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Ano: 2012  Vol. 16   Num. 1  - Jan/Mar
DOI: 10.7162/S1809-48722012000100007
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Condição coclear e do sistema olivococlear medial de frentistas de postos de gasolina expostos a solventes orgânicos
Cochlear condition and olivocochlear system of gas station attendants exposed to organic solvents
Author(s):
Lenita da Silva Quevedo1, Tania Maria Tochetto2, Márcia do Amaral Siqueira3.
Palavras-chave:
tolueno, solventes, audição.
Resumo:

Introdução: Solventes orgânicos são cada vez mais estudados em função de sua ação ototóxica. Objetivo: Avaliar a condição das células ciliadas externas e o sistema olivococlear medial de sujeitos expostos a solventes orgânicos. Método: Trata-se de um estudo prospectivo. Foram avaliados 78 frentistas de três postos de gasolina da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul (RS) expostos a solventes orgânicos. Após a aplicação dos critérios de inclusão, a amostra ficou constituída por 24 sujeitos. Os procedimentos utilizados na avaliação foram anamnese audiológica, Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT) e pesquisa do efeito supressor das EOAT. Um grupo controle (GC) composto por 23 sujeitos, foi utilizado para comparar sujeitos expostos e não-expostos. A coleta de dados foi realizada na sala de Fonoaudiologia do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santa Maria. Resultados: A presença de EOAT foi maior na orelha esquerda em ambos os grupos; a média da relação sinal/ruído das EOAT de ambas as orelhas foi maior no GE; o efeito supressor das EOAT na orelha direita foi maior nos sujeitos do GE (62,5%) e na orelha esquerda foi superior no GC (86,96%), com diferença estatisticamente significante. A mediana da relação sinal/ruído das EOAT, segundo a faixa de frequência, foi maior no GC em três faixas de frequência na orelha direita e em uma na orelha esquerda. Conclusão: Não foram encontrados sinais de alteração nas células ciliadas externas nem no sistema olivococlear medial nos sujeitos expostos a solventes orgânicos.

INTRODUÇÃO

Num cenário de exposição combinada à agentes insalubres, a variabilidade individual do ser humano dificulta a caracterização dos riscos e a separação dos efeitos de cada agente, como o ruído e produtos químicos (1).

A American Conference of Governmental Industrial Hygienists (2) recomenda que audiometrias periódicas sejam realizadas em sujeitos expostos a ruído e monóxido de carbono, chumbo, manganês, estireno, tolueno ou xileno. Entretanto, a literatura destaca que a forma tradicional de investigação da perda auditiva ocupacional apenas por meio da audiometria tonal, pode não ser suficiente ou adequada quando se estudam os efeitos da exposição a agentes químicos (3).

Dado que solventes como tolueno e estireno afetam as células ciliadas externas (CCE), as emissões otoacústicas (EOA) são recomendadas para detectar lesão nessas células. Na verdade, um grande número de CCE podem ser perdidas antes que uma deficiência auditiva com mudança permanente de limiar seja detectada. Até 70% de CCE na terceira linha do giro apical da cóclea de ratos pode ser destruída sem qualquer efeito significativo sobre a audição (4).

Atualmente, há evidências de que as células ciliadas do órgão de Corti também podem ser danificadas por solventes. A ototoxicidade do tolueno parece resultar de uma perturbação na motilidade das células ciliadas e, consequentemente, na sensibilidade ao som. A dismorfia causada nessas células e o prejuízo na regulação do nível de cálcio intracelular ocorrem rapidamente, mesmo em baixas concentrações de tolueno. As CCE podem ser particularmente vulneráveis a agentes ototóxicos que perturbem a regulação do cálcio intracelular (5).

O teste das EOAT é utilizado para monitorar a função da cóclea e é sensível aos estágios iniciais de alterações na função coclear, o que auxilia no diagnóstico precoce (6).

