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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 1  - Jan/Mar Print:
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Avaliação Otoneurológica em uma População Exposta ao Metilmercúrio
Neurootologic Evaluation of in a Population Exposed to Methylmercury
Author(s):
Andréa Gomes de Oliveira de Arruda*, Volney de Magalhães Câmara**, Marco Antônio Tavares de Lima***, Débora Silva Teixeira****, Heloísa Pacheco-Ferreira*****.
Palavras-chave:
otoneurologia; vestibulopatias centrais; metilmercúrio.
Resumo:

Andréa Gomes de Oliveira de Arruda*, Volney de Magalhães Câmara**, Marco Antônio Tavares de Lima***, Débora Silva Teixeira****, Heloísa Pacheco-Ferreira*****.

INTRODUÇÃO

Os efeitos tóxicos da intoxicação por mercúrio (Hg) são indiscutíveis. Grandes estudos foram e continuam sendo realizados por diversos pesquisadores nas áreas em que as intoxicações foram identificadas como epidemias (1). No entanto, tais efeitos podem ser observados também devido aos processos de produção e consumo envolvidos na extração do ouro, através da garimpagem, em sujeitos trabalhadores e/ou consumidores de produtos contaminados. O mercúrio é utilizado para formar uma amálgama com o ouro que se encontra sob a forma de pó, sendo depois queimado e liberando o Hg para a atmosfera. A exposição das populações que trabalham ou residem próximo às áreas de garimpo é principalmente através da forma metálica deste metal ou ao metilmercúrio (MeHg), que é uma forma biotransformada e biomagnificada que se precipita nos rios e contamina peixes e outros organismos aquáticos. Nestes, ele se acumula e atinge concentrações maiores que as do ambiente de origem.

Até o início da década de 1990, estimava-se a existência de 1 a 5 milhões de pessoas expostas não-ocupacionalmente ao MeHg. Entre estes se encontram as populações ribeirinhas que consumiam os peixes e populações residentes próximo às lojas que comercializavam ouro. A estimativa da quantidade de mercúrio utilizada na mineração mundialmente é de cerca de 10.000 toneladas/ano, sendo que esta varia de acordo com o valor comercial deste metal e as atividades minerativas também resultam em descargas de mercúrio para a atmosfera (2).

O MeHg é um agente tóxico, sistêmico e, dependendo da dose e do período de exposição, pode afetar vários sistemas e funções do organismo, sendo que o sistema nervoso é o alvo principal em todas as espécies (1). Em humanos adultos, as funções visual e auditiva junto com as áreas cerebrais correspondentes, especialmente o cerebelo, são as funções mais comumente afetadas.

A intoxicação por MeHg tem uma sintomatologia inicial não-específica que inclui parestesias, redução da acuidade visual e queixas de "indisposição". Depois, sinais como contração do campo visual, perda auditiva, disartria, desequilíbrio e ataxia aparecem. Tais sinais e sintomas foram descritos inicialmente durante as epidemias que ocorreram na Baía de Minamata, entre 1953 e 1960, e em Niigata, entre 1960 e 1965, no Japão, ficando tal quadro clínico conhecido como doença de Minamata (3). A prevalência destes efeitos poderia ser esperada para aproximadamente 5% da população adulta após um longo tempo de exposição diária ao MeHg (com ingestões de 3 a 7 mµg/Kg). Poderiam também ser observadas concentrações de 50 a 125 µg/g deste no cabelo neste nível de ingestão. Nos casos mais graves o paciente pode evoluir ao coma e até vir a falecer embora, em outros casos graves, possa ocorrer alguma melhora em cada sintoma, fato associado à compensação funcional do sistema nervoso central (SNC). A intoxicação caracteriza-se ainda por um longo período de latência, usualmente de vários meses, as áreas atingidas no cérebro são focalizadas no córtex visual e na camada granular do cerebelo e os efeitos em casos graves são irreversíveis, devido à destruição de células neuronais (1).

A ingestão de energia varia bastante com a idade e isto faz com que crianças e adolescentes sejam mais vulneráveis a altas ingestões de MeHg (1). Quando ocupacionalmente expostos às substâncias químicas podem ser mais prontamente afetados para as mesmas concentrações do que os adultos, devido aos maiores níveis de absorção por peso corporal, desenvolvimento incompleto dos mecanismos desintoxicantes (4,5), absorção elevada por unidade de peso (gastrintestinal, dérmica e respiratória) e imaturidade da barreira hematoencefálica, favorecendo a lesão do sistema nervoso central (6). Por isso, os períodos da infância e da adolescência devem ser considerados como de grande importância para o desenvolvimento de pesquisas e programas que visem a identificação e prevenção das doenças relacionadas com as atividades produtivas.

