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Ano: 2001  Vol. 5   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Síndrome do aqueduto vestibular alargado: Relato de 3 casos e revisão de literatura
The Enlarged Vestibular Aqueduct Syndrome: Report of 3 Cases and Review of the Literature
Author(s):
1Bento, R. F.; 2Lessa, M. M.; 3Castilho, A. M.; 4Sanchez, T. G.; 5Gebrim, E. M. S.; 6Brito Neto, R. V.; 7Miniti, A.;
Palavras-chave:
aqueduto vestibular alargado; ouvido interno; malformação congênita; disacusia.
Resumo:

A síndrome do aqueduto vestibular alargado (SAVA) caracteriza-se pelo alargamento do aqueduto vestibular, anomalia mais comum da orelha interna, associado à perda auditiva principalmente neurossensorial. O quadro clínico é geralmente muito variável. A disacusia pode ser congênita ou adquirida na infância, puramente neurossensorial ou algumas vezes mista. Pode variar de moderada a profunda, podendo ser flutuante, lentamente progressiva ou súbita. Sintomas vestibulares podem estar presentes. O objetivo deste estudo é relatar três casos de SAVA revisando a literatura. Dois pacientes eram do sexo feminino e um do sexo masculino, sendo que a idade variou de 3 a 32 anos. Vertigem foi relatada em apenas um paciente, assim como a ocorrência de malformação associada da orelha interna. O manejo da disacusia neurossensorial que acompanha a SAVA tem sido frustrante desde a primeira descrição da síndrome. A conduta conservadora tem sido a base do tratamento e inclui evitar traumatismo de crânio ou barotrauma e amplificação sonora se necessário. Porém, a despeito das medidas conservadoras, uma grande parte dos pacientes afetados continuam a apresentar perda auditiva progressiva. O implante coclear tem mostrado eficácia em melhorar tanto a percepção auditiva como a fala em crianças com surdez congênita ou adquirida por diversas causas. Todos os três casos atendidos em nosso serviço, além do tratamento conservador, estão sendo acompanhados pelo grupo de implante coclear para procedimento cirúrgico oportuno.

INTRODUÇÃO

O alargamento do aqueduto vestibular (AAV) é a anomalia mais comum da orelha interna1,2. Sua associação com disacusia neurossensorial (DNS) tem sido reconhecida há mais de duas décadas3.

A síndrome do aqueduto vestibular alargado (SAVA) foi inicialmente denominada por Valvassori e Clemis4 em 1978, quando descreveram achados radiológicos de malformações congênitas da orelha interna através da avaliação politomográfica convencional do osso temporal de 3.700 pacientes com DNS. Eles identificaram 50 pacientes (1,5%) com alargamento do aqueduto vestibular, isto é, com diâmetro ântero-posterior maior que 1,5 mm. Observaram que 60% desses pacientes também apresentavam outras anomalias da orelha interna, principalmente o alargamento do canal semicircular lateral. Emmett5, em 1985, realizando um estudo similar de politomografia em 2.683 pacientes com queixas auditivas ou vestibulares, encontrou prevalência semelhante (1%).

A primeira descrição sobre a avaliação do aqueduto vestibular através de corte axial de tomografia computadorizada foi realizada por Swartz6 em 1985. Desde então, vários relatos de AAV têm sido publicados. Em 1995, Okumura e cols.7 avaliaram 327 orelhas de 181 pacientes com DNS de etiologia desconhecida realizando tomografia computadorizada de alta resolução e encontraram 7% de prevalência de AAV. Em 1989, Levinson e cols.8 definiram o AAV como uma entidade distinta em crianças. O estudo realizado pelos autores consistia de 12 crianças com DNS progressiva associada exclusivamente ao AAV evidenciado em corte axial de tomografia computadorizada. Eles concluíram que a perda auditiva era adquirida durante a infância.

