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Ano: 2011  Vol. 15   Num. 2  - Abr/Jun
DOI: 10.1590/S1809-48722011000200019
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Case Report
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Mastoidite Fúngica em Paciente com SIDA: Relato de Caso
Fungal Mastoiditis in AIDS Patients: Reported Cases
Author(s):
Lucas Rodrigues Carenzi1, Flavia Silveira1, Gabriel Bijos Faidiga1, Tassiana do Lago1, Camila Carrara Yassuda1, Eduardo Tanaka Massuda2, Miguel Angelo Hyppolito2.
Palavras-chave:
síndrome de imunodeficiência adquirida, mastoidite, Aspergillus fumigatus.
Resumo:

Introdução: Mastoidite fúngica por Aspergillus fumigatus ocorre predominantemente em pacientes imunossuprimidos. O diagnóstico geralmente é difícil e a doença é potencialmente fatal. O tratamento consiste em terapia antifúngica, desbridamento cirúrgico e correção da imunossupressão. Relato do Caso: Este artigo trata-se de um relato de um caso de mastoidite fúngica em um paciente com síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA). O tratamento realizado foi o cirúrgico associado à terapia antifúngica. O nervo facial deste paciente não estava afetado, o que não exclui complicações potencialmente fatais da mastoidite.

INTRODUÇÃO

A infecção por aspergilus tem sido associada a rinossinusite e otite externa invasiva (1,2). Embora infecções por aspergilus em otorrinolaringologia sejam reportadas com certa frequência, a mastoidite por este agente acontece muito raramente (3,4). A maioria dos pacientes com infecção por aspergilus são imunocomprometidos por doenças primárias ou como resultado de tratamento para outras comorbidades (leucemias, diabetes, transplantes). Este relato de caso é de um paciente imunossuprimido devido a SIDA, que evoluiu com mastoidite por aspergilus. Poucos casos são relatados de pacientes imunocompetentes que apresentem infecção por aspergillus (5,6).


RELATO DO CASO

Um homem de 33 anos, sem historia prévia de problemas otorrinolaringológicos, com o diagnóstico de SIDA C3 há anos, internado na enfermaria de moléstias infecciosas do HC-RP-USP, foi encaminhado ao nosso ambulatório devido à otalgia e hipoacusia esquerda há 2 meses, com otorreia ipsilateral esverdeada há 20 dias, de pouca quantidade, sem febre e que não melhorou após tratamento inicial instaurado, em outro serviço, com azitromicina. O paciente não apresentava sintomas nasais ou orais. Ao exame físico, estava emagrecido, descorado e afebril. À otoscopia, havia a presença de pústula em parede posterior de canal auditivo externo (CAE) esquerdo, com membrana timpânica (MT) retraída e hipervascularizada, com líquido em orelha média (OM). Ausência de sinais inflamatórios pré ou retro auriculares e paralisia facial. À direita observava-se apenas leve opacidade de MT. Os exames de oroscopia, rinoscopia anterior e posterior, laringoscopia indireta e ausculta pulmonar estavam inalterados. A audiometria tonal limiar mostrava perda condutiva a esquerda com gap aero-ósseo de 20 dB em todas frequências (250 a 8000 Hz), com imitanciometria evidenciando curva tipo B deste lado. O diagnóstico clínico foi de otite media secretora (OMS) e pústula em CAE à esquerda, iniciando-se o tratamento com cefalexina administrada por via oral na dose de 2,0 g / dia após drenagem da pústula.

Não houve melhora na sintomatologia e no exame clínico após 4 dias de tratamento, optando-se por trocar o antibiótico (ATB) para amoxicilina associado a ácido clavulânico, administrados oralmente (na dose de 1,5 g e 375mg /dia).

Após 5 dias de amoxicilina associada a clavulanato, não houve melhora do quadro. Optamos então pela paracentese da MT esquerda, com saída de secreção hialina e sangue apenas e complementação diagnóstica com exame de imagem - tomografia computadorizada (CT) de ossos temporais, onde se evidenciou destruição óssea em mastoide esquerda, além de velamento de toda orelha média ipsilateral (Figuras 1 e 2).

Foi iniciado tratamento com ceftriaxone pela via endovenosa na dose de 4g/dia e intervenção cirúrgica (mastoidectomia simples a esquerda). Os achados demonstraram a presença de secreção amarelo-esverdeada em toda mastoide, além de intensa erosão óssea e grande ampliação do antro. Na ocasião, foram enviados materiais para os exames anatomopatológico (AP) e microbiológico (culturas), cujos resultados demonstraram a presença de hifas na secreção e crescimento de Aspergillus fumigatus (Figura 3), respectivamente. Decidiu-se então pela suspensão da ceftriaxone e início de Anfotericina B pela via endovenosa na dose de 1,5 mg/kg/dia.

O paciente evoluiu no pós-operatório com melhora da otalgia, mas não da hipoacusia. A otoscopia observou-se MT íntegra, com discreta hiperemia e sem nível liquido em orelha média. Houve deiscência de ferida operatória no 7º dia de pós-operatório, sem paralisia facial periférica ou sinais de mastoidite, necessitando de curativos diários e ressutura, com sucesso em seu fechamento.

Posteriormente, o paciente evoluiu com pneumonia nosocomial e insuficiência renal aguda, piorando seu quadro clínico com choque séptico e falecendo 51 dias após a cirurgia.



