Introdução
Os Otorrinolaringologistas e Cirurgiões de Cabeça e Pescoço que trabalham em íntima colaboração com médicos de Serviços de Emergência, especialmente em Cardiologia e Traumatologia, são freqüentemente solicitados a tratar pacientes com hemorragias nasais de intensidades, causas e origens variadas. Nestas oportunidades são, algumas vezes, obrigados a utilizar procedimentos de exceção para controlar a epistaxe e, dentre estes, a ligadura das artérias etmoidais, associada ou não a outras condutas. Durante a realização destas ligaduras, feitas através de clipes metálicos ou com suturas com fio inabsorvível de acordo com a técnica descrita por MONTGOMERY (1) e HERNANDEZ VALENCIA et al. (2), seria muito oportuno conhecer uma possível relação entre o tamanho da cabeça do indivíduo, o tamanho da órbita e as posições dos forames etmoidais anterior e posterior e do canal óptico na parede medial, já que os mesmos dão passagem aos vasos e nervos etmoidais anteriores e posteriores e ao nervo óptico, estruturas anatômicas que devem ser respeitadas.
A parede medial serve como via de acesso não só às ligaduras vasculares acima descritas, como também à exploração de fraturas da região e outros procedimentos operatórios como: etmoidectomias, descompressão orbitária, esfenoidotomia transetmoidal, correção de fístulas liquóricas, hipofisectomia transetmoidoesfenoidal e exérese de neoplasias e malformações vasculares da região (3,4).
Hoje em dia, portanto, a atividade cirúrgica em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço atravessa regularmente a órbita, surgindo a necessidade de uma descrição pormenorizada das inter-relações anatômicas da região. Além disso, as mais perigosas complicações da cirurgia sinusal são as alterações visuais e as hemorragias intraorbitárias (5). A perfeita compreensão da anatomia intraorbitária, do nervo óptico e da parede medial orbitária é um pré-requisito para o planejamento cirúrgico. De acordo com EDELSTEIN et al., a incidência de lesão da órbita e sangramento profuso associado à cirurgia do etmóide posterior e esfenóide varia de 2% a 21% (5). À medida que a cirurgia endoscópica endonasal torna-se mais freqüentemente utilizada pelos especialistas, o potencial para lesão da órbita aumenta.
As paredes ósseas representam um guia operatório importante na órbita. As medidas das distâncias entre as estruturas tornaram-se a base para a abordagem criteriosa, segura e eficiente e, portanto, para o sucesso cirúrgico.
Classicamente, a parede medial é considerada grosseiramente oblonga. Consiste de quatro ossos unidos por suturas (Figura 1): (a) processo frontal da maxila, (b) osso lacrimal, (c) lâmina orbitária do etmóide (lâmina papirácea), e (d) pequena parte do corpo do esfenóide. A maior parte da parede óssea é constituída pela fina, quase transparente lâmina papirácea (0,2 a 0,4 mm) com os ossos lacrimal e esfenóide respectivamente situados anterior e posteriormente a ela (6,7).
Nesta parede medial, de acordo com RONTAL et al. (8), são elementos anatômicos importantes a crista lacrimal anterior, a crista lacrimal posterior, o forame etmoidal anterior, o forame etmoidal posterior e o canal óptico (Figura 2). Os forames etmoidais anterior e posterior abrigam vasos e nervos do mesmo nome, embora o nervo etmoidal posterior esteja freqüentemente ausente (7).
Diante dos motivos acima citados e da escassa literatura sobre o assunto, este trabalho foi realizado com o objetivo de determinar se:
1. O tamanho geral do crânio tem relação com o tamanho da órbita.
2. O tamanho da órbita influencia nas distâncias entre as estruturas da parede medial.
3. O tamanho geral do crânio tem relação com as distâncias intraorbitárias na parede medial.
Materiais e Métodos
Foram analisados 20 crânios adultos pertencentes ao Departamento de Anatomia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à coleção do Professor Jair Ramalho. Todos apresentavam-se íntegros e com preservação de ambas as paredes mediais orbitárias.