O quadro clínico na SAVA é geralmente muito variável. A disacusia pode ser congênita ou adquirida na infância, puramente neurossensorial ou algumas vezes mista. Pode variar de moderada a profunda, podendo ser flutuante, lentamente progressiva ou súbita. Sintomas vestibulares podem estar presentes em alguns casos 4, 9.

Na avaliação da DNS progressiva na infância, o diagnóstico diferencial deve ser feito com as principais etiologias envolvidas, que podem ser divididas em causa hereditária (sindrômica ou não sindrômica), do desenvolvimento, infecciosa, metabólica, tóxica, auto-imune, traumática e vascular10. O mesmo deve ser realizado através da anamnese (história familiar detalhada, história da gestação, condições do parto e história pós-natal), exame físico, testes audiológicos, exames laboratoriais e métodos de imagem. Contudo, a origem do distúrbio auditivo muitas vezes ainda permanece desconhecida10.

Os autores descrevem 3 casos de SAVA, atendidos na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) no período de junho de 1998 a junho de 2000, discutindo a anatomia, patogênese, história clínica, resultados audiológicos, achados radiológicos e a conduta diante desses pacientes.

RELATO DE CASOS

Caso 1

M. E. A. F., 7 anos, sexo feminino, natural e procedente de São Paulo - SP, com história de hipoacusia flutuante há 3 anos, sem otalgia, otorréia ou tontura. Sem antecedentes de surdez na família. História da gestação, do parto e pós-natal sem intercorrências. Ao exame físico, apresentava otoscopia normal. Realizou várias audiometrias tonais prospectivas durante o seu acompanhamento que evidenciaram: à esquerda - DNS inicialmente flutuante e com um componente misto em freqüências graves (gap de 10dB em 500 e 1000 Hz), progredindo para uma DNS profunda e constante (Figura 1); à direita - DNS flutuante, que atualmente encontra-se variando de moderada à severa (Figura 1), apresentando também por algumas vezes um componente misto em freqüências graves (gap de 10 dB em 500 e 1000 Hz). Há cerca de 2 meses, após queda de uma gangorra, cursou com DNS profunda à direita, a qual nunca tinha apresentado antes, imediata ao trauma e que durou aproximadamente duas semanas, voltando novamente à característica flutuante. Os testes laboratoriais (sorologias para Citomegalovírus, Mononucleose, Rubéola, Sífilis e Toxoplasmose / pesquisa inespecífica de auto-imunidade: VHS, complemento total, fração C3 e C4 do complemento, fator reumatóide, fatores anti-nucleares, anti-DNA nativo, anti-SM, anti-RNP, anti-SSA(Ro), anti-SSB (La), anti-JO1, anti-SCL-70, proteína C reativa, anticorpo anti-tireoperoxidase e pesquisa de células LE) foram normais. A tomografia computadorizada (TC) de ossos temporais evidenciou os aquedutos vestibulares acentuadamente alargados bilateralmente (Tabela 1), além do alargamento dos vestíbulos (Figura 2).

Caso 2

M. A. V. M., 32 anos, sexo feminino, natural e procedente de Juazeiro - BA, com história de hipoacusia bilateral, principalmente à direita, desde a infância, sem otalgia ou otorréia. Cursou com progressão da hipoacusia à esquerda nos últimos 10 anos. Apresentava também zumbido bilateral semelhante a um apito e tontura rotatória esporádica. Sem antecedentes de surdez na família. História da gestação, do parto e pós-natal sem intercorrências. Ao exame físico, a otoscopia encontrava-se normal. A audiometria tonal mostrou uma DNS severa à esquerda e profunda à direita, apresentando também um componente misto bilateral, com gap de 25 dB em 500 Hz (Figura 3). Contudo, a paciente não possuía nenhuma audiometria prévia, o que dificulta a comprovação audiométrica de flutuação ou do ritmo de progressão da disacusia. A TC de ossos temporais evidenciou os aquedutos vestibulares alargados (Tabela 1), principalmente à esquerda, com aspecto normal das cócleas e vestíbulos (Figura 4).