Em indivíduos que apresentaram a doença de Minamata, os distúrbios do equilíbrio constituíram achados essenciais para o seu diagnóstico. Nestes, importantes alterações otoneurológicas já foram identificadas, evidenciando os riscos da exposição ao MeHg. Dentre as alterações encontradas, destaca-se a ausência do efeito inibidor da fixação ocular (EIFO) (1).

Nos estudos de follow-up de 35 indivíduos com a doença de Minamata observou-se presença de nistagmo espontâneo em nove indivíduos, desaparecendo em seis indivíduos que apresentaram este tipo de nistagmo à primeira avaliação. Houve ainda em 16 indivíduos, deterioração auditiva. As alterações na prova calórica e teste de equilíbrio corporal foram pouco significativas (7). Foi concluído através deste e de outros estudos de follow-up, que a incoordenação e desequilíbrio encontrados podem ser causados principalmente por lesões no cerebelo (7).

Estudos sobre alterações vestibulares com níveis de exposição reduzidos foram realizados de forma experimental, com macacos, nos quais foi administrada uma dosagem mínima de MeHg (6.1µg/kg) e não foram observadas quaisquer mudanças neurológicas ou histológicas. Entretanto, estes animais e outros que receberam dosagens maiores apresentaram nistagmo espontâneo e de posição como sinais anormais. O nistagmo de posição encontrado foi do tipo ageotrópico, que é considerado como um sinal indicativo de desordens do SNC com lesões centrais ou bilaterais difusas (8). O aparecimento do nistagmo de posição deste tipo e a ausência do EIFO (observada também nos outros animais) são sinais importantes para a obtenção de um diagnóstico precoce, ainda nos primeiros estágios da intoxicação por mercúrio na Doença de Minamata (3).

Neste sentido, esta pesquisa teve como objetivo determinar se a exposição ao MeHg pela dieta a níveis moderados é um fator de risco para o aparecimento de Vestibulopatias Centrais em uma população do Município de Barão de Melgaço, Pantanal Mato-grossense. A população de Barão de Melgaço é de 7.667 habitantes (9), sendo 3.632 habitantes na zona urbana e 4.035 na zona rural. As 10 vilas de pescadores das margens do Rio Cuiabá estão na área rural do município e têm uma população de 1.071 habitantes. São elas: Piúva, Rancharia, Estirão Comprido, Porto Brandão, Porto São João, Cuiabá-Mirim, Porto Emiliano, Flexas, Boca de Conchas e Cangal.

MATERIAL E MÉTODOS

Esta investigação foi realizada por meio da avaliação otoneurológica, constituída por anamnese, avaliação neurológica e exame vestibular, sendo também realizada a análise dos teores de mercúrio no cabelo.

Participaram deste estudo de prevalência 41 ribeirinhos, crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos de idade que residiam nas vilas Boca de Conchas, Cuiabá-Mirim, Porto Brandão ou Estirão Comprido, do Município de Barão de Melgaço, Pantanal Mato-grossense. Ainda como critérios de seleção foram incluídos: residir a uma das quatro vilas mencionadas há mais de seis meses, ter entre 8 e 16 anos, não ter residido em outras localidades próximas a áreas industriais, exposição a fatores pré-natais, perinatais ou pós-natais capazes de determinar neuropatias, tais como doenças infecciosas, tóxicas ou traumatismos, história familiar de doença do sistema nervoso com transmissão genética. Para a realização do exame vestibular, não poderia haver presença de rolha de cerúmen ou perfuração de membrana timpânica. Dentre os 41 submetidos à avaliação otoneurológica, três foram excluídos devido à presença de comprometimentos neurológicos de outras etiologias e um por amostra insuficiente de cabelo. Para o exame vestibular, foram selecionados de forma aleatória, 27 entre estes 41 indivíduos, dos quais quatro foram excluídos devido à presença de rolha de cerúmen.

Os principais procedimentos utilizados na pesquisa incluíram a análise dos teores de mercúrio no cabelo, exame neurológico e avaliação otoneurológica, que incluiu meatoscopia, anamnese e exame vestibular, com o auxílio dos óculos de Frenzel.

