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Ano: 2012  Vol. 16   Num. 1  - Jan/Mar
DOI: 10.7162/S1809-48722012000100005
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Relação entre nível de chumbo no sangue e desempenho nas habilidades do processamento auditivo
Relationship between lead in the blood and performance in the abilities from hearing process
Author(s):
Tamyne Ferreira Duarte de Moraes1, Thaís dos Santos Gonçalves1, Karina Krähembühl Salvador 1, Andréa Cintra Lopes4, Kátia de Freitas Alvarenga5, Mariza Ribeiro Feniman6.
Palavras-chave:
chumbo, audição, criança, fonoaudiologia, compreensão.
Resumo:

Introdução: A contaminação por chumbo afeta todos os sistemas do corpo humano, principalmente o sistema nervoso. Objetivo: Investigar se há correlação entre o nível de plumbemia e o desempenho em testes do processamento auditivo. Método: Estudo retrospectivo. 73 crianças, com idade entre 7 a 15 anos, residentes em uma área onde houve emissão de partículas de chumbo acima do permitido, com nível de plumbemia maior ou igual a 10 microgramas/dL, exames audiológicos (audiometria e timpanometria) dentro dos padrões de normalidade. Para avaliar o processamento auditivo foram utilizados o Teste de Fusão Auditiva-Revisado (AFT-R), subteste 1, e o Teste Dicótico de Dígitos (etapa de integração binaural). Foi utilizado o teste de Spearman para verificar a correlação entre os dados. Resultados: O nível de plumbemia variou de 10 a 30,2microgamas/dL, sendo a média correspondente a 15,8 microgramas/dL (desvio-padrão de 4,8). Dessas crianças, 60,3% apresentaram desempenho ruim no teste AFT-R, ou seja, resultados superiores a 60ms. Quanto ao Teste Dicótico de Dígitos, 46,2% das crianças apresentaram desempenho ruim para a orelha direita e 67,3% apresentaram desempenho ruim na orelha esquerda. Conforme o resultado do teste de correlação de Spearman, não houve significância estatística entre o nível de chumbo e os resultados dos testes do processamento auditivo. Conclusão: Não houve correlação entre o nível de plumbemia e o desempenho nas habilidades do processamento auditivo, entretanto crianças contaminadas pelo chumbo apresentaram desempenho inferior nas habilidades do processamento auditivo.

INTRODUÇÃO

A contaminação por chumbo afeta todos os sistemas do corpo humano, principalmente o sistema nervoso. As manifestações clínicas dependem da intensidade, do tempo de exposição e da sensibilidade individual (1).

O nível tolerado no organismo humano, de acordo com o Centro de Controle de Doenças Americano (2), é de até 10 g/dL, porém alguns estudos (3-9) revelaram efeitos prejudiciais à saúde em concentrações inferiores a 10 g/dL.

Quanto aos efeitos do chumbo no sistema auditivo, não existe consenso na literatura. Em janeiro de 2002, na cidade de Bauru, houve interdição de uma indústria em função da emissão de partículas de chumbo para o meio ambiente, acima dos níveis permitidos. Esse acontecimento possibilitou o estudo dos efeitos do chumbo isoladamente. Os estudos (10,11) realizados não demonstraram alterações no funcionamento de células ciliadas externas, nervo auditivo e tronco encefálico.

Sabe-se que a contaminação por chumbo pode afetar o desenvolvimento do sistema nervoso central, podendo causar deficiência de atenção, concentração, memória, inteligência, aprendizagem, processos perceptivos, desenvolvimento psicomotor e interpessoal (12-14), entre outros.

O processamento auditivo é o conjunto de processos e mecanismos que ocorrem no sistema auditivo em resposta a um estímulo acústico e que são responsáveis pela localização e lateralização do som, discriminação e reconhecimento de padrões auditivos, aspectos temporais da audição, performance auditiva com sinais acústicos competitivos e com degradação do sinal acústico (15). Para que estas habilidades se desenvolvam adequadamente, é preciso haver integridade funcional e estrutural do sistema auditivo periférico e central.

Considerando que a contaminação por chumbo pode afetar algumas funções do sistema nervoso central, julgou-se necessário realizar um estudo prospectivo do nível de plumbemia de crianças expostas ao chumbo e seu desempenho em testes comportamentais, escolhidos para triar o processamento auditivo, com a finalidade de auxiliar na investigação da relação entre o chumbo e alterações de processamento auditivo.

Sendo assim, este trabalho tem o objetivo de verificar o desempenho de crianças expostas ao chumbo em testes de processamento auditivo.


MÉTODO

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, protocolo número 73/2010.

Participaram deste estudo 90 crianças do gênero masculino e feminino, com idade entre 7 a 15 anos.

Os critérios de inclusão foram: residirem na cidade de Bauru na área onde houve emissão de partículas de chumbo acima do permitido; consentimento dos pais para avaliação e publicação dos resultados; nível de chumbo igual ou superior a 10 g/dL; audiometria com resultados dentro dos padrões de normalidade nas frequências testadas; timpanometria com curva tipo A.