Caso 3

G. R. S., 3 anos, sexo masculino, natural e procedente de São Paulo - SP, com história de deterioração progressiva da linguagem falada e distúrbio do comportamento há 6 meses, deixando de responder gradualmente às solicitações dos familiares. Sem otalgia, otorréia ou antecedentes de surdez na família. História da gestação, do parto e pós-natal sem intercorrências. Ao exame físico, apresentava otoscopia normal. Realizou audiometria de tronco cerebral que foi compatível com DNS profunda bilateral (Figura 5). Os testes laboratoriais foram normais. A TC de ossos temporais evidenciou o alargamento dos aquedutos vestibulares (Tabela 1) e a presença de bulbos jugulares altos, porém não deiscentes, sem alterações das demais estruturas analisadas (Figura 6).

DISCUSSÃO

O aqueduto vestibular, um canal ósseo na cápsula ótica, contém o ducto endolinfático que faz a conexão entre o saco endolinfático e o vestíbulo. O aqueduto surge da parede medial do vestíbulo e estende-se posteriormente por aproximadamente 1 cm, abrindo-se na porção posterior da pirâmide petrosa dentro da fossa craniana posterior. Como a fossa craniana posterior expande-se durante o desenvolvimento, o aqueduto vestibular e o saco endolinfático não totalmente desenvolvidos ao nascimento, expandem-se rapidamente e geralmente alcançam as suas dimensões finais por volta dos 4 anos de idade3. Wilbrand e cols.11 descreveram que o diâmetro do aqueduto vestibular, em ossos temporais normais, varia de 0,4 a 1,0 mm. A medida do aqueduto vestibular foi obtida no ponto intermediário entre a abertura externa e a cruz comum. Essa técnica de medição foi posteriormente utilizada por Valvassori e Clemis4, que definiram o alargamento do aqueduto vestibular como tendo um diâmetro ântero-posterior maior do que 1,5 mm. Outro parâmetro também pode ser utilizado: o tamanho do aqueduto vestibular deve se aproximar ao do canal semicircular adjacente12.

A SAVA caracteriza-se pelo alargamento do aqueduto vestibular, associado à perda auditiva principalmente neurossensorial. Levenson e cols.8 propuseram que a dilatação anormal do aqueduto vestibular prejudicaria a homeostasia da circulação endolinfática pelo refluxo do conteúdo hiperosmolar do saco endolinfático através do ducto endolinfático extremamente patente. O refluxo desse conteúdo hiperosmolar do saco para dentro do ducto coclear poderia causar contaminação da circulação endolinfática, com subsequente dano ao neuroepitélio coclear e DNS. Eles também sugerem que mudanças súbitas no fluido cerebrospinal, como visto no trauma de crânio, podem comprimir a dura-máter e precipitar um deslocamento do fluido hiperosmolar do saco para dentro da cóclea. Alguns autores sugerem uma possível fraqueza congênita das membranas da cóclea membranosa que poderiam romper-se com mudanças súbitas de pressão, resultando em uma mistura de endolinfa com perilinfa e conseqüente DNS2. Outra teoria é a coexistência de uma fístula perilinfática, a qual é comumente vista em orelhas com malformações congênitas2. Belenky e cols.3 relataram que o AAV pode estar associado a anormalidades da janela redonda, podendo predispor o paciente a uma fístula perilinfática traumática e/ou espontânea.

