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Ano: 2000  Vol. 4   Num. 2  - Abr/Jun Print:
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Reproduções impressas de imagens tridimensionais estereoscópicas para ensino, demonstrações e documentações
Author(s):
1Guilherme Carvalhal Ribas, 2Ricardo Ferreira Bento, 3Aldo Junqueira Rodrigues
Palavras-chave:
ensino, três dimensões.
Resumo:

São aqui discutidas as noções básicas e os principais métodos de reprodução de imagens realmente tridimensionais, denominadas de estereoscópicas, com ênfase particular sendo dada ao método anaglífico para impressão de tais imagens, com finalidade principal de ensino e documentação.

Introdução

Apesar de vivermos em um mundo fisicamente tridimen­sional, as nossas técnicas de ensino e de documentação em todos os campos baseiam-se fundamentalmente no emprego da linguagem oral e escrita e em reproduções bidimensionais. Por outro lado, a familiaridade com quaisquer elementos ou ambientes têm como uma das suas características mais marcantes a noção clara e segura da sua tridimensionalidade, o que permite que a sua abstração mental seja feita de maneira imediata e variada.

O desenvolvimento recente de técnicas fotográficas e de informática vieram permitir a modernização de antigos métodos de desenvolvimento de imagens estereos­cópicas, melhorando a sua qualidade e viabilizando a sua produção em maior escala.

Material e Método

As imagens estereoscópicas sempre se baseiam na fusão de pelo menos duas imagens, uma obtida a partir de um ponto de vista mais à esquerda e outra de um ponto de vista mais à direita do elemento a ser reproduzido. Devem ser vistas com a utilização de artifícios que possibilitem que cada olho visualize apenas a sua respectiva imagem primária de forma a imitar a observação direta do elemento com os nossos dois olhos. Estes artifícios são constituídos por diferentes técnicas de polarização e as imagens resultantes podem ser impressas, projetadas ou visualizadas em monitores. A utilização de óculos constituídos por filtros apropriados, por sua vez faz com que cada olho possa visualizar a sua respectiva imagem.1-4

As imagens direita e esquerda são denominadas em conjunto de estereopar e o deslocamento aparente do objeto fotografado a partir dos dois pontos de vista diferentes é denominado de paralaxe, o qual pode ser notado como uma separação existente entre as duas imagens quando superpostas.1-4

Na prática, o estereopar pode ser obtido com o emprego de duas câmeras separadas por uma distância proporcional ao elemento fotografado e a distância pupilar normal (62 a 66mm), sendo a regra mais conhecida aquela que permite calcular tal distância como devendo ser numericamente igual a 1/30 da distância entre as câmeras e o elemento a ser fotografado. A utilização de um trilho que permita o deslocamento de uma única câmera, a adaptação de espelhos divisores de imagem à frente também de uma única câmera e o uso de câmeras feitas especialmente para fotografia estereoscópica constituem outras alternativas usuais para este fim.4

Para a documentação estereoscópica de peças anatômicas e de procedimentos cirúrgicos pode-se utilizar câmeras de 35mm acopladas a objetivas para macrofotografia ou acoplar uma câmera de cada lado do microscópio cirúrgico, devidamente alinhadas.

Entre os métodos conhecidos para imprimir imagens estereoscópicas, o mais simples e difundido é o método denominado de anaglífico, que consiste em sobrepor as duas imagens do estereopar após colorir cada uma delas com uma cor básica, e visualizá-las com o emprego de óculos constituídos por filtros das mesmas cores, o que faz com que cada olho seja capaz de visualizar apenas a imagem tingida com a cor do respectivo filtro. Os filtros mais utilizados são os de cores vermelho e azul, e devem ser usados sobre os nossos próprios óculos de correção visual, quando os usamos. A observação de imagens estereoscópicas deve sempre ser feita em ambiente bem iluminado.

