INTRODUÇÃOA perda auditiva induzida por ruído (PAIR) é o resultado de uma lesão à orelha do trabalhador que depende tanto da intensidade, quanto do tempo de exposição e suscetibilidade da cóclea ao ruído (1), e mais precisamente a surdez de percepção resultante de lesão de células sensoriais do ouvido interno (cóclea) (2).
Devido ao importante aumento do som no ambiente escolar nos últimos anos, vários estudos apresentam avaliação da intensidade do ruído escolar onde a criança permanece em média quatro horas por dia (3). Embora a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabeleça que o ruído dentro da sala de aula deve atingir no máximo 50dB (4), estudo realizado por CELANI, BEVILÁCQUA e RAMOS (5) constatou que o ruído em ambiente escolar pode atingir até 94,3dB.
MÉTODOEstudo Transversal aprovado pelo comitê de ética e pesquisa no dia 24 de Abril de 2009 com Protocolo CEP/UNITAU 062/09. A pesquisa foi realizada na escola pública E.M.E.F. Prof. Álvaro Marcondes, com alunos do 6º ano do ensino fundamental durante o primeiro semestre de 2009 pertencentes às salas ditas "B, C e D". Da sala B foram estudados 12 alunos, da sala C 7 alunos e 9 alunos da sala D. Foram entregues trinta questionários aos pais dos alunos com as melhores e as piores notas das três salas, sem o conhecimento prévio dos pesquisadores quanto ao aproveitamento escolar de cada aluno. O questionário referia-se às doenças da infância do escolar e às ainda em tratamento, às doenças de membros da família relacionadas à surdez e ao histórico de desenvolvimento do aluno. Um termo de consentimento explicava sobre os instrumentos que seriam utilizados na pesquisa e os resultados esperados. Resposta positiva às perguntas 06, 11, 12 e 13 do questionário preenchia um critério para avaliação de possível lesão coclear prévia.
Após devolução dos questionários, os alunos foram submetidos a otoscopia para excluir do exame outras lesões de orelha externa e realizada avaliação da função coclear por meio da análise das emissões acústicas evocadas por produto de distorção (EOAPD) com o Eroscan (Maico Inc, Minneapolis) nas frequências de 2, 3, 4, 5 KHz; em cabine audiométrica.
No dia da pesquisa de campo, os alunos ficaram afastados dos demais em uma sala o mais isolado possível de sons externos e foram submetidos a análises realizadas em duas ocasiões: antes entrarem na sala de aula para o dia letivo e logo após o final das aulas daquele dia. Também se realizou a aferição do ruído dentro das salas de aula com um decibelímetro digital MSL-1325 MINIPA Ltda. (São Paulo) em cinco pontos distintos (nas 04 extremidades e no centro). Durante o intervalo entre as aulas também se realizou a aferição do ruído em locais de recreação.
Com os valores obtidos com o decibelímetro foi observada a intensidade mínima e máxima do ruído dentro da sala de aula com a presença de todos os alunos e no pátio, durante o intervalo. Foram comparadas: as EOAPD iniciais e as finais para a observação da existência de possíveis alterações que sugiram lesões cocleares pós exposição ao ruído escolar, sendo considerados alterados se apresentassem ausência de resposta em duas ou mais frequências e piorados quando mais uma frequência se apresentasse ausente no segundo exame. Estes dados foram cruzados com as respostas aos questionários dos alunos de melhores e de piores notas, a fim de definir um padrão que possa justificar a diferença entre o aproveitamento escolar dos dois grupos além de uma possível perda auditiva.
RESULTADOSDe um total 28 alunos que participaram do estudo, as idades variaram de 10 á 14 anos, com predomínio da faixa etária dos 11 anos (57.1%) a média de idade foi de 11.11(desvio padrão=0,916), sendo que 13 pertenciam ao gênero feminino e 15 ao masculino. Estes 28 alunos foram divididos por desempenho escolar, sendo 14 alunos com notas consideradas insuficientes e 14 alunos com notas consideradas suficientes, sendo que, dos alunos com notas insuficientes, 12 eram do gênero masculino e 02 do gênero feminino e dos com notas suficientes, 11 feminino e 03 masculino. No questionário sobre questões que sugerissem lesões por ruído, 07 alunos não preenchem nenhum critério, 09 alunos preenchem 01 critério, 07 alunos preenchem 02 critérios, 04 alunos preenchem 03 critérios e apenas 01 aluno preenche todos (04) critérios.
