneira, os traços faciais desfigurados pela lesão e a dificuldade em se comunicar pelos distúrbios fonoaudiológicos, provocam distorções na imagem corporal, inibição comportamental, elevado grau de insatisfação e ansiedade, comprometendo o ajustamento pessoal e social do portador (1, 7).
Embora as fissuras orofaciais sejam uma das malfor¬mações congênitas mais frequentes, sua etiologia não se en¬contra claramente estabelecida, no entanto, entre os autores pesquisados, houve consenso em relação à existência de uma causa multifatorial, ou seja, a combinação da pré-disposição genética e exposição a fatores ambientais no primeiro trimestre da gestação como etilismo, tabagismo, ingestão de alguns medicamentos, entre outros (1,2 10, 11, 12).
A relevância científica e social da pesquisa fundamentou-se na possibilidade de melhor conhecer a ocorrência dos tipos de fissuras, a fim de subsidiar um programa de prevenção da malformação no âmbito da Saúde Pública em Mato Grosso do Sul.
Para tanto, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência dos tipos de fissuras orofaciais congênitas, diagnosticadas no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/USP), em casos do estado de Mato Grosso do Sul, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2007; caracterizando os casos quanto ao tipo de fissura, gênero e etnia, à idade e ocorrência de tratamento cirúrgico prévio na admissão ao serviço de reabilitação, às variáveis maternas.
Por fim, paralelamente ao perfil epidemiológico dos portadores, o estudo estimou a prevalência das fissuras orofaciais a partir de dados de base populacional, ou seja, nascimentos e casos de fissura registrados no Sistema de Informação de Nascidos Vivos, no mesmo período de estudo.
MÉTODOO estudo classificou-se como observacional de corte transversal. Os dados foram obtidos por meio de um estudo documental realizado nos registros dos prontuários do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/USP/SP), referente aos casos residentes no Estado de Mato Grosso do Sul, admitidos no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2007. Foi realizado estudo piloto com 5% dos prontuários para a validação do instrumento de pesquisa.
Foram incluídos os dados referentes aos portadores de fissura orofacial congênita, não sindrômicos, independente da idade, do gênero e do tipo de fissura da fissura e diagnosticados pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/USP/SP).
Foram excluídos da pesquisa os prontuários de portadores de fissuras associadas às síndromes genéticas, portadores de fissura adquirida (acidentes perfurantes), pacientes provenientes dos demais estados da Federação e, por questões éticas, portadores de doença mental e indígenas.
As variáveis de análise incluíram os tipos de fissura de acordo com a classificação de Spina (5), gênero e etnia, ano de entrada no serviço de reabilitação, bem como a idade e as condições cirúrgicas na admissão do hospital. Especificamente quanto à idade na admissão, estas foram categorizadas em faixas etárias de acordo com a cronologia de tratamento preconizado pelo HRAC. Quanto às condições cirúrgicas na admissão foi analisada a existência ou não de tratamento cirúrgico prévio e, em caso de cirurgia presente, buscou-se o tipo de cirurgia realizada.
A classificação de Spina divide as fissuras em 3 tipos, sendo fissura pré-forame incisivo, fissura transforame incisivo e fissura pós-forame incisivo, podendo ocorrer isolada ou associadas. Quanto à extensão pode ser completa ou incompleta e quanto à localização, uni ou bilateral. Tal classificação foi complementada com um quarto grupo, o da fissura rara da face (5).
A variável idade materna foi categorizada em faixa etária de acordo com o critério de risco para gestação do Ministério da Saúde, ou seja, idade menor que 17 anos e maior que 35 anos (13). O grau de escolaridade foi agrupado de acordo com os anos completos de escolaridade registrados no prontuário.
Para o cálculo da estimativa da prevalência, foram utilizados os dados referentes ao número de casos de fissura notificados e o número de nascidos vivos registrados no SINASC, no Mato Grosso do Sul, no mesmo período de estudo (14).
Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva e analítica. Para analisar as variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Tendência e as análises estatísticas foram realizadas nos programas Epi-Info TM versão 3.3.2. e BioEstat 4.0.