A supressão das EOAT caracteriza-se por uma redução da amplitude quando é introduzido um estímulo supressor contralateral, ipsilateral ou binauralmente (7, 8). A supressão das EOAT resulta de uma ativação das vias eferentes que modulam as contrações das CCE podendo afetar o processo coclear responsável pela geração das EOA (7).

Assim, o presente trabalho teve o objetivo de avaliar a condição das células ciliadas externas e do sistema olivococlear medial em sujeitos expostos a solventes orgânicos.


MÉTODO

O presente trabalho é um estudo de natureza quantitativa. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) sob número 23081.011007/2010-80 e foi executado em parceria com o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Santa Maria (RS).

Foi estudada a condição da cóclea e do sistema olivococlear medial de frentistas de postos de gasolina expostos a solventes orgânicos que compõem a gasolina.

Os indivíduos foram avaliados após lerem e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Os indivíduos do grupo estudo eram frentistas de postos de gasolina expostos a solventes orgânicos, sendo 21 do gênero masculino e 3 do gênero feminino, com faixa etária variando de 20 a 40 anos.

Dentre os oito postos de combustível da cidade de Santa Maria (RS) com maior capacidade de armazenamento e funcionamento durante 24 horas, três foram escolhidos aleatoriamente. Obteve-se um total de 78 trabalhadores.

Os critérios de inclusão dos sujeitos foram: não possuir passado otológico, apresentar limiares auditivos normais (250 a 8000Hz) e curva timpanométrica tipo A, ter menos de 40 anos, não ter histórico de exposição a ruído, solventes orgânicos ou agrotóxicos, não fazer uso de medicação ototóxica.

Após a aplicação dos critérios de inclusão aos 78 sujeitos que trabalham nos três postos de combustível a amostra ficou constituída de 24 sujeitos, sendo 21 do gênero masculino e três do gênero feminino.

Todos os sujeitos trabalhavam na plataforma de abastecimento do posto, ficando expostos a vapores dos solventes orgânicos que compõem a gasolina. O tempo de exposição variou de um a 17 anos.

Um grupo controle foi utilizado para que fosse possível comparar sujeitos expostos e não expostos a agentes químicos. O grupo controle foi composto por sujeitos sem histórico de exposição a ruído ou produtos químicos, e também sem história de alterações auditivas. Eram 20 homens e três mulheres, na faixa etária entre 20 e 38 anos.

A coleta de dados foi realizada na sala de Fonoaudiologia do CEREST de Santa Maria.

Os procedimentos utilizados foram: anamnese audiológica, inspeção do meato acústico externo, pesquisa das Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT) e supressão das EOAT.

A inspeção do meato acústico externo foi executada com o Otoscópio Clínico Klinic Welch-Allyn, visando verificar a presença excessiva de cerúmen ou qualquer outra alteração que impedisse a realização dos exames ou que pudesse alterar o resultado dos mesmos. As avaliações audiológicas foram realizadas em uma cabine acusticamente tratada.

Após a anamnese e avaliação audiológica básica, os sujeitos incluídos na amostra foram submetidos à pesquisa da ocorrência das EOAT e do efeito supressor destas.

As EOAT e a observação do efeito supressor das EOAT foram efetuadas por meio do aparelho EP15, da marca Interacoustics. Foram analisadas as EOAT (clique) nas faixas de frequência de 0,5 - 1,5 kHz, 1,5 - 2,5 kHz, 2,5 - 3,5 kHz, 3,5 - 4,5 kHz, 4,5 - 5,5 kHz e a resposta geral das emissões. Considerou-se presença de EOAT quando a resposta geral estava acima de 6dB, com reprodutibilidade da resposta e estabilidade da sonda superior a 70%.

A pesquisa do efeito supressor das EOAT foi realizada com registro das EOAT com clique não linear a 75dB NPS, sem e com a presença de ruído branco contralateral a 55 dBNPS com fone TDH 39 do audiômetro AC40 da Interacoustics. O fone foi posicionado no mesmo momento que a sonda, para que esta não mudasse de posição para a avaliação do efeito supressor.