Em relação a Analise do Ruído, no Gráfico 1 é possível observar os níveis máximos e mínimos do ruído produzido nas salas de aula B, C e D, sendo sala B do período matutino e salas C e D período vespertino, com todos alunos presentes e do ruído dentro da sala onde foram realizados os testes de emissões acústicas, fora da cabine audiométrica. Os valores máximos 84,3; 96,2 e 93dB e mínimos de 66,1; 71,1 e 67,4dB são das salas B, C e D respectivamente.
O Gráfico 2 apresenta níveis máximos do ruído nos intervalos do período matutino (83,8; 88,7) e vespertino (102 e 100dB) e mínimos matutinos (75,7; 59,5) e vespertino (78,6; 79,7) de ruído produzido no pátio durante os intervalos do dia letivo.
Conforme apresentado na Tabela 1, dos 28 alunos pesquisados, 16 apresentaram algum grau de alteração na resposta coclear no exame realizado no inicio do dia letivo, correspondendo a 57,1% da amostra. Destes 16 alunos, 11 eram do gênero masculino e 05 do feminino.
Já na Tabela 2, observa-se que dos 28 alunos, 07 apresentaram piora da resposta coclear quando comparados ao exame inicial, correspondendo a 25% do total de alunos.
Gráfico 1. Intensidade do ruído nas salas de aula, Taubaté 2009.
Gráfico 2. Intensidade do ruído durante os intervalos, Taubaté 2009.
DISCUSSÃO Como várias são as causas para a surdez neurossensorial, fez-se necessário responder um questionário antes de correlacionar o ruído com as respostas ao exame de emissões acústicas dos alunos que participariam do estudo.
As perguntas no questionário que sugerem lesões por ruído são: Seu filho só assiste TV com volume alto?Seu filho usa Mp3 em volume alto? Seu filho fica exposto a som de alto-falante? Seu filho foi exposto a ruído forte tipo explosão de fogos de artifício? 09 dos alunos que responderam a pelo menos um critério era do grupo insuficiente e 07 dos alunos que responderam a pelo menos um critério também apresentavam alteração coclear ao exame de emissões. Isto pode sugerir que um questionário bem elaborado pode indicar alteração auditiva em pacientes com aproveitamento escolar insuficiente.
Infecções bacterianas e virais, especialmente sarampo, caxumba e meningite: Seu filho teve caxumba, sarampo ou meningite? Qual delas? Apenas três alunos, um em cada sala, apresentaram infecções prévias (02 parotidites, 01 meningite) dos 03 alunos todos eram insuficientes e destes, 02 chegaram com alteração coclear pré exposição ao dia letivo sendo que um apresentou piora pós exposição. Aqui também o questionário pode ajudar quando não se tem acesso a exames auditivos.
Uso de medicamentos, especialmente antibióticos aminoglicosídeos e antineoplásicos: Seu filho ficou internado e recebeu antibióticos pela veia por mais de três dias? Qual a infecção? Apenas dois alunos além dos que apresentaram infecções prévias fizeram uso de antibiótico endovenoso. Ambos faziam parte do grupo de alunos insuficientes.
Você, mãe do aluno, teve alguma infecção diagnosticada durante a gravidez? Houve algum problema durante a gravidez deste filho? Apenas quatro mães apresentaram infecções durante a gestação (infecção urinária) sendo que somente estas apresentaram problemas durante o parto. Destes alunos, três estavam no grupo insuficiente e todos apresentaram alteração coclear, sendo um pré e três pós exposição.
Doença de Ménière: Seu filho reclama de tontura ou zonzeira? Ele já reclamou de barulho ou zunido na cabeça? Como esta pergunta é subjetiva tivemos dificuldade em interpretar suas respostas.
