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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Redução da Síntese Protéica na Mucosa Nasal de Ratos Expostos à Poluição Atmosférica
Decrease of Protein Synthesis in the Nasal Mucosa of Rats Exposed to Atmospheric Pollution
Author(s):
João Ferreira de Mello Júnior*, Olavo Mion*, Paulo Hilario Nascimento Saldiva**, Aroldo Miniti***.
Palavras-chave:
poluição do ar; mucosa nasal; AgNOR.
Resumo:

Introdução: As fossas nasais sendo responsáveis pela filtração do ar inspirado são regiões onde é possível observar-se os efeitos deletérios da poluição atmosférica. Objetivos: Avaliar o nível de síntese protéica nas células epiteliais e glândulas mucosas e a altura do epitélio das fossas nasais de ratos expostos à poluição atmosférica. Material e Métodos: Foram utilizadas no estudo 16 ratas Wistar de 2,5 meses de idade. Oito animais foram mantidos, por seis meses, expostos à poluição da cidade de Cubatão (pólo petroquímico) em São Paulo. Como grupo controle oito animais foram mantidos, pelo mesmo período, na cidade de Ubatuba (São Paulo), cuja atmosfera é considerada livre de poluição. Em nenhum momento do estudo os índices de poluição ultrapassaram os níveis de atenção. Seu efeito foi avaliado através de uma técnica de coloração de tecidos que demonstra o índice de síntese protéica pelas células, denominada AgNOR (coloração pela prata). Medimos, ainda, a espessura do epitélio. Resultados: A área de AgNOR nas células epiteliais foi menor que nas glândulas mucosas, independentemente da cidade em que os animais permaneceram. Além disto, nos animais de Cubatão, estas áreas (AgNOR nas células epiteliais e glândulas submucosas) foram menores que nos de Ubatuba. A altura do epitélio também foi menor nestes animais, embora não tenha sido possível estabelecer-se sua correlação com a área de AgNOR. Conclusão: A exposição, por 6 meses, aos poluentes atmosféricos da cidade de Cubatão gerou uma atrofia da mucosa nasal do septo de ratos, caracterizada pela diminuição de síntese protéica.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tem aumentado o interesse pelo estudo dos efeitos adversos da poluição ambiental sobre a saúde. Uma das funções das cavidades nasais é a filtração do ar inspirado, portanto são susceptíveis aos seus efeitos. A poluição atmosférica pode causar efeitos agudos e crônicos. Ao contrário dos efeitos agudos, os efeitos crônicos sobre a mucosa nasal são pouco relatados na literatura. A exposição aguda aos poluentes gera um processo inflamatório nasal demonstrado pelo aumento de citocinas (1), células inflamatórias e moléculas de adesão (2). Seu efeito crônico, por outro lado, caracteriza-se por uma tolerância epitelial, conseqüência da redução da inflamação aguda, como no caso de ozônio (O3) (3) e dióxido de nitrogênio (NO2) (4). A exposição crônica ao dióxido de enxofre (SO2) e material particulado menor que 10 micra (PM10) irrita o epitélio predispondo a rinossinusite crônica (5). Um dos constituintes do PM10 é o níquel (Ni), capaz de gerar atrofia local quando em altas concentrações (6). É importante ressaltar a capacidade dos poluentes em gerar lesão mesmo em níveis que não ultrapassam os limites legais (7), pois a interação entre seus constituintes, como SO2 e O3, gera novos complexos mais tóxicos (8).

As NOR (região organizadora nucleolar) são alças de DNA que transcrevem o RNA ribossômico (rRNA). A quantidade de NORs dentro do núcleo reflete o nível de transcrição de rDNA levando ao aumento de síntese protéica. A coloração pela prata denominada AgNOR (9), identifica proteínas associadas às NOR, sendo bastante específica (9). Tal técnica é utilizada por patologistas para avaliar proliferação celular, embora na realidade esteja medindo a síntese protéica (10). Quando as células estão sintetizando proteínas, a expressão de AgNOR no seu núcleo aumenta (10).

O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos crônicos da poluição atmosférica sobre a mucosa nasal de ratos.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a avaliação da expressão da área de AgNOR, foram utilizados 16 ratos Wistar fêmeas NSF (nonspecific pathogen free) de 2,5 meses de idade, criados no biotério da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Todos receberam alimentação balanceada e água ad libitum e tiveram suas cavidades nasais preservadas em parafina para estudos futuros.

Dividimos os ratos em dois grupos. Os do primeiro grupo ficaram alojados, por seis meses, a 100 metros de uma estação medidora de poluição da CETESB, no bairro de Vila Parise na cidade de Cubatão (pólo petroquímico) em São Paulo. Durante o estudo o poluente predominante foi o material particulado, embora não tenha ultrapassado os limites de atenção (Tabela 1) (5).