A ocorrência familiar da SAVA foi reportada por Abe e cols., em 199713, descrevendo uma perda auditiva recessiva associada ao AAV em 6 gêmeos de três famílias distintas, indicando uma transmissão autossômica recessiva. Em estudo subsequente, sugeriram que o gene responsável pela herança autossômica recessiva estaria localizado na região cromossômica 7q311. Usami e cols.14 estudaram 9 indivíduos de 6 famílias com AAV sem características sin-drômicas e demonstraram que duas mutações encontradas são as mesmas de pacientes com síndrome de Pendred (das 26 já descritas nesta síndrome). Esta análise genética confirma que mutações no gene PDS, responsável pela síndrome de Pendred (SP), podem levar a um espectro de fenótipos mais amplo do que se imaginava, variando desde a clássica SP (perda auditiva neurossensorial, bócio palpável e teste do perclorato positivo) até perda auditiva não sindrômica associada a AAV. De qualquer maneira, o autor ressalta neste estudo que as mutações no gene PDS de um modo geral levam a algum grau de malformação de orelha interna, ao passo que nem todas as mutações levam a doença da tireóide. Em nosso relato, nenhum dos três casos apresentou história familiar sugestiva.

Zazal e cols.2, em estudo realizado com 15 crianças (26 orelhas) com AAV, encontraram que a idade média no momento do diagnóstico era de 4,9 anos. Revisando outros seis trabalhos da literatura, constataram que na maioria das vezes o diagnóstico era feito na infância. Encontraram uma discreta predominância feminina (1,1:1) também vista nas outras séries e observaram que o AAV bilateral é mais comum do que o unilateral. Em nossa casuística, apenas o CASO 02 não foi diagnosticado dentro desta faixa etária e acreditamos que isso foi devido à queixa ser principalmente unilateral durante a infância e adolescência, além da dificuldade de acesso a uma avaliação especializada mais precoce. Também encontramos uma predominância feminina (2 casos em 3), embora nossa casuística seja pequena pela raridade da doença. O acometimento foi bilateral em todos os casos (Tabela 1).

O quadro clínico na SAVA é muito variável em estudos publicados na literatura. A disacusia pode ser congênita ou adquirida na infância, puramente neurossensorial ou algumas vezes mista. Pode variar de moderada a profunda, podendo ser flutuante, lentamente progressiva ou súbita4,9. Apesar de todos os estudos demonstrarem que a DNS é o principal achado na síndrome, a instalação e o grau da perda auditiva, a configuração da curva audiométrica e a presença ou ausência de progressão na perda auditiva não são constantes2.

Abe e col.13 observaram a presença de um componente condutivo nas freqüências graves em 9 das 10 orelhas analisadas em seu estudo. Em nosso estudo, apenas no caso 3 não foi possível demonstrar esse componente, já que o paciente só fez a audiometria de tronco cerebral e, portanto, a avaliação das freqüências graves ficou prejudicada. De acordo com Valvassori15, como nenhum achado anormal é encontrado pela exploração da orelha média, o componente condutivo é provavelmente causado por uma diminuição na mobilidade do estribo devido a uma elevação na pressão perilinfática ou endolinfática.

Segundo Abe e col.13, um dos achados característicos da audiometria dos pacientes com AAV seria uma DNS flutuante principalmente em altas freqüências, não se assemelhando às mudanças nas freqüências graves características da síndrome de Ménière7. Em nosso relato de caso, a história sugestiva de flutuação foi evidenciada apenas no caso 1, tendo sido comprovada por audiometrias seriadas (Figura 1).

Perda súbita da audição em pacientes com AAV já vem sendo relatada desde 19847. Várias causas têm sido especuladas como responsáveis por esta queda súbita, entre elas o refluxo de fluido hiperosmolar do saco endolinfático para a orelha interna (como já descrito anteriormente) e a ruptura do labirinto membranoso ou fístula perilinfática devido à transmissão direta da pressão intracraniana para a orelha interna através do aqueduto vestibular alargado7. Os episódios de perda súbita da audição são normalmente acompanhados de fatores desencadeantes como pequenos traumas cranianos, longa exposição ao sol ou exercícios radicais7. Esses pacientes, portanto, devem ser orientados a evitar esses fatores para a profilaxia da perda súbita da audição e de uma maior deterioração da audição. Em nosso relato, o caso 1 evoluiu com queda súbita da audição à direita após queda de uma gangorra. A audiometria tonal evidenciou uma DNS profunda, a qual nunca tinha apresentado antes, que persistiu por aproximadamente duas semanas e voltou à característica flutuante anterior.

