INTRODUÇÃORinoscleroma é uma doença granulomatosa crônica que compromete a mucosa do trato respiratório (mais frequentemente o nariz) e eventualmente pode se estender às vias aéreas inferiores (laringe, traqueia e brônquios). Por esse motivo, existe atualmente a tendência em se adotar a denominação escleroma (1,2). Foi descrita pela primeira vez por FERDINANDO VON HEBRA, em 1870(3).
REVISÃO DE LITERATURAO rinoscleroma consiste em uma doença infecciosa causada pela bactéria Klebsiella rhinoscleromatis, um gram-negativo encapsulado da família das enterobactérias, que pode ser isolado por meio de cultura. É considerada endêmica em alguns países da África, América Central e América do Sul (porém, é rara no Brasil) (4). Está associada a certos fatores predisponentes, a saber: baixo nível sócio-econômico, higiene precária, imunodepressão e contato prévio com pacientes infectados (5).
Caracteristicamente a doença se desenvolve de forma insidiosa a partir da mucosa nasal, sendo que a progressão se dá em 3 fases: catarral (caracterizada por rinorreia, crostas e obstrução nasal, sendo muitas vezes confundida com uma simples rinite); granulomatosa (onde são encontrados nódulos na submucosa e lesões infiltrativas); cicatricial (marcada por grosseira cicatriz tecidual, podendo ocorrer estenose do vestíbulo e/ou da laringe) (1). O diagnóstico diferencial inclui neoplasias e principalmente outras condições inflamatórias, como hanseníase, paracoccidioidomicose, sarcoidose e granulomatose de Wegener (6)
O diagnóstico pode ser confirmado por cultura (50 a 60% de positividade) ou por estudo histopatológico. O tratamento consiste em antibioticoterapia, podendo ser associado à cirurgia em certos casos (1,2,7).
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOPaciente de 28 anos, do sexo feminino, cor parda, casada, do lar, compareceu ao Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Brasília apresentando queixa de obstrução nasal bilateral há três anos, com importante prejuízo do sono, além de episódios frequentes de cefaleia em região frontal. Negava alterações vocais ou dispneia. Havia relato de ter sido submetida a uma cirurgia nasal para ressecção de sinéquias há dois anos, sem sucesso. Na ocasião, não foi realizada biópsia.
Como antecedentes, negava uso de drogas, trauma nasal, imunodeficiência ou história de familiares com quadro semelhante. Nunca foi tabagista nem etilista.
Ao exame, apresentava importante abaulamento de pirâmide nasal. Rinoscopia anterior demonstrou lesão de aspecto granulomatoso ocupando ambas as fossas nasais , até próximo ao vestíbulo (Figura 1). A laringoscopia era normal.
A tomografia computadorizada de seios paranasais evidenciou material com densidade de partes moles ocupando porção inferior de fossas nasais, porém sem acometimento de seios maxilares. Não havia sinais de destruição óssea (Figura 2).
A paciente foi submetida à biópsia da lesão sob anestesia local e o exame anatomopatológico revelou infiltração difusa de histiócitos distendidos e vacuolizados, com núcleos redondos, excentricamente localizados (células de Mikulicz) (Figura 3). As colorações pelo Giemsa, PAS e Warthin-Starry demonstraram presença de bacilos intracitoplasmáticos. Foi estabelecido o diagnóstico de rinoscleroma.
O tratamento instituído foi tetraciclina (500 mg - 6/6h por 30 dias).
Houve redução parcial da lesão. Optamos por complementar o tratamento com gemifloxacino (320 mg - 1 vez ao dia, por 2 semanas). Após o término deste novo ciclo de antibioticoterapia ocorreu remissão completa da lesão, porém mantendo-se ainda discreta estenose cicatricial em fossas nasais. Diante da importante melhora clínica referida, a paciente optou por não ser submetida a tratamento cirúrgico complementar.
Figura 1.
Figura 2.
Figura 3.
DISCUSSÃOO paciente em questão apresentou a forma clássica de apresentação do rinoscleroma, ou seja, restrita à mucosa nasal. No entanto, sabe-se que a doença pode acometer outras regiões do trato respiratório, como laringe (15-40%), nasofaringe (18-43%), seios paranasais (26%), traqueia (12%), brônquios (2-7%) (5).
O estudo histopatológico pode definir o diagnóstico quando são encontradas as clássicas células de Mikulicz (histiócitos contendo o bacilo) ou corpúsculos de Russel (plasmócitos com degeneração hialina). Tais achados são mais facilmente reconhecidos quando a doença se encontra na fase granulomatosa. O diagnóstico também poderá ser definido por meio de cultura, que será positiva em 50 a 60% dos casos (3).
Diversos antibióticos podem ser empregados no tratamento do rinoscleroma. Classicamente, tetraciclina ou estreptomicina podem ser utilizadas, por um período mínimo de 4 semanas. Mais recentemente as quinolonas têm se mostrado bastante eficazes, com a vantagem de apresentarem menos efeitos colaterais (2). A escolha pelo gemifloxacino no caso descrito é explicada pelo fato de tratar-se da única quinolonas respiratória disponível para fornecimento gratuito à paciente no ambulatório, naquela ocasião.
COMENTÁRIOS FINAISAlém do fato de ser considerada uma doença rara no Brasil, o diagnóstico de rinoscleroma pode ser dificultado em virtude de diversos fatores, a saber: diversidade de diagnósticos diferenciais, sensibilidade limitada dos métodos diagnósticos e as variações na forma de apresentação, dependentes da fase em que a doença se encontra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Canalis FR, Zamboni L. An Interpretation of the Structural Changes Responsible for the Chronicity of Rhinoscleroma. Laryngoscope. 2001, 111:1020-6.
2. Simons ME, Granato L, Oliveira RC, Alcantara MP. Rinoscleroma: relato de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006, 72(4):568-71.
3. Von Frisch A. The etiology of rhinoscleroma. Wien Med Wochenschr. 1882, 32:969-2.
4. Hart CA, Rao SK. Editorial: Rhinoscleroma. J Med Microbiol. 2000, 49:395-6.
5. Chan TV, Spiegel JH. Klebsiella rhinoscleromatis of the membranous nasal septum. J Laryngol Otol. 2007, 121:998-1002.
6. Andraca R, Edson R, Kern E. Rhinoscleroma: a growing concern in the United States? Mayo Clinic experience. Mayo Clin Proc. 1993, 68:1151-7.
7. Badia L, Lund VJ. A case of rhinoscleroma treat with ciprofloxacin. J Laryngol Otol. 2001, 115:220-2.
1) Médico (a) Residente em Otorrinolaringologia no Hospital Universitário de Brasília.
2) Médica residente em Patologia no Hospital Universitário de Brasília.
3) Doutor em Otorrinolaringologia. Médico Otorrinolaringologista do Hospital Universitário de Brasília.
4) Doutorado em Medicina pela University of Minnesota. Professor titular da Universidade de Brasília e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Brasília.
Instituição: Hospital Universitário de Brasília. Brasília / DF - Brasil. Endereço para correspondência: Igor Teixeira Raymundo - SHIN QI 10 conj. 10 CS 08 Lago Norte - Brasília / DF - Brasil - CEP: 71525-100.
Artigo recebido em 3 de Setembro de 2009. Artigo aprovado em 3 de Outubro de 2009.