A ingestão de peixe varia bastante com a idade e isto faz com que crianças e adolescentes sejam mais expostas ao metilmercúrio (1). De acordo com estudos atualmente conduzidos nesta região pela FNS, a ingesta de peixes é maior nos homens (crianças e adultos) do que nas mulheres. Este fato é culturalmente associado à preocupação das mulheres em período fértil de que tal exposição ofereça riscos a futuras gestações.

As variáveis que foram estudadas correspondem aos dados de identificação, faixa etária, sexo, vila na qual o indivíduo reside, tempo de moradia, freqüência da ingesta de peixes carnívoros e/ou herbívoros, dados da investigação da presença de sinais e sintomas que indiquem comprometimentos vestibulares, aos resultados da avaliação neurológica, exame vestibular e aos teores obtidos das análises de cabelos, que indicam as concentrações de mercúrio no organismo.

Avaliação otoneurológica

O exame neurológico consistiu na avaliação da coordenação, marcha, equilíbrio estático, força muscular, tônus muscular, coordenação, sensibilidade, pares cranianos, fala e memória. A anamnese vestibular incluiu perguntas fechadas padronizadas e perguntas abertas. O exame foi realizado com o auxílio dos óculos de Frenzel com lente de 20 dioptrias, que além de iluminarem os olhos, permitem ampliação dos mesmos, sendo esta uma forma rápida, simples e de baixo custo de avaliação da integridade do sistema vestibular (10). Os indivíduos que foram submetidos ao exame, permaneceram em jejum de três horas antes da realização deste e nenhum deles fazia uso de quaisquer medicamentos que pudessem interferir nos seus resultados.

A meatoscopia foi realizada com a criança sentada, sendo delicadamente contida pelo examinador para que se evitasse qualquer incidente. Algumas crianças menores, permaneceram no colo do responsável pelo qual foram auxiliadas na realização do exame. O exame compreendeu as seguintes provas: pesquisa do NEOA (nistagmo espontâneo de olhos abertos), NSE (nistagmo semi-espontâneo), NVP (nistagmo e vertigem de posição) (11), RO (rastreio ocular) e PC (prova calórica), com a observação da presença ou ausência de EIFO. Na pesquisa do NEOA e do NSE a redução da fixação foi atingida com o auxílio dos óculos de Frenzel (12). A pesquisa do rastreio ocular foi realizada solicitando-se que o indivíduo acompanhasse um pequeno objeto que se deslocava diante dele regularmente, dentro do plano horizontal, depois dentro do plano vertical, a uma distância de 0,60 cm (13). Na prova calórica foram utilizados 50 ml de água a 440 e 300 para irrigar cada orelha, dentro de um período de 10 segundos (10). A ordem das estimulações foi OD 440, OE 440, OE 300 e OD 300 e as respostas analisadas foram obtidas do 310 ao 600 segundo após cada estimulação. A análise desta consistiu na verificação do tipo de reação nistágmica pós-estimulatória.

Análise dos teores de mercúrio no cabelo

Para a avaliação da exposição ao MeHg pela dieta foram analisadas amostras de cabelo do indivíduo exposto. A concentração de mercúrio no cabelo é proporcional à concentração no sangue e uma vez incorporada ao fio, esta concentração não se modifica (14). Amostras de urina não são comumente utilizadas para medir exposições individuais ao MeHg, pois pouca quantidade deste metal é excretada por esta rota.

A análise do mercúrio total no cabelo foi feita por meio da técnica de espectrofotometria por absorção atômica pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Análises de amostras de cabelo representam basicamente a exposição ao metilmercúrio (1).

Os valores de referência em populações não-expostas para concentrações de mercúrio total no cabelo é de 2 mµg/g (14). Populações com concentrações acima de 6 mµg/g podem ser consideradas como expostas (1).

Aspectos éticos

Este estudo, aprovado pelo Comitê de Ética do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC/UFRJ), incorpora os aspectos éticos recomendados pela Resolução 196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e não apresentaram atividades que pudessem ocasionar danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual dos participantes. Portanto, estes tiveram garantia de livre consentimento após total esclarecimento do objetivo e benefícios deste, sendo assinados os termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Contempla a divulgação dos resultados aos sujeitos da pesquisa e ao meio acadêmico e o subsídio de equipes de vigilância ambiental em saúde voltadas para os riscos e efeitos da exposição aos metais.

Análise Estatística

A coleta de dados foi realizada com a utilização de questionários elaborados para a avaliação otoneurológica. Todos os dados foram armazenados e analisados no software EPI INFO 6.04.

