INTRODUÇÃO
O hemangioma é um dos tumores mais comuns de tecidos moles da cabeça e pescoço.1 Hemangiomas da cavidade nasal são relativamente comuns e constituem cerca de 20% de todas as neoplasias da cavidade nasal 2, embora sua etiologia ainda seja desconhecida.
A classificação dessas lesões vasculares tem sido controversa. Alguns autores separam as lesões com base na atividade proliferativa, designando como proliferativas os hemangiomas e como não proliferativas as malformações vasculares. Eles são divididos em capilares e cavernosos1,3.
O diagnóstico deve ser suspeitado na ocorrência de epistaxe intermitente, que pode estar associada a obstrução nasal, dor local ou deformidade facial. A suspeita de hemangioma nasal aumenta quando à rinoscopia anterior ou à fibroendoscopia nasal se constata a presença de tumoração avermelhada, lisa e geralmente arredondada inserida no septo nasal ou nos cornetos. Arteriografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser usadas para a confirmação do diagnóstico e análise da extensão da lesão1.
O tratamento de escolha para estas lesões é a sua remoção cirúrgica. Outras formas de tratamento são a embolização, uso de corticosteróide, interferon e cirurgia a laser3,4.
O objetivo deste trabalho é apresentar o caso de uma gestante com um tumor vascular nasal e discutir sua abordagem diagnóstica e terapêutica.
APRESENTAÇÃO DO CASO
Paciente com 25 anos de idade, sexo feminino, branca, foi atendida no serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor, com história de epistaxe intermitente e obstrução nasal à direita há 1 mês. Apresentava-se no 3º mês de gestação. Em sua história médica pregressa constava uma septoplatia e turbinectomia inferior bilateral há um ano, neste serviço, para tratamento de obstrução nasal e desvio septal. Nega etilismo ou tabagismo. Os antecedentes familiares nada revelaram que fosse digno de nota.
No exame ORL, a rinoscopia anterior evidenciou congestão de cornetos inferiores e massa avermelhada em fossa nasal direita. Realizado fibroendoscopia nasal que demonstrou massa arredondada, avermelhada, lisa originado-se do corpo do corneto inferior direito com coágulo sangüíneo em sua superfície (Figura 1). O restante do exame ORL não demonstrou anormalidades.
Como hipóteses diagnósticas foram propostas: hemangioma, hemangiopericitoma ou malformação vascular nasal. Foram solicitados exame Ecográfico Abdominal (EA), exames de função hepática e Ressonância Nuclear Magnética (RNM) como propedêutica complementar. Os exame de EA e função hepática foram solicitados para o diagnóstico diferencial de hemangiopericitoma com possível metástase hepática e ambos foram normais. Já a RNM evidenciou massa multilobulada heterogênea com áreas sugestivas de sangramento e sinais compatíveis com lesão vascularizada que preenche toda a cavidade nasal direita e provoca obstrução do complexo ósteo meatal direito, sem sinais de extensão intracraniana ou invasão intraorbital. Sinais associados de pansinusopatia (Figuras 2 e 3). Desde a primeira consulta apresentou três episódios de epistaxe de maior volume, sendo necessária a realização de tamponamento anterior direito durante o 2º episódio. Após remoção do tamponamento constatou-se pela rinoscopia anterior aumento da massa tumoral que passou a ocupar toda fossa nasal direita abaulando a válvula e vestíbulo nasal direito e apresentando pequena área de necrose em sua face mais externa, que se exteriorizava pela fossa nasal. Uma semana após remoção do tamponamento houve o 3º episódio de epistaxe, de menor intensidade, sendo necessário novo tamponamento anterior.
Frente a este quadro, foi solicitado junto ao serviço de Neurorradiologia a realização de angiografia das artérias carótidas e embolização dos vasos nutridores da lesão. A angiografia demonstrou lesão vascular extensa em nível da cavidade nasal direita representando um \"blush\" tumoral nutrido pelas artérias esfenopalatina, facial e etmoidais (Figuras 4 e 5). Optou-se pela embolização das artérias esfenopalatina e facial direita com micropartículas tipo PVA 250 a 355 micra (sem o s, pois o singular é micron), conseguindo total oclusão dos vasos e 90% de oclusão da lesão em angiografia de controle.