Para a sua realização, as imagens originais devem ser escaneadas, tingidas com as cores básicas e sobrepostas com o auxílio de programas usuais de manipulação de imagens (Adobe Photoshop 5.0 for Windows, Adobe Systems Inc. 1998, Microsoft Corp., EUA), e a sua impressão é feita também de maneira usual com o emprego de impressoras coloridas convencionais. A imagem anaglífica final pode ser produzida tanto em escalas de cinza parecendo uma "fotografia em branco e preto", quanto em cores, porém com um discreto prejuízo da visualização das próprias cores básicas, em particular do vermelho.

Os óculos com os respectivos filtros coloridos polarizantes devem ter as suas cores condizentes com as cores utilizadas na preparação da imagem anaglífica, podendo ser obtidos atualmente em nosso próprio meio (EstéreoImagens S/C Ltda., São Paulo, SP).

Resultados


Figura 1. Visão lateral do cérebro humano, fotografado com uma câmera, lente macro e uso de trilho para fotografia estereoscópica.


Figura 2. Imagem estereoscópica de dissecção da região inguinal, também obtida com uma câmera e uso de trilho para fotografia estereoscópica.


Figura 3. Flores fotografadas com duas câmeras acopladas.


Figura 4. Objetos fotografados com duas câmeras acopladas.


Discussão

A visão binocular resultante da posição alinhada dos olhos nos permite observar um mesmo objeto a partir de dois pontos de vista ligeiramente diferentes, sendo que o proces­samento destas informações visuais pelo nosso sistema nervoso central nos propicia a percepção de profundidade. A utilização de um só olho por sua vez nos fornece uma razoável noção de profundidade através da aplicação automática de conhecimentos e experiências prévias. Estas dicas ou efeitos denominados de monoculares são dadas pelo tamanho relativo dos elementos observados e por suas condições de iluminação e sombras. Apesar de serem muito efetivos para atividades cotidianas são nitidamente limitados para a execução de tarefas mais complexas, como por exemplo passar uma linha através do anel de uma agulha com a utilização de apenas um olho.4,5

A visão tridimensional que permite a real apreciação da profundidade é denominada de visão estere­oscópica e requer a observação concomitante do elemento visualiza­do a partir de dois pontos de vista distintos. É ela que possibilita nos orientarmos e intera­girmos com precisão dentro do espaço que nos cerca.

No entanto, é interessante observarmos que, devido principalmente a limitações físicas e técnicas, nossos métodos de ensino nas suas diferentes etapas têm se fundamentado basicamente na utilização da linguagem oral e escrita e no emprego de ilustrações bidimensionais. Recentemente, principalmente em áreas mais artísticas, observa-se a prática de atividades que visam desenvolver a criatividade e que, para tanto, preocupam-se mais particularmente com a tridimensionalidade. A escola psicológica denominada de Gestalt enfatiza que a forma constitui a nossa principal unidade de percepção, corroborando a importância que a utilização de imagens tridimensionais estereoscópicas pode vir a ter principalmente nas áreas de ensino e de documentação.6

Os métodos de reprodução este­reoscópica foram já descritos nos meados do século XIX 7. A partir da segunda metade do século passado, várias técnicas de reproduções estereoscópicas foram desenvolvidas para projeção e impressão com popularidade muito variável, havendo períodos de verdadeira febre da sua utilização para entretenimento. Na passagem do século, os estereos­cópios que permitiam a visualização tridimensional a partir de duas fotografias apropriadamente obtidas e posicionadas perante cada olho foram particularmente populares. Durante as décadas de 40 e 50, a divulgação do método Viewmaster que utiliza os conhecidos carretéis de pequenas fotos, e o emprego do 3D estereoscópico em revistas em quadrinhos e em filmes foram marcan­tes.2,4

No entanto, o avanço nas áreas de fotografia e informática dos últimos anos veio em muito facilitar e otimizar a realização e divulgação de imagens tridimen­sionais. As recentes produções em 3D da Walt Disney Corporation nos EUA indubita­vel­mente foram as principais responsáveis por uma nova onda de popularidade e pelo estabelecimento de novos padrões de qualidade. Imagens estereoscópicas obtidas pela NASA por ocasião da recente exploração de Marte não só foram transmitidas ao longo das 119 milhões de milhas que nos separam deste planeta, como também foram veiculadas pela Internet e publicadas de forma anaglífica na revista National Geographic, em outubro de 1998 8. Nesta mesma edição foi também publicada matéria sobre o "Naufrágio do Titanic" em 3D 9.