Através de compassos de espessura foram obtidos os seguintes diâmetros de todos os crânios, como descrito na literatura (6,9-12).
1. O diâmetro anteroposterior máximo (DAM), ou seja, a distância que vai da glabela ao opistocrânio, glabela sendo o ponto mais saliente acima da raíz do nariz, correspondente ao meio de uma linha tangente às arcadas orbitárias e opistocrânio o ponto que, na parte posterior do crânio, mais se afasta da glabela, podendo algumas vezes coincidir com o ínio (protuberância occipital externa), sendo mais freqüentemente acima deste.
2. O diâmetro transverso máximo (DTM), ou seja, a distância entre os dois êurios (pontos mais salientes das bossas parietais).
3. O diâmetro basilo-bregmático (DBB), ou seja, a distância do básio ao bregma, o básio sendo o ponto antropométrico situado no meio do rebordo anterior do buraco occipital e o bregma, o ponto de encontro das suturas sagital e coronal.
Com estas medidas iniciais, obtivemos o índice craniano (IC) e o índice vertical do crânio (IVC) (9-12), sendo Índice craniano = DTM x 100 / DAM e Índice vertical do crânio = DBB x 100 / DAM.
Tomando-se como base estes valores, classificamos os crânios primeiramente quanto ao índice craniano (6) em: 1. dolicocéfalos (doli) (IC < 75); 2. subdolicocéfalos (subd) (IC de 75,01 a 77,77); 3. mesaticéfalos (mesa) (IC de 77,78 a 80); 4. sub-braquicéfalos (subbra) (IC de 80,01 a 83,33); 5. braquicéfalos (braqui) (IC > 83,34).
Quanto ao índice vertical do crânio (6), a classificação foi: 1. platicéfalos (plati) (IVC < 70); 2. ortocéfalos (orto) (IVC de 70,1 a 75); 3. hipsicéfalos (hipsi) (IVC > 75).
Em seguida, utilizando um paquímetro digital Mitutoyo® Digimatic Caliper 500-196 modelo CD-6 CS, obtivemos as medidas dos diâmetros orbitários horizontal (DOH) e vertical (DOV) de cada uma das 40 órbitas dos 20 crânios, sendo que o DOH é a distância que vai do dácrio até a borda lateral da órbita (dácrio: ponto de encontro das suturas maxilo-lacrimal e fronto-lacrimal; já o DOV é a distância máxima entre a borda superior e a borda inferior da órbita, perpendicular à linha da largura. Com estas duas medidas acima calculamos o índice de Broca (índ. de Broca) (6,9-14), sendo Índ. de Broca = DOV x 100 / DOH.
De acordo com os resultados as órbitas foram divididas em: grandes (índ. de Broca > 89), médias (índ. de Broca de 89 a 83) e pequenas (índ. de Broca < 83).
Através de estiletes com ponta reta ou angulada, realizamos medidas na parede medial orbitária tomando sempre como referência a crista lacrimal anterior, presente em todas as órbitas (Figura 2). A partir desta referência medimos as seguintes distâncias (Figura 3): 1. da crista lacrimal anterior à crista lacrimal posterior: medida A; 2. da crista lacrimal anterior ao forame etmoidal anterior: medida B; 3. da crista lacrimal anterior ao forame etmoidal posterior: medida C; 4. da crista lacrimal anterior à face medial do canal óptico: medida D. Por subtração simples, obtivemos as últimas distâncias: 5. entre os forames etmoidais anterior e posterior: medida E; 6. entre o forame etmoidal posterior e a face medial do canal óptico: medida F.
Figura 1. Ossos constituintes da parede medial da órbita.
Figura 2. Estruturas da parede medial da órbita.
Figura 3. Medidas A, B, C, D, E e F na parede medial da órbita.
Todas as medidas foram expressas em até décimos de milímetro.
Foi realizado tratamento estatístico dos dados utilizando-se o teste T e o índice de correlação de Pearson, através de análise computadorizada com o programa SPSS versão 8.0, sendo considerados estatisticamente significativos os valores de p < 0,05.