As crianças foram submetidas à Audiometria Tonal Liminar nas frequências de 500 a 4 KHz e à timpanometria. Para triar o processamento auditivo foram utilizados o Teste de Fusão Auditiva- Revisado (AFT-R) subteste 1(16) e o Teste Dicótico de Dígitos (etapa de integração binaural) (17).

O AFT-R avalia a resolução temporal, determinando a duração, em milissegundos (ms), em que o ouvinte consegue distinguir um breve intervalo de silêncio entre dois tons puros. Foi considerado como desempenho bom à percepção do som em um intervalo igual ou inferior a 60ms e como desempenho ruim, a percepção do som em um intervalo superior a 60 ms.

O Teste Dicótico de Dígitos consiste em quatro apresentações de uma lista de dígitos dissílabos do português brasileiro, em que quatro dígitos diferentes são apresentados simultaneamente, dois em cada orelha, caracterizando uma tarefa dicótica. Os resultados foram classificados como desempenho bom de acordo com a Tabela 1, sendo considerado desempenho ruim valores inferiores aos descritos na Tabela (17).

Todas as crianças avaliadas tiveram amostras de sangue coletada para determinar os níveis de plumbemia (nível de chumbo no sangue). Estes exames foram conduzidos pela Secretaria Municipal de Saúde e realizados pelo Instituto Adolfo Lutz (IAL/SES-SP).

Foram realizadas análises estatísticas dos resultados, sendo utilizados instrumentos para análise descritiva e o teste de Spearman para verificar a correlação entre os dados.


RESULTADOS

Das 90 crianças avaliadas, foram excluídas da amostra 14 por apresentarem alterações na audiometria ou na timpanometria. Outras 3 (3,3%) foram excluídas por apresentarem nível de chumbo inferior a 10 g/dL. Portanto foram analisados os resultados dos testes do processamento auditivo em 73 crianças, o que corresponde a 81,1% do número inicial estabelecido. Assim, foi fixado como número total 73, para que fosse possível realizar as análises estatísticas.

Destas crianças, 32 (43,8%) eram do sexo feminino e 41 (56,2%) do masculino, com idade média de 9,5 anos. O nível de plumbemia variou de 10 a 30,2 g/dL, conforme descrito na Tabela 2, sendo a média correspondente a 15,8 g/dL (desvio-padrão de 4,8).

Com relação aos testes do processamento auditivo, o AFT-R apresentou resultado mínimo de 10ms e máximo de 200ms, sendo a média 90ms e o desvio padrão, 62. Segundo a classificação proposta na metodologia, 44 (60,3%) crianças avaliadas apresentaram desempenho ruim neste teste, ou seja, resultados superiores a 60ms.

Para a análise do Teste Dicótico de Dígitos foi feita a separação entre orelha direita e orelha esquerda. O valor mínimo encontrado foi 40% (OD) e 23,7% (OE), e o máximo foi 100% tanto para a OD como para a OE. Este teste foi realizado em apenas 52 crianças. Assim, seguindo o critério de classificação proposto na metodologia, 13 (25%) apresentaram desempenho bom tanto para a orelha direita como para a esquerda; 20 (38,5%) apresentaram desempenho ruim na orelha direita e na orelha esquerda; 4 (7,7%) apresentaram desempenho ruim apenas na orelha direita; 15 (28,8%) apresentaram desempenho ruim na orelha esquerda.

Conforme o resultado do teste de correlação de Spearman, não houve significância estatística entre o nível de chumbo e os resultados dos testes do processamento auditivo.


DISCUSSÃO

Para que um ouvinte perceba o intervalo de silêncio entre dois sons, este intervalo deve aumentar até 17ms. O julgamento da ordem temporal parece ser independente da natureza acústica dos sons (18). Sendo assim, qualquer sujeito com limiar de detecção de intervalo maior que 20ms provavelmente têm déficit na habilidade de resolução temporal, o que interfere na percepção da fala normal e no reconhecimento de fonemas. Desta forma, quanto maior for o limiar de detecção do intervalo, em milissegundos, maior a probabilidade de déficit no processamento temporal.

Foram consultadas diversas bases de dados, porém não foram encontrados estudos com sujeitos em condições semelhantes aos do presente estudo. Os resultados encontrados foram comparados com outros achados da literatura e com padrões de normalidade dos testes aplicados.

Em crianças em idade escolar (6 a 10 anos) sem alteração auditiva, um estudo mostrou que os limiares médios de AFT-R foram inferiores 10ms e para crianças com riscos para alterações no desenvolvimento de linguagem (privação sensorial e auditiva, dificuldades escolares) os limiares foram maiores que o intervalo de confiança estabelecido (15ms) (19).

Outro trabalho apresentou limiares de fusão auditiva variando entre 56,25ms e 59,75ms em crianças com fissura labiopalatina e 11,44ms e 14,42ms em crianças sem fissura (20).