O efeito supressor das EOAT foi considerado presente quando a diferença da resposta geral sem e com ruído contralateral foi maior que zero. A supressão foi considerada ausente quando a diferença da resposta geral sem e com o ruído contralateral foi igual ou menor que zero.

Visando excluir a possibilidade de alterações auditivas causadas por níveis de pressão sonora elevados foi mensurado o nível de pressão sonora nos três postos participantes do estudo. A medição foi realizada com um dosímetro modelo Q-400, ajustado para escala de compensação "A" e velocidade de resposta lenta (slow). O aparelho foi colocado na cintura do trabalhador e um microfone foi preso próximo a sua orelha, sem interferir em seus movimentos. O dosímetro foi instalado às oito horas da manhã e retirado as 16 horas, tempo correspondente a jornada de trabalho diária.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o Teste t e o Teste de Wilcoxon.


RESULTADOS

O grupo estudo foi representada por 12,5% do gênero feminino e 87,5% do gênero masculino. A média de idade foi de 28,62 anos.

Não foi encontrada diferença estatisticamente significante entre as orelhas direitas e esquerdas, dos dois grupos, quanto a ocorrência das EOAT (GC p=0,309; GE p=0,871) e efeito supressor das EOAT (GC p=0,772; GE p=0,267).

Na análise das duas orelhas juntas, a ocorrência das EOAT foi maior no grupo estudo, porém sem diferença estatisticamente significante (Tabela 1).

Quando analisadas as orelhas juntas, observou-se que a média geral da relação sinal/ruído das EOAT foi maior no grupo estudo (10,833dB) do que no grupo controle (10,717dB). Porém, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (Figura 1).

A ocorrência das EOAT também foi analisada por faixa de frequência e serão mostrados abaixo os resultados, segundo a orelha.

No orelha direita do grupo controle observou-se que em duas faixas de frequência (0,5 - 1,5kHz e 1,5 - 2,5kHz) as medianas foram superiores as do grupo estudo. Nas demais faixas de frequência, as medianas foram superiores no grupo estudo. Não foi observada diferença estatisticamente significante em nenhuma das faixas de frequência, nesta orelha. O mesmo ocorreu na OE, com exceção da faixa de frequência de 0,5 - 1,5kHz (Figuras 2 e 3).

As tabelas a seguir mostram os resultados obtidos na avaliação do efeito supressor das EOAT.

Na análise das duas orelhas juntas, a presença do efeito supressor das EOAT foi maior no grupo controle (Tabela 2).

A presença do efeito supressor foi maior no grupo estudo (62,5%) em relação ao grupo controle (56,52%) na orelha direita, porém não houve diferença estatisticamente significante (p=0,5). Em contrapartida, na orelha esquerda, a presença do efeito supressor foi superior (86,96%) e estatisticamente significante (p=0,0236) no grupo controle.

A média geral do efeito supressor, analisado com as orelhas em conjunto, foi maior no grupo controle (9,217dB) em relação ao grupo estudo (9,042dB). No entanto, tal diferença não foi considerada estatisticamente significante (Figura 4).

Apesar de não ter sido constatada diferença estatisticamente significante, a média geral da relação sinal/ruído na orelha direita foi maior no grupo estudo (10,35dB) do que no grupo controle (10,75dB). Porém, o efeito supressor das EOAT na orelha direita foi maior no grupo controle (11,09dB) do que no grupo estudo (10,92dB). O contrário ocorreu na orelha esquerda, onde a média da relação sinal/ruído observada no grupo controle (11,90dB) foi maior do que a observada no grupo estudo (10,92dB), e o efeito supressor foi maior no grupo estudo (9,75dB) do que no grupo controle (9,13dB) (Figura 5).

Após a mensuração dos níveis de pressão sonora em cada um dos postos de combustível, verificou-se que nenhum deles apresentou níveis de pressão sonora acima dos limites de tolerância estabelecidos na norma regulamentadora NR-15.



Legenda: EOAT: emissões otoacústicas transientes; GE: grupo estudo; GC: grupo controle.