Quanto aos critérios éticos, o projeto contendo o instrumental de pesquisa e a solicitação de dispensa do uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram encaminhados ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/USP), sendo obtida a aprovação, conforme Ofício nº 281/2007 - SVAPEPE-CEP.
RESULTADOSForam encontrados 271 portadores de fissuras orofaciais residentes no estado de Mato Grosso do Sul, diagnosticados no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/USP) no período de estudo. Todos os portadores admitidos para tratamento no HRAC tiveram o diagnóstico da fissura baseado na classificação de Spina, possibilitando a obtenção da frequência dos diferentes tipos de fissura, bem como a extensão e localização da malformação quanto a uni ou bilateralidade.
Verifica-se na Tabela 1 que a distribuição da fissura ocorreu da seguinte forma: 42,8% dos casos apresentaram fissura transforame (ou labiopalatal), seguida da fissura pré-forame (ou labial).
Com a Classificação de Spina foi possível detalhar a extensão (completa ou incompleta) e a localização da fissura quanto a uni ou bilateralidade, assim pode-se identificar a maior frequência da fissura transforame unilateral (30,3%), seguida da pré-forame incompleta unilateral, conforme demonstra a Tabela 1.
A Tabela 2 mostra a maior prevalência do sexo masculino e, entre portadores da raça branca, predominou a fissura pré-forame.
Na Tabela 3 verifica-se que do total de portadores 64,9% chegaram ao HRAC na faixa etária entre 1 mês e 2 anos, destes, 48,8% concentraram-se nos 6 primeiros meses e 41,0% entre 7 e 12 meses, períodos em que são realizadas a primeira e segunda cirurgia de lábio e a cirurgia de palato, respectivamente. A idade mínima na admissão do hospital foi de 1 mês e a idade máxima foi de 74 anos.
Os resultados apresentados na Tabela 4 demonstram a ocorrência das variáveis maternas entre os tipos de fissura. Na análise dos prontuários observou-se que os pacientes admitidos no hospital a partir dos 16 anos não dispunham, sistematicamente, de informações a respeito do histórico gestacional e parto, por isso o levantamento das variáveis maternas foi realizada em 227 casos, onde as informações estavam disponíveis.
Quanto à faixa etária materna na gestação observou-se que a mais frequente entre os portadores de fissura foi de 17 a 35 anos (81,9%); quanto à escolaridade materna na gestação observou-se que a mais frequente tinha de 9 a 11 anos completos de escolaridade (30,3%) e quanto a intercorrência na gestação observou-se que a mesma esteve presente em 24,2% dos casos.
Os resultados da Tabela 5 mostram as frequências das fissuras registradas no Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) a partir da Declaração de Nascidos Vivos, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Foram notificados no estado de Mato grosso do Sul 98 casos de fissura orofacial no período de 2003 a 2007.
DISCUSSÃOA distribuição da fissura mostrou que houve predomínio da fissura transforame como nos estudos realizados no Brasil (6, 15, 16, 17), porém, discordando dos achados do estudo realizado em um serviço de Genética Clínica em Campinas (9), que encontrou predominância da fissura pós-forame. Considerando o intervalo de confiança, ressalta-se que a frequência da fissura transforame dos casos de Mato Grosso do Sul ficou abaixo das frequências obtidas em outros estudos com 47,5% (16) e 68,0% (15).
Ainda no que se refere à predominância da fissura transforame, os achados concordam também com os estudos realizados no exterior (18, 19, 20, 21) onde foram encontradas as frequências de 47,7%, 49,6%, 53,6% e 46,5%, respectivamente.
A fissura pós-forame ocorreu em menor frequência (26,2%) entre os casos, concordando com diversos estudos realizados no Brasil (3,15,16,17,22) e no exterior, onde as frequências encontradas foram 3,6% (20), 17,4% (18) e 24,0% (23).