O bulbo da jugular alto, em contato com o saco endolinfático, pode ser responsável pela rápida deterioração da audição devido à transmissão de mudanças na pressão do fluido cerebrospinal para o sistema perilinfático pelo AAV9. Em nosso relato, o caso 3 foi o que apresentou a menor idade no momento do diagnóstico e a mais rápida progressão, sendo que, como achado de TC apresentava os bulbos jugulares altos, embora não deiscentes (Figura 7).

O tamanho do aqueduto vestibular, assim como a coexistência de hipoplasia coclear ou displasia em grau leve, parecem não ter correlação com a severidade ou a rapidez da progressão da perda auditiva2. Em nosso relato, os casos 1 e 2 apresentaram piores níveis auditivos nas orelhas onde o diâmetro do aqueduto vestibular era o menor (Tabela 1).

Sintomas vestibulares associados são raramente relatados. Contudo, alguns estudos que realizaram testes vestibulares mesmo em pacientes sem sintomas vestibulares, encontraram alterações em muitos casos 2. Em nosso relato, sintoma vestibular foi apenas referido no caso 2, porém nenhum dos pacientes realizou testes vestibulares.

O AAV pode ser um achado ocasional de exame radiológico em pacientes com audição normal, porém estes pacientes são propensos a desenvolver perda auditiva9. Emmett5 relatou que apenas 3 em 2500 pessoas analisadas por TC de ossos temporais tinham audição normal.

O AAV algumas vezes pode estar associado a outros tipos de malformações da orelha interna. Emmett5 encontrou 88% de associação com outras anomalias, principalmente o alargamento do vestíbulo e canal semicircular lateral (63%) e hipoplasia da cóclea (28%). Em nosso relato, apenas o caso 1 apresentou associação com outra malformação que foi o alargamento dos vestíbulos (Figura 8).

Ressonância magnética (RM) em cortes finos de alta resolução pela técnica de seqüências rápidas (fast spin-echo) tem sido considerada como método de imagem superior quando comparada à TC de ossos temporais na avaliação da SAVA16. A TC é adequada para detectar o alargamento ósseo do aqueduto vestibular, porém não consegue mostrar o labirinto membranoso. Alguns poucos casos de resultados falso-positivos e falso-negativos à TC de ossos temporais já foram relatados 16,17. Dahlen e col.16 relataram um caso no qual a TC evidenciou a presença de AAV, enquanto a RM mostrou o ducto e saco endolinfático de tamanho normal. Porém, como esse paciente apresentava déficit auditivo, esses autores relataram a dificuldade de precisar qual método estava correto. Na RM, nas imagens ponderadas em T2, o hipersinal do fluido no labirinto membranoso permite a visualização do ducto e saco endolinfático. O alargamento do saco endolinfático é usualmente fácil de ser detectável em imagens de RM, mesmo para os observadores menos experientes. Além disso, reconstruções tridimensionais são sempre úteis na visualização da anatomia da orelha interna e estruturas adjacentes. Na presente casuística, como a TC evidenciou significativo AAV em todos os casos, tornou-se dispensável a realização de RM.

O manejo da DNS que acompanha a SAVA tem sido frustrante desde a primeira descrição da síndrome em 1978 por Valvassori e Clemis4. A conduta conservadora tem sido a base do tratamento e inclui evitar traumatismo de crânio (ex.: esportes com contato físico) ou barotrauma, além de amplificação sonora se necessário. Porém, a despeito das medidas conservadoras, uma grande parte dos pacientes afetados continua a apresentar perda auditiva progressiva18.

O shunt endolinfático subaracnoídeo foi fortemente desencorajado por Jackler e De La Cruz19 quando quatro de sete pacientes evoluíram com uma severa perda neurossensorial no pós-operatório. Em estudo realizado por Welling20, nenhuma diferença significativa foi demonstrada entre a oclusão do ducto endolinfático via intraluminal ou extraluminal. Nenhum dos dois procedimentos obteve sucesso, sendo que a perda auditiva substancial associada a esses procedimentos levaram os autores a abandonarem os mesmos.