Neste estudo foi encontrado limiar médio de 91 ms para as crianças avaliadas contaminadas pelo chumbo, obtido no subteste 1 do AFT-R. O limiar mínimo encontrado foi de 10 ms, e o máximo foi de 200 ms. Apesar de não ser possível comparar com os estudos citados acima, é possível afirmar que estes resultados encontram-se aquém do esperado para a idade das crianças avaliadas.

No que se refere à prova de dicótico de dígitos, o desempenho apresentado por jovens adultos foi de uma porcentagem de acertos maior do que 90% nas três etapas (integração binaural, escuta direcionada para a direita e escuta direcionada para a esquerda), coincidindo com descobertas internacionais (17).

Em um estudo (21) transversal que buscou investigar os efeitos da exposição simultânea ao chumbo e ao ruído sobre o sistema nervoso auditivo central em 43 trabalhadores de uma fábrica de baterias no Brasil, foram utilizados os seguintes procedimentos: medida do nível de chumbo em sangue (Pb-S), Audiometria Tonal, Testes como Dicótico de Dígitos, Identificação de Sentenças Competitivas (SSI), Escuta Dicótica Dígitos, Identificação de Sentenças Competitivas (SSI), Escuta Dicótica de Dissílabos (SSW), e Fala Filtrada. Destes 43 participantes da pesquisa, 17 estavam expostos a níveis de ruído de 96 dBA, e 26 estavam expostos a ruído (84 dBA) e chumbo. Para o teste de dicótico de dígitos (integração binaural) não foi observada alteração nos sujeitos expostos apenas ao ruído, porém, 50% do grupo de sujeitos expostos ao chumbo e ao ruído apresentaram alteração.

Neste estudo, as crianças avaliadas estavam expostas apenas ao chumbo (diferentemente dos sujeitos do estudo supracitado, no qual os sujeitos estavam expostos a outros agentes, como o ruído), o que permitiu a análise de uma possível interferência da contaminação isolada do chumbo nas habilidades do processamento auditivo. Contudo, na prova de Dicóticos de Dígitos, foi encontrada uma média de 89% para a orelha direita, e 84% para a orelha esquerda, sendo estes valores abaixo do que é descrito na literatura como padrão de normalidade.

Para identificar possíveis alterações auditivas periféricas e centrais em trabalhadores que tiveram exposição ao mercúrio metálico, pesquisadores (22) realizaram os testes de audiometria tonal (via aérea e via óssea), audiometria vocal e imitanciometria (timpanometria e pesquisa do reflexo estapediano), sendo que os trabalhadores possuíam tempo médio de exposição de seis anos. Como conclusão, foram identificadas tanto alterações auditivas periféricas quanto centrais nestes sujeitos.

Outros autores (23) estudaram a função cognitiva utilizando uma modalidade de potencial evocado tardio (P300) em 22 trabalhadores, cuja concentração de chumbo no sangue encontrava-se entre 12 a 59 µg/dl. A latência do P300 foi significativamente mais prolongada comparada ao grupo controle, demonstrando correlação com o nível de chumbo no sangue. Os autores avaliaram, nesta mesma casuística, a velocidade de condução nervosa periférica. Os resultados demonstraram velocidade mais lenta nos trabalhadores expostos, sendo esta correlacionada da mesma forma ao nível de chumbo presente no sangue. Nenhuma correlação significativa foi encontrada entre a velocidade de condução nervosa e o P300, o que levou os autores a concluírem que o mecanismo dos efeitos do chumbo no Sistema Nervoso Central parece ser diferente dos mecanismos dos efeitos no sistema nervoso periférico. Além disto, estes pesquisadores afirmaram que os resultados deste estudo sugerem que o chumbo afeta a função cognitiva, bem como as funções do sistema nervoso auditivo central.

Apesar da análise estatística não ter mostrado significância entre os resultados dos testes realizados, ao se comparar com outros resultados é visível que as estas crianças apresentam algum tipo de alteração no processamento auditivo, podendo levar a problemas no desenvolvimento das habilidades auditivas, na comunicação e no desenvolvimento da leitura e da escrita.









CONCLUSÃO

O desempenho das crianças expostas ao chumbo foi inferior ao descrito pela literatura, porém não houve correlação estatística entre a intoxicação pelo chumbo e o desempenho nas habilidades do processamento auditivo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1) Fonoaudióloga. Mestranda do programa de Pós-Graduação da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo, área Fonoaudiologia.
4) Doutora. Professora Doutora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo.
5) Livre Docente. Professora Associada do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo.
6) Professora Titular. Professora Titular do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo.

Instituição: Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, Departamento de Fonoaudiologia, Clínica de Fonoaudiologia. Bauru / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Mariza Ribeiro Feniman - Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brizolla, 9-75 - Vila Universitária - Bauru / SP - Brasil - CEP: 17012-901 - Telefone: (+55 14) 3235-8332 - E-mail: feniman@usp.br

Artigo recebido em 18 de Maio de 2011. Artigo aprovado em 25 de Junho de 2011.
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