Legenda: EOAT: emissões otoacústicas transientes; GE: grupo estudo; GC: grupo controle.




Legenda: dB: decibel




DISCUSSÃO

O grupo estudo foi representado por 12,5% do gênero feminino e 87,5% do gênero masculino e a média de idade foi de 28,62 anos.

Não foi encontrada diferença estatisticamente significante quanto a ocorrência das EOAT e efeito supressor das EOAT entre as orelhas direitas e esquerdas, dos dois grupos (Tabelas 1 e 2).

A presença das EOAT observada nesse estudo, foi maior na orelha esquerda, tanto para o grupo controle quanto para o grupo estudo. Esse achado não está de acordo com um estudo (9) que avaliou sujeitos expostos a solventes, e ainda com outra pesquisa (10) que avaliou sujeitos expostos a ruído e solventes orgânicos. Ambos os trabalhos referiram que na orelha esquerda do grupo estudo houve mais ausência de EOAT.

Na análise das duas orelhas juntas, a ocorrência das EOAT foi maior no grupo estudo (83,3%) (Tabela 1), bem como a média geral da relação sinal/ruído das EOAT (Figura 1), apesar de não haver diferença estatisticamente significante entre os grupos. Um estudo (11) observou melhor amplitude média das EOAT entre os indivíduos não-expostos do que entre os expostos ao solvente, porém também não encontrou diferença significativa entre os grupos quanto à amplitude média da orelha direita e da orelha esquerda.

Ao analisar as orelhas em conjunto a ausência de EOAT foi maior no grupo controle (Tabela 1). Já em outra pesquisa (12), a ausência de EOAT foi maior no grupo exposto a ruído e tolueno (64%), seguida do grupo exposto somente a ruído (62%), e 27 % no grupo controle.

Trabalhos com cobaias, nas quais foram analisadas as amplitudes das EOAPD, mostraram significativa redução da amplitude das EOAPD após a exposição ao estireno. A exposição ao tolueno não causou variação na amplitude das EOAPD (13). Por outro lado, em cobaias expostas a tolueno (1400 ppm, 16 horas/dia, durante 8 dias) houve redução na amplitude das EOAPD diretamente proporcional ao tempo de exposição (14).

A maior sensibilidade das EOAT para detectar mínimas alterações cocleares, foi confirmada numa pesquisa (10) onde sujeitos expostos a ruído e solventes apresentaram maior ausência nas EOAT do que nas EOAPD.

Todos os sujeitos do grupo estudo apresentaram limiares auditivos normais, entretanto foi observada ausência das EOAT em ambas as orelhas (Tabela 1). Analisando-se os dados da EOA e da audiometria tonal, outros pesquisadores (10) também constataram que alguns participantes que não apresentaram alterações na audiometria, apresentaram alterações nas EOA, tanto transiente quanto produto de distorção. Em estudo semelhante (5) os sujeitos do grupo estudo que apresentavam limiares auditivos normais foram divididos em dois subgrupos: expostos a baixas e médias concentrações de solventes. No primeiro subgrupo as EOAT estavam presentes em 49% dos sujeitos e as EOAPD em 54%. No grupo exposto a médias concentrações a ocorrência das EOAT foi de 6,5% e das EOAPD de 1,6%. Já num terceiro grupo, exposto a concentrações mais altas, nenhum sujeito apresentou limiares auditivos normais e a ocorrência das EOA foi de 1,6%, tanto na EOAT quanto na EOAPD. Tais achados demonstram o caráter preventivo e de monitoramento das EOA. A utilização das EOA poderia ser um importante instrumento de vigilância epidemiológica nos ambientes de trabalho, pelo fato de serem capazes de detectar precocemente as alterações cocleares, antes mesmo dos limiares auditivos apresentarem alterações (12).