A paciente iniciou novos episódios de epistaxe 14 dias após a embolização. Foi, então, indicado tratamento cirúrgico, realizando-se ressecção da lesão tumoral, por via \"degloving\". O procedimento foi monitorado pelo obstetra da paciente devido ao risco de abortamento, já que se encontrava no 5º mês de gestação. O exame anátomo-patológico evidenciou hemangioma capilar, lobular, ulcerado, sem sinais de malignidade, medindo 3,5 x 3 x 2cm.
No controle pós-operatório a rinoscopia anterior evidenciou pequena formação avermelhada em região inferior de septo nasal direito que foi removida sob anestesia local. A análise histopatológica demonstrou ser granuloma piogênico. Em novo controle endoscópico ao 3º mês de pós-parto, constatou-se fossa nasal direita livre (Figura 6) .
DISCUSSÃO
O hemangioma é um dos mais comuns tumores de partes moles, porém sua localização em fossa nasal é rara1. Eles devem ser diferenciados das malformações vasculares3. Histologicamente são divididos em capilares e cavernosos, dependendo do tamanho dos vasos que são dominantes a microscopia1. Em torno de 75% dos casos estão localizados em septo nasal ou vestíbulo, geralmente na região do bordo caudal do septo (área de Kiesselbach) e cerca de 15% estão na parede lateral da fossa nasal. Existem ainda os hemangioma dos ossos nasais que são estritamente raros1,5. Sob o ponto de vista histopatológico, estes tumores usualmente são do tipo capilar, pedunculados, ulcerados e freqüentemente sangram. Os hemangiomas capilares podem ter vasos cavernosos, especialmente aqueles de concha nasal, que normalmente possuem tecido erétil cavernoso1. A paciente em questão apresentou hemangioma em parede lateral do nariz, cujo anátomo-patológico demonstrou ser hemangioma capilar compatível com o relatado.
A manifestação clínica depende da localização e tamanho da lesão que pode levar a deformidade da face2, obstrução nasal e epistaxe1,6. Tais sinais e sintomas foram apresentados pela paciente, sendo a epistaxe o principal sintoma.
Os achados da fibroendoscopia nasal associados ao quadro clínico (epistaxe, obstrução nasal e massa isolada em fossa nasal) nos levaram a considerar um tumor vascular: hemangioma, hemangiopericitoma ou granuloma piogênico (granuloma gravidarum). Outros tumores também devem ser suspeitados: linfoma, melanoma, angiofibroma, metástases e papiloma invertido1,6,7.
Os achados dos exames radiológicos foram os que melhor orientaram o diagnóstico e condução do caso. Nos casos de hemangioma de ossos nasais o exame de excelência é a Tomografia Computadorizada (TC) que determina com maior precisão a extensão do tumor e as trabéculas ósseas envolvidas8. A RNM demonstrou imagem de massa heterogênea nas seqüências T1 (sinal de intensidade intermediária) e lesões com sinal de alta intensidade em T2, sugerindo lesão vascular, de acordo com a literatura1. Nós optamos por realizar a RNM já que se tratava de um tumor com suspeita de lesão vascular e pelo estado gestacional da paciente que não poderia ser irradiada.
A arteriografia foi realizada com o intuito de identificar os vasos nutridores da lesão e embolizá-los. Tal procedimento foi adotado em vista dos vários episódios de epistaxe, sem resolução com tamponamentos, e o aumento progressivo da lesão que colocavam a paciente e seu feto em risco de vida, já que um procedimento cirúrgico para ressecção da lesão também apresentaria os mesmos riscos. Realizou-se embolização dos ramos da artéria carótida externa: artérias faciais e esfenopalatina (ramo da maxilar interna) direitas, obtendo 90% de oclusão da nutrição da lesão. Alguns autores também recomendam a embolização no pré-operatório para reduzir o tamanho tumoral e melhorar o controle do sangramento per-operatório1,8.