Você tem que repetir várias vezes até que o seu filho entenda? O seu filho aumenta o volume da televisão com frequência?
As emissões otoacústicas evocadas (EOAE) são energias sonoras de fraca intensidade que são amplificadas pela contração das células ciliadas externas da cóclea, podendo ser captadas no meato acústico externo em resposta a um estímulo acústico (6). Classificam-se em: transitórias ou transientes (EOAT) - evocadas por um estímulo acústico breve, normalmente um clique, de espectro amplo que abrange um gama de frequências; produto de distorção (EOAPD) - evocado por dois tons puros simultâneos (f1 e f2) que por intermodulação produzem como resposta um produto de distorção (2f1- f2); estímulo-frequência (EOAEF) - evocadas por sinal contínuo de fraca intensidade na frequência do estímulo apresentado, são menos usadas clinicamente em decorrência de seu registro oferecer muitas dificuldades técnicas e o tempo de exame ser maior (7).
As EOAE são registradas na grande maioria dos indivíduos que apresentam audição normal, independente da idade e sexo. Sua presença indica a integridade do mecanismo coclear, podendo estabelecer se a atividade acústica de determinada orelha está dentro dos limites da normalidade independente da intenção do paciente querer ou não colaborar com a análise. A triagem com emissões otoacústicas apresenta menor número de falsos positivos e falsos negativos. Por sua rapidez, por seu caráter não-invasivo e por sua fidedignidade, é um teste com o perfil ideal para programas de triagem (7).
Vários fatores podem estar relacionados ao fato de dos 14 alunos com notas insuficientes, 12 serem do gênero masculino. Estudos relatam que os meninos tendem a ter rendimento escolar menor que as meninas, devido a serem mais agitados, terem menor poder de concentração, terem o desenvolvimento psicossomático mais lento que das meninas (6).
Este trabalho demonstrou que o ruído produzido dentro da sala de aula da escola estudada alcançou valores maiores do que o recomendado nas três salas estudadas, sendo os valores máximos 84,3; 96,2 e 93dB e mínimos de 66,1; 71,1; 67,4. Notou-se que a sala C obteve valores tanto máximos como mínimos superiores das demais salas (96,2-71,1) e as três salas estudadas estavam acima do valor de 50dB preconizado pela ABNT (4). A intensidade encontrada neste estudo é similar ao estudo de CELANI et al (5) e maior que o de SERAFINI et al. (8). Porém, em relação ao estudo realizado por RIBEIRO et al (9), cujos valores de pico ultrapassaram os 100 dB (A) nas 3 séries pesquisadas, os resultados do presente estudo foram menores.
O ruído produzido durante os intervalos também está excessivo em ambos os períodos letivos (matutino e vespertino) com valores máximos no período da manhã alcançando 88,7dB e no período da tarde 102dB, ultrapassando o protocolo do ministério da Saúde, que é de 85dB (1). Porém os alunos ficavam expostos a esse ruído por aproximadamente 20 minutos (duração do intervalo). A ABNT (4) preconiza que no tempo de 20 minutos para ocorrer lesão coclear a intensidade do ruído precisa ser de 108dB. No dia da avaliação não observamos valores superiores a este, porém identificamos que 02 alunos da sala B (matutino) pioraram no exame de emissões acústicas no final do dia letivo, enquanto que um número maior de alunos do período vespertino pioraram (04 da sala C e 01 aluno da sala D).
Estudos demonstram que o ruído leva ao estresse, dificuldade de concentração, retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, agressividade e baixo rendimento (7). O ruído encontrado nas salas de aula da escola e no pátio se comparados com o dados da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia mostram os mesmos níveis de ruído causados por trânsito intenso, carro de corrida e trem subterrâneo, faixas entre 80 e 110dB (10), demonstrando que, certamente, os valores encontrados neste estudo não são apropriados para o ambiente escolar, tão pouco para a saúde física e mental das crianças nessa fase de aprendizagem, como para os outros profissionais da escola.