Mesmo tendo as CCE afetadas pela ação do solvente, a alteração coclear pode não se manifestar nos resultados audiométricos. Achados de estudos com cobaias mostram, por meio da histologia, a ototoxidade do tolueno, onde lesões nas três fileiras de CCE foram observadas. As perdas de CCE mais importantes ocorreram na terceira fileira e as menores perdas na primeira. Essas perdas incidiram na área da cóclea sensível às frequências médias (10-25 kHz), onde o dano das CCE chegou, em média, a 90, 50 e 25% de CCE na terceira, segunda e primeira fileira, respectivamente (15, 16, 17).

A presença do efeito supressor foi maior no grupo estudo (62,5%) em relação ao grupo controle (56,52%) na orelha direita, porém não houve diferença estatisticamente significante. Outros achados mostraram o efeito supressor na orelha direita em 73,97% dos indivíduos expostos a solventes e 75,5% dos indivíduos não-expostos (11).

Em contrapartida, na orelha esquerda, a presença do efeito supressor foi superior e estatisticamente significante no grupo controle (86,96%) em relação ao grupo estudo (54,17%). Os achados deste estudo estão de acordo com outros estudos (11), pois o efeito supressor das EOAT foi observado na orelha esquerda em 68,65% dos sujeitos (n = 46) expostos a solventes. Já no grupo não exposto, houve presença de efeito supressor em 75,75% (n = 75) dos indivíduos. Entretanto os achados do autor não foram estatisticamente significantes.

Na análise das duas orelhas juntas, observou-se que a presença do efeito supressor das EOAT foi maior no grupo controle (Tabela 2). Da mesma forma, a média geral do efeito supressor, analisado com as orelhas em conjunto, foi maior no grupo controle (9,217dB) (Figura 2). No entanto, tal diferença não foi estatisticamente significante. Em outra pesquisa (12), embora houvesse a presença de ruído concomitante ao solvente, foram observados achados semelhantes aos do presente estudo, pois a ausência do efeito supressor foi maior no grupo exposto simultaneamente a ruído e tolueno (48,9%) do que nos grupos exposto a ruído e grupo controle. A ausência do efeito supressor indica comprometimento retrococlear. Assim, esses resultados sugerem uma ação neurotóxica do tolueno sobre a audição, afetando a porção retrococlear das vias auditivas, diferentemente da lesão provocada pelo ruído. A autora ressalta ainda que o registro das EOET e a análise do efeito supressor podem ser utilizados na detecção precoce das lesões auditivas de origem coclear e retrococlear (12).

A maior ocorrência de supressão observada no grupo não exposto a solventes sugere que o trato olivococlear medial pode ser afetado nos indivíduos expostos a solventes orgânicos (11, 12).

Foi analisada a média geral da relação sinal ruído em cada orelha, bem como o efeito supressor, segundo o grupo (Figura 5). Apesar de não ter sido constatada diferença estatisticamente significante, a média geral da relação sinal ruído das EOAT na orelha direita foi maior no grupo estudo (10,35dB). Já na orelha esquerda a média da relação sinal ruído das EOAT foi maior no grupo controle (11,90dB). O efeito supressor na orelha direita foi maior no grupo controle (11,09dB) do que no grupo estudo (10,92dB) e na orelha esquerda foi maior no grupo estudo (9,75dB) do que no grupo controle (9,13dB).

No grupo controle duas faixas de frequência (0,5 - 1,5kHz e 1,5 - 2,5kHz), na orelha direita, apresentaram maiores medianas da relação sinal/ruído, porém a diferença não foi estatisticamente significante (Figura 2). Achados semelhantes foram observados em outro estudo, na orelha direita, onde diferenças significativas foram encontradas entre os grupos em três faixas de frequência (1 kHz, 2 kHz e 3 kHz) (11).

Já na orelha esquerda, o presente estudo mostrou maiores medianas no grupo controle apenas em uma faixa de frequência (1,5 - 2,5kHz) (Figura 3). Achado semelhante foram relatados(11), onde diferenças significativas entre os grupos foram encontradas somente na faixa de 2 kHz, na mesma orelha.