A classificação de Spina permite a identificação de formas mistas como no caso da fissura pré-forame e pós-forame no mesmo portador, sendo que as mesmas ocorrem em períodos diferentes do desenvolvimento embriológico (22, 24). Dos casos encontrados 3,7% apresentaram fissura pré-forame e transforame associadas e 4,8% de fissura pré-forame e pós-forame associadas, totalizando 8,5% do total de casos.
De acordo com o lado da face envolvido as fissuras pré-forames podem ser subclassificadas em unilateral, bilateral ou mediana e as fissuras transforames em unilateral ou bilateral. A fissura pós-forame não apresenta esta variação por acometer necessariamente a linha média do palato, ou seja, a rafe palatina (1,5,25).
Assim os resultados apontam para uma maior frequência das fissuras unilaterais (67,2%) sobre as bilaterais e, dentre elas, predominaram o comprometimento do lado esquerdo (69,8%), concordando com o achado da literatura (15).
De acordo com a extensão anatômica da lesão as fissuras podem ser subclassificadas em completa ou incompleta, tendo como referência o rompimento ou não do forame incisivo (5). Por esse motivo as fissuras pré-forames e as fissuras pós-forames podem apresentar uma diversidade clínica. Já a fissura transforame não apresenta esta variação por se caracterizar, necessariamente, pelo rompimento completo do palato primário e secundário, estendendo clinicamente do lábio superior até o palato mole e úvula.
Dessa forma, a fissura pré-forame pode variar desde uma fissura cicatricial de lábio superior, chamada Cicatriz de Keith, ao rompimento completo do lábio e do arco dentário, atingindo o forame incisivo. A fissura pós-forame pode variar desde uma úvula bífida ao rompimento do palato mole ou do palato duro parcial, indo até o rompimento do palato duro e palato mole (1,5,24,25).
Embora os resultados apontem para uma maior frequência das fissuras completas (60,1%), é entre as fissuras incompletas que se observa a diversidade morfológica. Dessas 54,2% estava presente o comprometimento do palato duro parcial e em 50,0% o comprometimento do palato mole. Foram encontradas fissura submucosa, úvula bífida e fissura oculta.
A compreensão da extensão anatômica da fissura é fundamental na elaboração do programa terapêutico e no prognóstico do tratamento, pois, quanto maior a extensão da lesão, maiores serão os comprometimentos funcionais e, portanto, maiores os recursos terapêuticos utilizados ao longo do tratamento para a recuperação total do paciente. No entanto, não foram encontrados na revisão de literatura para esta pesquisa, levantamentos a respeito da extensão anatômica da fissura, exceto o estudo que identificou a ocorrência de úvula bífida em 0,07% entre 137 casos de fissura (9).
Por fim, não foram encontrados, nesta pesquisa, casos de fissura pré-forame mediana, completa ou incompleta, e de fissuras raras da face.
Quanto ao sexo houve predominância da fissura no sexo masculino, concordando com a literatura (6,15) e ao associar-se o sexo à classificação verificou-se que o sexo masculino foi mais acometido pela fissura transforame, enquanto que o feminino pela fissura pré-forame, concordando com estudos no Brasil (6,15,22) e no exterior (18,21,23). Quanto à raça as fissuras foram mais frequentes entre os brancos.
Quanto à admissão do portador no serviço de referência, a faixa etária entre um mês e dois anos é considerada adequada, pois está compatível com a cronologia das cirurgias primárias de lábio e de palato do HRAC, permitindo que o tratamento aconteça precocemente. Nos primeiros seis meses é que são realizadas as primeiras cirurgias e este é o período desejável para o início do tratamento das fissuras, principalmente da transforame bilateral, uma vez que as estruturas envolvidas e a extensão da lesão lhe atribuem maior complexidade e requer tratamento prolongado (24).