Mesmo após a realização da embolização a paciente evoluiu com revascularização da lesão e novos episódios de epistaxe, o que determinou a necessidade de realizar tratamento cirúrgico. A excisão cirúrgica de toda a lesão é o tratamento de escolha, porém as lesões de localização mediofacial são de difícil acesso e a seleção do mais adequado acesso cirúrgico é um fator importante que determina o sucesso da cirurgia8. A exérese de grandes lesões vasculares, como o nosso caso, necessita de um acesso como o \"degloving\" que permite uma excelente exposição do assoalho anterior da cavidade nasal sem incisões externas, permitindo a remoção de toda a lesão e um excelente controle de sangramentos, já que se trata de um tumor vascular6,8,9. Neste caso foi realizada a cirurgia por este acesso, o que permitiu total remoção do tumor (com seu pedículo em parede lateral de fossa nasal), controle do sangramento (perda de 1,5 litro aproximadamente) e excelente resultado estético.
Em controle pós-operatório, foram diagnosticadas 2 pequenas lesões avermelhadas de aspecto liso e arredondadas, com a maior medindo cerca de 1cm, junto ao septo nasal à direita. Tais lesões foram removidas sob anestesia local e o resultado anátomo-patológico foi de granuloma piogênico. Este tipo de lesão, também referido como granuloma gravídico, é um tumor benigno sem relação com processo infeccioso, apesar da denominação, sendo freqüente na gravidez por ser hormônio dependente e podendo estar relacionado a um trauma anterior1,10.
Há um número de presumíveis alterações em pequenos vasos induzidas pelo estrogênio, que são encontradas com alguma freqüência durante a gravidez: aranhas vasculares, eritema palmar, gengivites, hemangioma capilar e granuloma piogênico. O hemangioma capilar, especialmente o de cabeça e pescoço, é visto em torno de 5% das mulheres durante a gravidez11. A paciente apresentou duas destas alterações: o hemangioma capilar e o granuloma piogênico.
COMENTÁRIOS FINAIS
Este caso apresenta uma série de pontos a serem comentados. Baseado na evolução clínica e na literatura pesquisada, alguns são considerados como questões definidas, enquanto outros carecem de maior estudo ou pesquisa:
1- os métodos diagnósticos para avaliação de tumor nasal vascular em gestante se resumem em três: fibroendoscopia nasal (apresenta-se como primeiro método e determina a localização anatômica da lesão e o seu tamanho aparente), angiografia carotídea (determina o grau de vascularização e os principais vasos nutridores da lesão) e a ressonância nuclear magnética (determina a extensão da lesão e o possível comprometimento de estruturas adjacentes).
2- a embolização da lesão dificilmente funciona como tratamento isolado nestes casos, uma vez que a capacidade de revascularização da lesão é grande. Porem será bastante útil para melhorar as condições cirúrgicas.
3- o uso da via cirúrgica \'\'degloving\'\' permite um bom acesso para a remoção da lesão e controle do sangramento, alem de não deixar cicatrizes extensas (indesejáveis sobretudo para pacientes jovens).
4- a explicação para o surgimento do granuloma piogênico estaria clara: altos níveis de estrogênio levando à formação tumoral vascular específica em uma região submetida a trauma (manipulação cirúrgica prévia). O estrogênio elevado possivelmente contribuiria também para o desenvolvimento de hemangioma capilar. Há que se lembrar que a paciente foi submetida a uma turbinectomia parcial inferior. Poderíamos questionar se áreas do corneto inferior alteradas histologicamente pela turbinectomia prévia, quando submetidas a um estímulo hormonal durante a gravidez , não estariam mais propensas a desenvolver lesões vasculares.
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* Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
** Médico Adjunto do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
*** Médica Especializando de 3º ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
**** Médico Especializando de 1º ano do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Socor.
Instituição: Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor - Belo Horizonte - MG.
Endereço para correspondência: Dr. Marconi Teixeira Fonseca - Rua Juiz de Fora, 33 - Belo Horizonte /MG - CEP: 30180-060.
Telefone: (31)3330-3005 - Fax:(31) 3295-1941 - E-mail: otologica@uol.com.br
Artigo recebido em 28 de dezembro de 2000. Artigo aceito em 13 de março de 2001.