Material particulado SO2 (ppm)
(mg/m3)
Semana 129,77 ± 26,89 0,0010 ± 0,0009
Segunda a sexta 143,97 ± 28,55 0,0010 ± 0,0007
8:00 - 22:00 130,11 ± 21,29 0,0011 ± 0,0008
23:00 - 7:00 164,61 ± 38,31 0,0011 ± 0,0007

Tabela 1. Níveis de poluição atmosférica em Cubatão durante os 6 meses de exposição5 (média e desvio padrão).


Os ratos do grupo controle foram mantidos, pelo mesmo período, no Instituto Oceanográfico de São Paulo localizado na cidade de Ubatuba, São Paulo, região livre de poluição atmosférica.

Avaliamos a expressão de AgNOR nas cédulas epiteliais e glândulas mucosas, além de medirmos a altura epitelial da mucosa nasal de ratos expostos por seis meses à poluição atmosférica.

A técnica de coloração pela prata (AgNOR) utilizada foi a de Ploton modificada (9). Sua avaliação foi feita através de um analisador de imagens (10). O software utilizado é capaz de detectar a impregnação pela prata com uma precisão de sete casas decimais. A expressão de AgNOR foi mensurada em 100 células epiteliais e 100 células de glândulas mucosas do septo nasal, onde os pontos de AgNOR estavam bem delimitados e sem interferência de artefatos, utilizando aumento de 1000 vezes (óleo de imersão) (Figuras 1 e 2).

A altura epitelial (da base da célula ao topo do cílio), foi medida com o mesmo software, porém com aumento de 200 vezes em 10 áreas escolhidas aleatoriamente no septo nasal (Figura 3), corado pela hematoxilina-eosina.


Figura 1. Expressão de AgNOR nas células epiteliais - aumento de 1.000 x. Seta NOR (região organizadora nucleolar).


Figura 2. Expressão de AgNOR nas glândulas mucosas - aumento de 1.000 x. Seta NOR (região organizadora nucleolar)


Figura 3. Altura epitelial - aumento de 200 x - hematoxilina eosina. AgNOR Média e IC Células epiteliais Glândulas mucosas Ubatuba Cubatão


Todas as medidas foram realizadas pelo mesmo observador.

A análise estatística dos dados referentes à altura do epitélio foi feita utilizando-se o teste de diferença de médias (t-Student) para amostras não pareadas. A correlação entre a área de AgNOR no epitélio e a sua altura foi obtida utilizando-se a correlação de Pearson (r de Pearson). Para verificar a variação da área de AgNOR entre os animais de Ubatuba e Cubatão (efeito poluição) e entre o epitélio e as glândulas mucosas (efeito região), bem como a interação entre estes dois fatores, utilizou-se análise de variância (ANOVA) com dois fatores (poluição e região) e medidas repetidas em um fator (região). Em toda análise estatística utilizamos nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Não houve diferença entre as áreas de AgNOR no epitélio e glândulas em ambos os grupos, mostrando ausência de interação entre estas duas variáveis. Isto significa que a média estimada entre as duas regiões (epitélio e glândula) não dependeu da poluição, assim como a diferença média dos animais dos dois grupos não dependeu da região (epitélio ou glândula) (Gráfico 1).

Observamos ainda, que as médias das áreas de AgNOR nas glândulas foram significativamente maiores que nas células epiteliais (p=0,002), e que a área de AgNOR nos animais de Ubatuba foi significativamente maior que nos de Cubatão (p=0,003).

A altura média do epitélio nasal dos animais de Ubatuba foi maior que nos animais de Cubatão (P=0,0543), porém não foi possível estabelecermos a correlação entre a altura do epitélio e a área de AgNOR (Gráfico 2).


Gráfico 1. Expressão de AgNOR nas células epiteliais e glândulas mucosas de ratos expostos ou não à poluição atmosférica por 6 meses. Altura Epitelial Média e IC Ubatuba Cubatão


Gráfico 2. Altura epitelial da mucosa nasal de ratos expostos ou não à poluição atmosférica por 6 meses.