O mecanismo de lesão do órgão de Corti tem sido explicado de diferentes maneiras. É provável que a lesão do órgão de Corti por solvente seja diferente da causada por antibióticos. Um estudo (15) sobre a rota de intoxicação ocorrida em cobaias, mostrou que o tolueno não atingiu o órgão de Corti através dos fluidos do ouvido interno, pois os solventes são dificilmente encontrados nestes. Os autores sugerem duas rotas prováveis de intoxicação na deficiência auditiva induzida por solventes aromáticos. Na primeira, os solventes seriam disseminados do oitavo nervo para as células ciliadas, porque a concentração de solventes encontrada no nervo foi maior do que no sangue. No entanto, é difícil explicar o padrão patológico do dano do órgão de Corti pelos solventes. As células ciliadas internas seriam tanto ou mais danificadas do que as CCE de acordo com este modelo (16), o que se torna contraditório uma vez que as CCE são mais sensíveis ao tolueno do que as células ciliadas internas (15).

Na segunda rota de intoxicação os solventes seriam transportados pelo sangue que vem da estria vascular ou da proeminência espiral, se difundiriam sobre o sulco externo pelo conteúdo rico em lipídio das membranas e alcançariam as células de Hensen, ricas em lipídios. As células de Hensen estão em conexão com as células de Deiter, que estão localizadas sob as CCE. O sulco externo pode ser a rota preferencial pela qual os solventes atingem o órgão de Corti. Em suma, os danos induzidos por solventes não seriam causados pela contaminação do fluído, mas por uma intoxicação do tecido que envolve o sulco externo, em vez do nervo auditivo (16).

Os níveis de pressão sonora observados nos postos não foram prejudiciais à audição (Tabela 3). Assim, os achados desse estudo podem ser atribuídos à possível ação ototóxica dos solventes.

Diferente do cenário industrial, o posto de combustível é um ambiente ocupacional aberto, no qual os solventes podem estar menos concentrados no ar. Assim, a inalação e a absorção dos agentes seria reduzida. Consequentemente, a ação sobre o sistema auditivo também poderia ser menor. Isso poderia explicar o baixo índice de alterações cocleares e do sistema olivocolear medial encontradas no grupo estudo da presente pesquisa.



Figura 1. Média da relação sinal ruído das EOAT de ambas as orelhas, segundo o grupo.
EOAT: Emissões Otoacústicas Transientes; SD: desvio padrão; SE: Sem diferença estatística




Figura 2. Mediana da relação sinal ruído das EOAT na orelha direita, segundo o grupo e a faixa de frequência.
GE: grupo estudo; GC: grupo controle; Hz: Hertz




Figura 3. Mediana da relação sinal ruído das EOAT na orelha esquerda, segundo o grupo e a faixa de frequência.
GE: grupo estudo; GC: grupo controle; Hz: Hertz.




Figura 4. Média geral de supressão das EOAT de ambas as orelhas, segundo o grupo.
SUP: efeito de supressão; SD: desvio padrão; SE: Sem diferença estatística.




Figura 5. Valores médios da relação sinal/ruído da EAOT e de supressão de ambos os grupos em ambas as orelhas.
EOAD: emissões otoacústicas orelha direita; EOAE: emissões otoacústicas orelha esquerda; SUPD: supressão orelha direita; SUPE: supressão orelha esquerda; GC: grupo controle; GE: grupo estudo.




CONCLUSÃO

Nas condições em que estavam expostos os sujeitos desse estudo, não foram encontradas alterações nas células ciliadas externas nem no sistema olivococlear medial.


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1) Superior Completo. Fonoaudióloga, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria.
2) Doutora. Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria.
3) Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria. Fonoaudióloga do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Santa Maria.

Instituição: Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria / RS - Brasil. Endereço para correspondência: Lenita da Silva Quevedo - Rua Venâncio Aires, 1140 - Centro - Soledade / RS - Brasil - CEP: 99300-000 - Telefone: (+55 54) 9602-4367 - E-mail: lenitaquevedo@yahoo.com.br

Artigo recebido em 28 de Maio de 2011. Artigo aprovado em 10 de Julho de 2011.
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