O implante coclear tem mostrado eficácia em melhorar tanto a percepção auditiva como a fala em crianças com surdez congênita ou adquirida por diversas causas21. Vários estudos em pacientes tanto com SAVA quanto com malformações cocleares (ex.: displasia de Mondini) mostraram resultados favoráveis com o implante coclear21,22. Aschendorff e cols.23 sugeriram que crianças com AAV teriam evolução semelhante a outros pacientes submetidos ao implante coclear e sem alterações na orelha interna. Au e Gibson22 analisaram retrospectivamente os resultados do implante coclear em 10 crianças com disacusia profunda e AAV. Além de concluírem que estas crianças podem obter benefício considerável com o implante coclear, observaram que a única intercorrência cirúrgica foi a presença de um pequeno \"gushing\" de perilinfa a partir da cocleostomia e que foi associado com vertigem transitória no pós-operatório. O centro de implante coclear na infância em Sidney, Austrália, considera uma criança com SAVA como candidata ao implante coclear se a audição deteriorar para uma discriminação de sentenças menor que 40% apesar do uso de aparelho de amplificação sonora adequado. Se a audição flutuar e subseqüentemente melhorar, a criança fica sob observação. Todos os três casos atendidos em nosso serviço, além do tratamento conservador, estão sendo acompanhados pelo grupo de implante coclear para procedimento cirúrgico oportuno.


Tabela 1 - Quadro clínico dos pacientes com a Síndrome do Aqueduto Vestibular Alargado (AV = aqueduto vestibular; OI = orelha interna).


Figura 1. Caso 1: audiometrias tonais seriadas mostrando a flutuação da audição (A em 21/07/98; B em 10/09/98; C em 03/12/98; D em 12/08/99).


Figura 2. Caso 1: tomografia de ossos temporais em corte axial evidenciando alargamento do aqueduto vestibular e do vestíbulo à esquerda.


Figura 3. Caso 2: audiometria tonal (junho/99).


Figura 4. Caso 2: tomografia computadorizada de ossos temporais em corte axial evidenciando alargamento do aqueduto vestibular à esquerda.


Figura 5. Caso 3: audiometria de tronco cerebral sugestiva de disacusia neurossensorial profunda bilateral, não excluindo restos auditivos em freqüências graves.


Figura 6. Caso 3: tomografia de ossos temporais evidenciando alargamento dos aquedutos vestibulares bilateralmente.


Figura 7. Caso 3: tomografia computadorizada de ossos temporais em corte coronais apresentando bulbo jugular alto, porém não deiscente à esquerda.


Figura 8. Caso 1: tomografia computadorizada de ossos temporais em corte coronais apresentando alargamento do vestíbulo à direita.



COMENTÁRIOS

O otorrinolaringologista é freqüentemente solicitado a avaliar crianças com disacusia neurossensorial de etiologia desconhecida. A síndrome do Aqueduto Vestibular Alargado deve ser lembrada no diagnóstico diferencial das disacusias neurossensoriais na infância, sendo fundamental a realização de uma anamnese detalhada, exame físico cuidadoso e métodos de imagem apropriados.

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Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado no 35º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado de 16 a 20 de Outubro de 2000, em Natal /RN.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Ricardo F. Bento - Rua Pedroso Alvarenga, 1255, cj.22 - Cep: 04531-012 - São Paulo /SP - Telefone: (11) 3167-6556 - Fax: (11) 3079-6769 - E-mail: rbento@attglobal.net
Artigo recebido em 30 de outubro de 2000. Artigo aceito em 4 de dezembro de 2000.

1- Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3- Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
4- Médica Assistente Doutora da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
5- Médica Assistente Doutora do Setor de Tomografia Computadorizada do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
6- Médico Assistente e Pós-Graduando em Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
7- Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
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