Em relação aos exames de emissões acústicas realizados no inicio do dia letivo, dos 28 alunos avaliados, 16 (57,1%) acusaram algum grau de perda auditiva. Destes 16, 07 eram do grupo de alunos insuficientes, sendo possível que o atraso escolar esteja relacionado à alteração auditiva. Também se observou que 06 destes responderam que estavam expostos a som intenso (preenchiam pelo menos um dos critérios para exposição a som). Com esses dados e o número limitado da amostra não podemos afirmar que essas alterações preexistentes são devido à exposição ao ruído produzido durante sua vida escolar com o decorrer dos anos, porém alerta-nos não só para o ruído dentro da escola, mas também os hábitos desses alunos, como usar o aparelho de mp3 no volume alto, exposição à música alta em discotecas, conversação com volume vocal elevado.
Nos exames realizados ao final do dia letivo, constatou-se que 07 alunos tinham piorado em relação ao primeiro exame, sendo que todos faziam parte do grupo dos 16 alunos que já apresentavam alguma alteração do exame inicial. Destes 07 alunos com piora, 04 eram meninas e 03 meninos; 02 eram do período matutino (sala B), e os demais do período vespertino (04 da sala C e 01 aluno da sala D). A sala C foi a que apresentou maiores valores para a intensidade do ruído, o que pode estar relacionado com o maior número de alunos com piora da resposta coclear ao exame de emissões.
CONCLUSÃO O ruído produzido nesta escola esta acima do limite estipulado pela ABNT e Ministério da Saúde.
42,85% dos alunos que apresentaram piora do exame de emissões acústicas tinham desempenho escolar insuficiente
25% dos alunos apresentaram piora nos exames de emissões acústicas após exposição aos ruídos em um dia letivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Perda auditiva induzida por ruído (PAIR). Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília: Editora MS, 2006. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/06_0444_M.pdf.
2. Hungria H. Otorrinolaringologia. 8 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
3. Cruz OLM, Costa SS. Disacusias Neurossensoriais Induzidas por Ruído. In: Cruz OLM, Costa SS, Oliveira JAA. Otorrinolaringologia: Princípios e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994, 21:222-3. ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas.
4. NBR 10152: Níveis de Ruído para conforto acústico. Rio de Janeiro: ABNT, dez 1987.
5. Celani AC, Bevilácqua MC, Ramos CR. Ruído em escolas. Fono: Rev. Atual. Cient. 1994, 6(2):1-4.
6. Dal'igna MC. Desempenho escolar de meninos e meninas: há diferença? Educ. Rev. 2007, 46:41-267.
7. Pialarissi P, Gattaz G. Emissões Otoacústicas: Conceitos Básicos e Aplicações Clínicas. Arq. Int. Otorrinolaringol. 1997, 1(2). Disponível em http://www.arquivosdeorl.org.br/conteudo/acervo_port.asp?id=13.
8. Serafini F., Moreira PAC, Santos ECC, Merotti FO, Bortoleto MS, Lenci R. Can noise induced hearing loss happen in elementary schools? Proceedings of XXX Congress of the NES. Oporto Portugal. 2003. Disponível em: http://www.neurootology.org/archives/22.
9. Ribeiro MER, Oliveira RLS, Santos TMM, Scharlach RC. A percepção dos professores de uma escola particular de Viçosa sobre o ruído nas salas de aula. Rev. Equilíbrio Corporal e Saúde. 2010, 2(1):27-45.
1) Graduando (estudante)
2) Graduado em medicina.
3) Professor Doutor. Professor Titular e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário de Taubaté - UNITAU.
Instituição: Universidade de Taubaté - Departamento de Medicina. Taubaté / SP - Brasil. Endereço para correspondência: Nelson de Almeida Filho - Rodovia Geraldo Scavone 1000, Lote 68 - Jacareí / SP - Brasil - Fax: (+55 12) 3951-8577 - E-mail: nelson_almeida41@hotmail.com
Artigo recebido em 1º de Junho de 2011. Artigo aprovado em 10 de Julho de 2011.