DISCUSSÃO

Os efeitos dos poluentes sobre a mucosa nasal dependem de vários fatores como toxicidade, sinergismo, local de metabolização, temperatura, umidade relativa do ar e rota de fluxo aéreo (11). O fluxo aéreo nas cavidades nasais de ratos varia em diferentes regiões. Analisamos as áreas superior média e inferior do septo nasal, avaliando regiões onde este fluxo é variável, reduzindo com isto uma possível interferência desta variável em nossos resultados. Além disto, a área agredida por determinada substância depende de seu local de metabolização (12). É pouco provável que este fator tenha influenciado nossos resultados, uma vez que estes demonstram que as diferenças das áreas de AgNOR não sofreram efeito poluição (diferença entre cidades), ou efeito região (epitélio e glândula). Se houvesse atrofia do local de metabolização dos poluentes (glândulas), teria havido efeito região, porém a redução de expressão de AgNOR ocorreu tanto no epitélio quanto nas glândulas dos animais de Cubatão.

Mesmos em níveis não elevados os poluentes podem causar efeitos deletérios (7), pois a interação entre as substâncias gera novos complexos ainda mais tóxicos (8). A avaliação dos efeitos da poluição atmosférica, quando realizada através de modelos de exposição ao ar ambiente tem a vantagem de associar variáveis como temperatura, umidade relativa do ar e substâncias desconhecidas, tornando este modelo comparável àquilo que realmente estamos expostos. Estas condições são virtualmente impossíveis de serem produzidas em laboratório.

A altura epitelial dos animais de Ubatuba foi menor. Os níveis de poluição atmosférica não foram altos durante o estudo, sendo o PM10 o mais importante, embora não tenha ultrapassado os níveis de atenção (Tabela 1) (5). Alguns dos componentes do PM10 são metais como níquel, capaz de gerar atrofia (6), quando em grandes concentrações. Infelizmente não foi possível a mensuração de sua concentração durante o estudo.

Atrofia epitelial pode ser encontrada também na presença de infecções (13). Vários agentes da poluição facilitam o desenvolvimento de infecções. O SO2 é um deles pois acarreta alterações na função muco-ciliar (8,14). O NO (óxido de nitrogênio) é um gás produzido nas cavidades nasais, responsável pela manutenção dos baixos níveis de bactérias locais (15), sendo sua liberação inibida na presença de PM10 (16). O NO2 é outro agente relacionado a uma maior predisposição às infecções (17). Neste estudo não houve intenção de pesquisar agentes infecciosos nas cavidades nasais dos animais.

Nossos resultados, obviamente não podem ser conseqüência dos efeitos agudos da poluição, uma vez que os animais ficaram expostos por seis meses. Além disto, tais efeitos caracterizam-se por uma inflamação (1,2). Durante a inflamação encontramos aumento de moléculas de adesão, citocinas e outros mediadores inflamatórios (1,2). Todas estas substâncias são proteínas, e para que sejam liberadas, precisam ser sintetizadas, o que seria observado pelo aumento da expressão de AgNOR.

Existem poucos estudos mostrando os efeitos crônicos da poluição sobre as cavidades nasais. Alguns autores (3,4) descrevem uma redução da lesão, sugerindo o desenvolvimento de tolerância, explicada pelo aumento do turnover epitelial, produção de fator secretor, tolerância enzimática ou redução da área susceptível à lesão (3). Inflamação após exposição crônica é descrita, porém apenas depois de provocação nasal em animais previamente sensibilizados (18). BÖHM et al. (5) sugerem uma irritação local, caracterizada pela mudança das células produtoras de muco (neutras para ácidas). Em nosso grupo controle a expressão de AgNOR foi maior, assim sendo, a resposta a esta irritação não foi tolerância, mas sim atrofia.

CONCLUSÃO

A técnica de coloração AgNOR sobre a mucosa do septo nasal de ratos expostos por seis meses a níveis de poluição atmosférica de pólo petroquímico que não alcançaram os índices de atenção mostrou que:
1. A expressão de AgNOR nas células epiteliais foi menor que nas glândulas mucosas.
2. A expressão de AgNOR nas células epiteliais e glândulas dos ratos de Cubatão foi menor que nos do grupo controle.
3. Houve desenvolvimento de atrofia do epitélio nasal.
4. A expressão de AgNOR nas células epiteliais e glândulas mucosas do septo nasal de ratos foi um bom marcador dos efeitos biológicos da poluição atmosférica.

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* Professor Colaborador Médico da FMUSP.
** Chefe do Departamento de Patologia da FMUSP.
*** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.

Trabalho realizado no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Apresentado no II Congresso de Otorrinolaringologia da USP, em São Paulo, no período de 22 a 24 de novembro de 2001, sendo vencedor do prêmio de Melhor Trabalho. Endereço para correspondência: Dr. João Ferreira de Mello Júnior - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP - Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 6o andar - sala 6021 - São Paulo / SP - Brasil - CEP 05403-000 - Telefone: (11) 3088-0299. Artigo recebido em 1º de novembro de 2001. Artigo aceito em 10 de dezembro de 2001.
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