No campo da medicina, o emprego de imagens tridimensionais é extremamente útil para a melhor demonstração das estruturas anatômicas nos seus diversos níveis de observação macro e microscópicos, constituindo-se em importante ferramenta de ensino e de documentação. Novas técnicas de diagnóstico por imagem e novas modalidades terapêuticas, entre as quais se destacam as técnicas endoscópicas e microcirúrgicas, não só requerem a produção de um novo material de ensino de anatomia aplicada que demonstre as estruturas anatômicas de forma espacial e a partir de pontos de vista específicos, como também muito se beneficiam de utilização de imagens tridimensionais para o seu próprio emprego. Apesar de já terem sido feitas coleções de imagens anatômicas tridimensionais há algumas décadas, o seu uso até hoje tem sido pouco difundido, provavelmente devido à dificuldade de reprodução e de demonstração em maior escala.10-15

Para a impressão de imagens estereoscópicas, o método mais simples e difundido é o método anaglífico aqui utilizado e já descrito anteriormente. Já a projeção dessas imagens estáticas (diapositivos ou transparências) e dinâmicas (filmes, vídeos) pode ser realizada utilizando-se o próprio método anaglífico ou outras formas de polarização das imagens 1,2,4, entre os quais destaca-se a chamada polarização horizontal-vertical. Uma vez que a propagação da luz se faz através de ondas de pulsação constante que se expandem em todas as direções e em ângulo reto em torno do seu eixo de propagação, a interposição de filtros que possuam apenas aberturas horizontais ou verticais faz com que o faixo de luz que atravessa cada um destes filtros passe a se propagar apenas nos planos horizontais ou verticais.

A projeção concomitante das imagens direita e esquerda respectivamente polarizadas horizontal e verticalmente sobre uma tela com revestimento metálico prateado, que por sua vez reflete a luz sem despolarizá-la, e a utilização de óculos constituídos pelos mesmos e respectivos filtros à direita e à esquerda, permite a visualização estereoscópica. Na prática, isto é conseguido sobrepondo-se as imagens de dois projetores que tenham os respectivos filtros acoplados posterior ou anteriormente às suas lentes de projeção, podendo os projetores serem dispostos um sobre o outro ou lado a lado.

Como este método obrigatoriamente requer a superposição das imagens a partir de duas fontes distintas, ele infelizmente não pode ser usado para reproduções estereoscópicas impressas.

As imagens direita e esquerda originais podem também ser devidamente escaneadas e arquivadas de forma digital, projetadas através de dois projetores que aceitem dados digitais ou através de um projetor único especial, visualizadas em monitores de computador e também serem transmitidas pela Internet.

Outra forma mais sofisticada de se fazer projeções tridimensionais é a que se utiliza da chamada técnica de campos seqüenciais ou alternados. Nesta técnica, os dois filmes ou vídeos obtidos de forma sincronizada são integrados por um multiplexador de maneira que os respectivos fotogramas se alternem seqüencialmente,e a sua projeção é assistida com a utilização de óculos especiais feitos com lentes de cristal líquido que funcionam como obturadores à direita e à esquerda, que se abrem e fecham conforme sejam projetados os fotogramas correspondentes (LCD shutter glasses). Enquanto os óculos com filtros de polarização são usualmente denominados de passivos, os providos com obturadores são denominados de óculos ativos.

As projeções com a técnica de campos seqüenciais podem ser feitas sobre telas normais e o método pode também ser utilizado para visualização estereoscópica em monitores digitais de computadores. A coordenação entre o mecanismo obturador dos óculos e o meio que gera a imagem (sistema de projeção ou monitor) é feita através de fios ou de sinalização com raios infravermelhos.