No HRAC as cirurgias secundárias, como a faringoplastia, os retoques com finalidade estética ou funcional em cirurgias já realizadas ou o fechamento de fístula são realizados entre 3 e 8 anos, aproximadamente, com maior concentração entre 6 e 8 anos e, posteriormente, é realizado o enxerto ósseo, entre 9 e 10 anos (24). Apesar de ser considerada uma etapa secundária, onde se espera que o tratamento apresente considerável avanço, 13,3% dos portadores do Estado de Mato Grosso do Sul estão sendo admitidos para tratamento no HRAC, comprometendo de forma insatisfatória o protocolo cirúrgico e o tratamento precoce.
Após receberem tratamento clínico odontológico, cirurgias secundárias de nariz e cirurgia maxilo-mandibular os portadores, em tratamento no HRAC, passam por avaliação final do tratamento, recebem aconselhamento genético e, por fim, após os 20 anos de idade recebem alta (24), no entanto, os resultados mostraram que 12,9% dos portadores chegaram ao HRAC após os 21 anos.
Quanto à intervenção cirúrgica recebida previamente à admissão no HRAC, 79,0% chegaram ao serviço de referência sem ter recebido qualquer tipo de intervenção cirúrgica e desses, quase a totalidade (99,4%) tinham entre 1 mês e 2 anos, o que é considerado favorável à realização do tratamento precoce e adequado à cronologia cirúrgica. Um menor percentual de casos recebeu algum tipo de tratamento cirúrgico em outros serviços, o que na literatura é considerada condição desfavorável, caso os cuidados multidisciplinares não tenham sido realizados após as etapas cirúrgicas (1,24).
O teste Qui-quadrado indicou uma tendência crescente, mostrando que à medida que aumenta a idade, aumenta a frequência de tratamento cirúrgico prévio.
A partir de tais achados, deduz-se que os portadores de fissuras orofaciais necessitam ser encaminhados ao serviço de reabilitação logo no primeiro mês de vida, a fim de que sejam contempladas todas as etapas cirúrgicas e de reabilitação em idades adequadas, respeitando a fase de crescimento e desenvolvimento da face e obtendo um melhor prognóstico.
A faixa etária materna na gestação mais frequente, entre os portadores de fissura, é considerada como faixa etária de baixo risco gestacional pelo Ministério da Saúde (13), sendo que a idade média encontrada foi de 25 anos, variando entre a mínima de 14 e a máxima de 48 anos. Um percentual menor está distribuído nas faixas consideradas de risco gestacional, ou seja, menor que 17 anos e maior que 35 anos.
O Ministério da Saúde reconhece a faixa etária como um dos 4 grupos de fatores que contribuem para a gestação de alto risco (13), porém especificamente para o risco de ocorrência de fissura, outros estudos mostraram que a ocorrência de fissura não está relacionada ao aumento da idade materna (4,26).
Quanto à escolaridade materna na gestação observou-se a faixa de maior frequência foi de 9 e 11 anos completos de escolaridade com predomínio da fissura pré-forame e no grupo com baixa escolaridade materna predominaram as fissuras transforames. Quanto a este aspecto o estudo realizado em Pelotas, Rio Grande do Sul, encontrou importante correlação entre o grau de instrução materna e a ocorrência de fissura, onde 82,1% das mães apresentaram baixo grau de instrução (4).
Dentre os casos com relato positivo de intercorrência na gestação houve predomínio da ocorrência de fissura pós-forame. É consenso entre os autores revisados a participação dos fatores ambientais, ocorridos no primeiro trimestre da gestação, na etiologia das fissuras (1,2,3,10,11,12,25).
Foram encontrados, neste estudo, aproximadamente 24 tipos diferentes de intercorrências ocorridas no primeiro trimestre de gestação, registradas nos prontuários, entre elas, as que ocorreram com maior frequência foram: hipertensão (12,7%), tabagismo (10,9%), sangramento (10,9%), ameaça de aborto (9,1%) e consanguinidade (9,1%). A literatura aponta a hipertensão como fator de risco para o aparecimento de fissuras orais, indicando risco relativo de grande magnitude (RR=2,97), mas sem significância estatística (22).
A literatura pesquisada mostrou alguns estudos que avaliaram a associação entre tabagismo materno durante a gestação e o risco de fissura, indicando aumento, estatisticamente significante, do risco para fissura entre as mães que fumaram durante o primeiro trimestre da gestação (27,28).