RESULTADOS

Os resultados da análise de mercúrio (Hg) total no cabelo mostraram níveis moderados nas crianças e adolescentes do estudo. A média de Hg nos 37 indivíduos submetidos à avaliação otoneurológica foi de 4,34 mµg/g (SD=2,46; mediana: 3,84; amplitude: 0,58-10,56). A Tabela 1 mostra a distribuição da amostra por sexo, faixa etária e níveis de Hg acima ou abaixo de 6 mµg/g. A média dos níveis de Hg entre as meninas foi de 3,22 mµg/g (SD:1,98; mediana:2,80 mµg/g; amplitude: 0,58-7,35 mµg/g) e entre os meninos de 5,80 mµg/g (SD:2,29; mediana:6,01 mµg/g; amplitude: 2,57-10,56 mµg/g). Esta diferença foi estatisticamente significante (p valor = 0,0007). A porcentagem de crianças e adolescentes com níveis acima de 6 mµg/g foi de 29,7%. No exame neurológico não foram encontradas alterações significativas nas provas de equilíbrio e marcha.

Achados Otoneurológicos

Dos 37 indivíduos com investigação de possíveis sinais e sintomas que indicassem comprometimento vestibular, 16 (43,2%) apresentaram queixa de zumbidos, 15 (40,5%) de tontura, dos quais 12 (32,4%) a definiram como rotatória. A Tabela 2 apresenta os sinais e sintomas mais comuns à anamnese. A média de Hg tanto para os que apresentaram queixa de zumbido como para os que se queixaram de tontura foi de 4,34 mµg/g. Alterações nas pesquisas do NE, NSE e NP foram encontradas somente em uma criança; um apresentou NVP; dois VP e um rastreio ocular tipo III (Tabela 3). Sinais indicativos de vestibulopatias centrais foram encontrados em três indivíduos (Tabela 4).


Faixa etária (em anos) N (média Hg <6mµg/g) N (média Hg >=6mµg/g) N
Sexo masculino
Até 12 anos 4 7 11
13 a 16 anos 4 1 5

Sexo feminino
Até 12 anos 15 2 16
13 a 16 anos 3 1 5
Total 26 (70,3%) 11 (29,7%) 37 (100%)

Tabela 1. . Distribuição das crianças e adolescentes estudados por sexo, faixa etária e média de Hg total no cabelo, Barão de Melgaço, Estado do Mato-Grosso, Brasil - 2001.


Sinais e sintomas N %
Zumbido 16 43,2
Tontura 15 40,5
Vertigem 12 32,4
Algiacusia 11 30,6
Alterações da respiração 10 27,8
Plenitude auricular 7 19,4
Vertigem e zumbido 6 16,2
Vertigem e algiacusia 5 13,5
N - número de crianças e adolescentes.

Tabela 2. Sinais e sintomas mais prevalentes obtidos através da anamnese vestibular, por sexo e faixa etária, Barão de Melgaço, Estado do Mato-Grosso, Brasil - 2001.


Pesquisa N %
NE * 1 4,2
NSE * 1 4,2
NVP 1 4,2
NP * 1 4,2
VP2 8,3
Rastreio ocular tipo I ou II 2395,8
Rastreio ocular tipo III 1 4,2

N - número de crianças e adolescentes; NVP - nistagmo e vertigem de posição; NE - nistagmo espontâneo; NSE - nistagmo semi-espontâneo; NP - nistagmo de posição; vp - vertigem de posição; eifo - efeito inibidor da fixação ocular; * - sob os óculos de frenzel.

Tabela 3. Prevalência de achados ao exame vestibular em 23 crianças e adolescentes expostos ao metilmercúrio (MeHg), Barão de Melgaço, Estado do Mato-Grosso, Brasil -


CasosSinaisSintomasMédia de MeHg (mµg/g)Ingesta semanal de peixe
1Presença de nistagmo vertical superior em ambos os olhos com a estimulação da orelha direita a 30º.Zumbido à direita, plenitude auricular e algiacusia. 1,01Não consome peixes
2Presença de nistagmo invertido em ambos os olhos com a estimulação da orelha esquerda a 44º. Vertigens há um ano associadas à cefaléia, náuseas, sudorese, palidez, taquicardia e algiacusia. Há suspeita de perda auditiva, zumbidos e sensação de plenitude auricular à esquerda. 3,8514 vezes
3NE horizontal para direita e NSE bidirecional (sob os óculos de frenzel). Zumbidos em ambas as orelhas e algiacusia. 2,137 vezes

NE - nistagmo espontâneo; NSE - nistagmo semi-espontâneo.