Figura 1. TC de ossos temporais em plano coronal evidencian¬do velamento com densidade de partes moles ocupando células da mastoide esquerda, que se mostram erodidas, além da erosão da córtex do osso temporal.




Figura 2. TC de ossos temporais em plano axial evidenciando velamento com densidade de partes moles ocupando antro da mastoide esquerda em região atical, comprometendo cadeia ossicular, com erosão óssea em projeção de fossa craniana posterior.




Figura 3. Exame anatomopatológico de secreção corada com prata, mostrando a presença de hifas compatíveis com Aspergillus fumigatus.




DISCUSSÃO

O Aspergillus fumigatus é um fungo saprófita, que está presente na poeira e na água. A inalação de esporos (conídeos) causa infecção de seios da face e pulmões, com subsequente dispersão para outros sítios. A disseminação pode ocorrer por via hematogênica e por contiguidade para órgãos como fígado, rins e cérebro.

Inicialmente, a infecção por aspergilus era apenas conhecida em seios da face (7,8), até que HALL e FARRIOR (3) (1993) incluíram o osso temporal como sítio de infecção. A classificação inclui três formas: não invasiva (reponde a simples remoção), invasiva, caracterizada por invasão óssea, resposta granulomatosa e fibrose, ocorrendo em pacien¬tes imunossuprimidos, como observado no caso descrito, e, fulminante, caracterizada por invasão de vasos e pouca reação tecidual local

Fontes de infecção fúngica para o osso temporal são as meninges, a via hematogênica, via timpanogênica e nasofaringe (9), sendo mais comuns as três últimas vias. Há relatos de envolvimento do nervo facial, devendo a mastoidite fúngica fazer parte do diagnóstico diferencial quando este tipo de sintoma estiver presente. O que atentamos para o caso descrito é a ausência da paralisia facial neste paciente com mastoidite fúngica.

Este caso ilustra a dificuldade de se fazer o diagnóstico de mastoidite em pacientes com imunossupressão, visto que os sintomas e sinais são menos exuberantes devido à doença de base. A CT, culturas de sangue e biópsia de tecidos (como mucosa de OM através de perfurações de MT) podem favorecer o diagnóstico, porém nem sempre confirmam o mesmo. Neste caso, o que parecia ser uma OMS ao exame físico, na verdade ocultava uma mastoidite crônica causada pelo fungo, o que não é habitual em paciente adulto, e o atraso no diagnóstico pode atrasar a terapêutica ideal.

Considerando a presença de lise óssea e a condição de imunossupressão do paciente, caracterizando uma forma invasiva da doença, a droga de escolha após o tratamento foi a anfotericina B, que tem boa atuação em infecções fúngicas por aspergilus. A anfotericina B é um antifúngico poliênico que se associa ao ergosterol, causando morte celular por lise, devendo-se considerar sua utilização sistêmica e prolongada em situações de infecções fúngicas invasiva ou fulminante em otorrinolaringologia.


COMENTÁRIOS FINAIS

A mastoidite fúngica é uma doença encontrada principalmente em pacientes imunossuprimidos, de difícil diagnóstico e que deve ser tratada agressivamente devido ao seu potencial invasivo e fulminante, o que aumenta significativamente o índice de óbito pela doença.

Este relato alerta para a importância de se pesquisar ativamente a doença mastóidea em pacientes imunossupri¬midos com queixas otológicas, pois os sinais e sintomas são pouco exuberantes, atrasando o diagnóstico e o tratamento precoce e efetivo deste grupo particular de pacientes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Adams N F Jr. Infections involving the ethmoid, maxillary and sphenoid sinus and the orbit due to Aspergillus fumigatus. Arch Surg. 1923, 26:999-1009.

2. Petrak R M, Pottage J C. Levin S, Invasive external otitis caused by Aspergillus fumigatus in an immunocompromised patient. J Infect Dis. 1985, 151:196.

3. Hall P J, Farrior J B, Aspergillus mastoiditis. Otolaryngol Head Neck Surg. 1993, 108:167-170.

4. Teh W, Matti B S, Marisiddaiah H, Minamoto G Y, Aspergillus sinusitis in patients with AIDS: report of three cases and review. Clin Infect Dis. 1995, 21:529-535.

5. Cunningham M, Yu V L, Turner J, Curtin H, Necrotizing otitis externa due to Aspergillus in an immunocompetent patient. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988, 114:554-556.

6. Bryce G E, Phillips P, Lepawsky M, Gribble M J, Invasive Aspergillus tympanomastoiditis in an immunocompetent patient. J Otolaryngol. 1997, 26:266-269.

7. Hora J F. Primary aspergillosis of the paranasal sinuses and associated areas. Laryngoscope. 1965, 75:768-773.

8. McGill T J. Mycotic infection of the temporal bone. Arch Otolaryngol. 1978, 104:140-144.









1 Médico (a) Residente.
2 Doutor. Docente.

Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia, Oftalmologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Lucas Rodrigues Carenzi - Avenida Bandeirantes, 3900 - Hospital das Clínicas 12º Andar - Campus Universitário da USP -Monte Alegre - Ribeirão Preto / SP - Brasil - CEP: 14049-900 - Telefone: (+55 16) 3602-2321 - E-mail: lucas_carenzi@yahoo.com.br

Artigo recebido em 10 de Agosto de 2009. Artigo aprovado em 23 de Outubro de 2009.
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