Quanto aos antecedentes familiares para fissura, estes ocorreram em 24,6% dos casos e, destes, predominaram as fissuras transforames com uma frequência de 55,3%. Estudos consideram a hereditariedade como fator de risco para fissura (4,22).
Além do estudo epidemiológico dos tipos de fissura, obtidos dos prontuários do HRAC/USP e discutidos até o momento, o estudo se propôs, também, estimar a prevalência das fissuras orofaciais utilizando os registros do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) do DATASUS, pois o coeficiente requer a comparação entre dados de base populacional.
Assim, a partir dos dados de nascimentos e dos casos de fissura notificados no estado, no mesmo período do estudo em prontuários, foi possível estimar que a prevalência das fissuras orofaciais no Mato Grosso do Sul de 2003 a 2007 foi de 0,49 casos por 1000 nascidos vivos, aproximando-se do estudo brasileiro que obtive a prevalência de 0,47 casos por mil recém-nascidos (3).
Infere-se que a prevalência encontrada poderia ser maior, levando-se em consideração a existência de notificações no SINASC com códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) distintos do código da fissura, como "outras malformações congênitas não especificadas da face e pescoço". Tal notificação pode tratar-se de casos de fissuras menos conhecidas, como as faciais e submucosas.
Caso o profissional de saúde responsável pelo diagnóstico e notificação não tenha conhecimento dos tipos das fissuras orofaciais, que vai além dos mais conhecidos (labial, palatal e labiopalatal), o mesmo poderá causar a subnotificação da fissura.
A ausência de estudos epidemiológicos de fissura no Mato Grosso do Sul, impossibilita, neste momento, a verificação da variação da prevalência.
CONCLUSÕESDentre os portadores diagnosticados do estado de Mato Grosso do Sul prevaleceu a fissura transforame, ou seja, a forma mais grave entre as malformações orofaciais, com maior extensão, maior número de estruturas acometidas e, portanto, com importantes comprometimentos estéticos e funcionais.
Quanto à extensão da lesão, entre as fissuras pré e pós-forame, prevalecem as fissuras completas. Quanto ao lado da face acometido, entre os casos de fissuras pré-forame e transforame, há maior frequência da fissura unilateral, predominante para o lado esquerdo.
Quanto ao gênero e etnia dos portadores este estudo aponta para o acometimento maior do gênero masculino e da etnia branca.
A maioria dos portadores chega ao serviço de reabilitação com idades e condições clínicas compatíveis com a cronologia dos tratamentos multidisciplinares e com a sequência cirúrgica preconizada pelo HRAC.
Entre todos os tipos de fissura foram mais frequentes as mães com idade fora da faixa etária considerada de risco para a gestação, com nível satisfatório de escolaridade, com história de intercorrência gestacional e sem antecedentes familiares para a fissura.
A prevalência estimada das fissuras orofaciais no Mato Grosso do Sul, no período de 2003 a 2007, foi de 0,49 casos por 1000 nascidos vivos.
Estudos futuros a respeito da epidemiologia das fissuras orofaciais no estado de Mato Grosso do Sul e demais regiões do Brasil, utilizando terminologia uniforme para a classificação, são necessários para conhecer, comparar e acompanhar a evolução temporal da prevalência.
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1 Mestre. Doutoranda em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil. Técnica da Escola de Saúde Pública de Mato Grosso do Sul.
2 Doutor. Docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil.
3 Mestre. Doutoranda em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil.
Instituição: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campo Grande / MS - Brasil. Endereço para correspondência: Mirela Gardenal - Avenida Senador Filinto Müller, 1480 - Bairro Ipiranga - Campo Grande / MS - Brasil - CEP: 79074-460 - Telefone: (+55 67) 3345-8019 - E-mail: mirelagardenal@yahoo.com.br
Artigo recebido em 31 de Agosto de 2010. Artigo aprovado em 5 de Fevereiro de 2011.