Tabela 4. Prevalência de sinais centrais e sintomas associados à avaliação otoneurológica, média de Hg total no cabelo (mµg/g) e ingesta semanal de peixe em 23 crianças e adolescentes expostos ao metilmercúrio (MeHg), Barão de Melgaço, Estado do Mato-Grosso, Brasil - 2001.


DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostram níveis de Hg acima de 6 mµg/g em 29,7% das crianças e adolescentes, caracterizando uma situação de exposição nas quatro vilas do Município de Barão de Melgaço, Mato-Grosso. Tais níveis mostraram-se superiores entre meninos, fato que pode estar associado a questões culturais, citadas anteriormente, e que podem ocorrer também entre as meninas. Em todas as vilas estudadas, não havia responsáveis pelas crianças e adolescentes que trabalhassem nas áreas de garimpo de onde provêm os vapores de Hg, o que torna o consumo de peixes poluídos, a única fonte de exposição. O consumo semanal deste é elevado, sendo as principais espécies ingeridas o Pacupeva (herbívoro) e a Piranha (carnívoro).

Estima-se que a vertigem infantil corresponda a 1% das queixas nos ambulatórios de Neuropediatria e de 13% nas crianças encaminhadas para avaliação audiológica. Ganança (15) observou em crianças submetidas à avaliação otoneurológica a prevalência de 2,4%, numa faixa etária de 5 meses a 12 anos e acredita-se que este número seja ainda maior, devido às dificuldades de se obter dados de anamnese por parte da criança com tontura. No presente estudo, foram observadas prevalências elevadas de zumbido e tontura, no entanto, são necessários outros estudos para que estes possam ser associados ou não à exposição em questão.

Foram encontrados três casos de vestibulopatias centrais na amostra (13%) porém, um indivíduo referiu que não consumia peixe e nenhum deles apresentou concentrações acima de 6 mug/g de Hg total no cabelo. Tendo em vista que as determinações de mercúrio representam a exposição relativa a um período limitado de tempo e pode não avaliar situações pregressas, não se pode concluir se existe associação entre o aparecimento de vestibulopatias centrais e exposição a níveis moderados de mercúrio, que é este caso. A prevalência elevada de sinais e sintomas como os de zumbido e tontura indica a necessidade de outros estudos com populações ribeirinhas expostas e não-expostas, a fim de investigar a relação destes com a exposição ao MeHg.

CONCLUSÃO

De acordo com os resultados preliminares encontrados na avaliação otoneurológica das crianças e adolescentes desta população, a exposição a níveis moderados de MeHg mostrou uma prevalência significativa de vestibulopatias centrais, embora no presente momento, estes efeitos a saúde ainda não possam ser relacionados como decorrentes da exposição em questão. Todavia, deve-se realçar que os aspectos otoneurológicos constituem algo ainda pouco pesquisado, na presença de exposição moderada ao MeHg em populações ribeirinhas, sendo portanto tais estudos de extrema importância para a investigação da toxicidade deste poluente. Novos estudos longitudinais devem ser realizados para que se possa obter uma avaliação mais precisa dos riscos deste tipo de exposição

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14. World Health Organization - WHO. Environmental Health Criteria 101: Methylmercury, Geneva, 1990.

15. Ganança M. Vertigem tem cura? 1ª ed. São Paulo: Lemos Editorial; 1998.

* Fonoaudióloga e Mestranda do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
** Professor Titular do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina e do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva - UFRJ.
*** Professor Adjunto do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina - UFRJ.
**** Acadêmica do 60 período da Faculdade de Medicina - UFRJ.
***** Professora Adjunta do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina - UFRJ.

Trabalho realizado no NESC, CCS, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no II Congresso de Otorrinolaringologia da USP, em São Paulo, de 22 a 24 de novembro de 2001, vencedor do Prêmio de 2o Melhor Trabalho Científico.
Endereço para correspondência: Fga. Andréa Gomes de Oliveira de Arruda - Rua Carlos Ilidro 266 - Bancários - Ilha do Governador /RJ - CEP: 21910-160 - Telefone: (21) 3474.4707 - Fax: (21)2270-0097 - E-mail: agomes@nesc.ufrj.br Suporte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Artigo recebido em 1º de novembro de 2001. Artigo aceito em 10 de dezembro de 2001.
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