Em nosso meio, visando aprimoramento do ensino médico, em 1997 começamos a produzir material didático estereoscópico na Disciplina de Topografia Estrutural Humana do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sob o incentivo e orientação do Prof. Dr. Aldo Junqueira Rodrigues Jr, e mais recentemente com o apoio e ajuda dos Profs. Drs. Ricardo Ferreira Bento e Aroldo Miniti, e do empresário Ricardo Ferraz de Camargo, da Fundação Otorrinolaringologia. Além de utilizarmos o material aqui produzido no ensino da própria Faculdade de Medicina da USP, temos também ministrado vários cursos em centros nacionais e internacionais. Mais recentemente tivemos a satisfação de poder orientar a viabilização de impressão de imagens estereoscópicas em jornais e revistas da nossa mídia, além da confecção de óculos com filtros polarizantes para utilização em aulas em 3D em nível básico em escolas do nosso meio.22-24

A manipulação de imagens estereoscópicas constitui uma das bases fundamentais para o desenvolvimento de futuros modelos de realidade virtual, que por sua vez serão particularmente úteis no campo médico. Atividades como o ensino e treinamento de atos médicos em geral, transmissão à distância de dados e de imagens mais complexas, desenvolvimento de novas técnicas e principalmente de projetos mais ousados como a realização de cirurgias à distância (telecirurgia), seguramente dependerão da tecnologia de manipulação de imagens tridimensionais. 9, 17, 18

O campo de aplicação de reproduções impressas e de projeção de imagens estereoscópicas é evidentemente enorme em várias áreas de comunicação humana e a sua viabilização em grande escala em muito pode contribuir não só para melhor ilustrar elementos tridimensionais como fazer com que este método se torne uma nova ferramenta de ensino que inclusive auxilie no desenvolvimento da nossa capacidade de lidar com a tridimensionalidade de maneira geral.

Referências bibliográficas

1. Ferwerda JG - The World of 3-D, 2nd ed., 3D Book Productions, Borger, 1990.

2. Ribas GC, Rodrigues AJ Jr - Imagens estereoscópicas [online], São Paulo, out. 1999. Disponível: http://www.estereoimagens.com.br

3. Starkman D, Pinsky S - The Nimslo 3D Book, Reel 3D Enterprises, Culver City, 1986.

4.Wolfgram DE - Aventuras em 3D, Berkeley Brasil Editora, São Paulo 1993.

5. Solso RL - Cognition and Visual Arts, MIT Press, Cambridge, 1997.

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7. D'Almeida JCh - Nouvel Appareil Stéréoscopique. Comptes Rendus nº. 47, 1858, in The World of 3D, ed. Ferwerda JG, 2nd ed., 3D Book Productions, Borger, 1990, pp. 262-264.

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10. Bassett DL - A Stereoscopic Atlas of Human Anatomy, Portland, Sawyer's Inc., 1961.

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16. "Estado" lança anúncios em 3D - Idéia surgiu fora do jornal entre médicos: O Estado de São Paulo: A12, C5. 12 de maio de 1999.

17. Revista Nova, Editora Abril, edição de setembro de 1999.

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19. Ribas GC, Rodrigues AJ Jr - 3D anatomy of the cerebral sulci and ventricles. Clinical Anatomy 12(3): 208, 1999. [Abstract]

20. Rodrigues AJ Jr, Rodrigues CJ, Ribas GC - Surgical anatomy of the inguinal region, a 3D vision. Clinical Anatomy 12(3): 209, 1999. [Abstract]

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23. Satava RM - The Virtual Surgeon. The Sciences 38 (6): 34-39, 1998.

24. Sposito R - Aula do Futuro usa Softwares com Recursos 3D. São Paulo: O Estado de São Paulo: I3, 29 de maio de 2000.

Trabalho desenvolvido pela Disciplina de Topografia Estrutural Humana do Departamento de Cirurgia da FMUSP e Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
Endereço para correspondência: Divisão de Clínica Otorrinolaringológica - Hospital das Clínicas - FMUSP - Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6º andar, sala 6021 - São Paulo - SP - Tel./Fax: (0xx11) 280-0299.

1- Professor-Assistente Doutor da F.M.U.S.P. Disciplina de Topografia Estrutural Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2- Professor-Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Chefe do Grupo de Otologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3- Professor Titular da Disciplina de Topografia Estrutural Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
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