Resultados
De acordo com o índice craniano, obtivemos oito subdolicocéfalos, oito dolicocéfalos, quatro mesaticéfalos (ou mesocéfalos) e nenhum braquicéfalo.
Já com relação ao índice vertical do crânio, encontramos 17 hipsicéfalos (ou hipsocéfalos), dois platicéfalos e um ortocéfalo.
Quanto ao índice de Broca, encontramos 25 órbitas grandes, 11 órbitas médias e quatro órbitas pequenas.
Quanto às medidas na parede medial orbitária, encontramos em duas órbitas de dois crânios diferentes a presença de um forame etmoidal intermediário. Todos os crânios analisados tinham os forames etmoidais anterior e posterior situados na linha de sutura fronto-etmoidal.
Não houve diferença significativa entre as várias medidas orbitárias direitas e esquerdas. Entretanto, houve grande correlação entre as várias medidas cada lado (p < 0,001). Assim, não houve diferença entre as órbitas, indicando que cada uma delas poderia ser considerada como uma entidade independente.
Por outro lado, o gráfico de dispersão entre o índice de Broca e o índice craniano mostrou que não houve correlação entre os mesmos (p = 0,980), do mesmo modo que também não houve correlação daquele índice com o índice vertical do crânio (p = 0,367).
Não houve correlação das medidas intraorbitárias (de A a F) com o índice craniano, com o índice vertical do crânio e com o índice de Broca (Tabela 1), o que significa que a forma do crânio e a forma da órbita não se correlacionam com as medidas intraorbitárias.
Discussão
Com a observação atenta da literatura verificamos que a parede medial da órbita é uma região ignorada tanto por otorrinolaringologistas quanto por oftalmologistas e neurocirurgiões, apesar de ser abordada freqüentemente por estes especialistas. Este é um fato digno de nota já que o conhecimento das estruturas da área é bastante importante para o êxito dos muitos procedimentos operatórios que a abordam.
Optou-se pela utilização de crânios secos no presente estudo porque as dissecções operatórias das paredes orbitárias são realizadas bem próximas ao osso, ou seja no subperiósteo. A primeira dificuldade foi a coleta do material para análise: para incluir 20 crânios preservados, foram analisados mais de 120 espécimes, pois a primeira região a ser destruída era justamente a parede medial orbitária, dada à ínfima espessura da porção orbitária da lâmina papirácea.
Como nosso objetivo era analisar as dimensões cranianas e orbitárias em crânios adultos, independente de sexo ou raça, os mesmos não foram considerados.
Nossa primeira preocupação foi utilizar um tipo de medida de crânio e órbita que fosse considerada padrão. TESTUT (6), TESTUT; JACOB (9), BAPTISTA (10) e PEREIRA; ALVIM (12) referem o índice craniano e o índice vertical do crânio como uma maneira de padronizar os crânios quanto às suas dimensões. O índice vertical do crânio não pode ser utilizado in vivo, visto que o básio está situado no meio do buraco occipital, o que inviabiliza sua mensuração. O índice vertical do crânio foi por nós referido apenas para saber se haveria alguma relação do mesmo com as medidas intraorbitárias. O índice craniano corresponde, no vivo, ao índice cefálico, que é obtido rebaixando-se em média um a dois pontos do índice craniano (10,11) devido à presença do tecido mole.
Quanto a este índice, nossos achados mostraram oito subdolicocéfalos, oito dolicocéfalos e quatro mesaticéfalos (nenhum braquicéfalo) de acordo com a classificação de TESTUT; JACOB (9). MARONE, em 1962, utiliza uma classificação mais simples: dolicocéfalos, mesocéfalos (ou mesaticéfalos) e braquicéfalos (15). Não a aproveitamos por acreditar que a maior diversidade de tipos de crânio poderia fornecer alguma correlação das outras medidas com os mesmos. É interessante que OLIVIER (1965), em sua obra "Anatomie Anthropologique", relata que a evolução da raça humana passa por uma braquicefalização progressiva dos crânios, visto que os homens primitivos eram dolicocéfalos (11).
Quanto à padronização das dimensões orbitárias, a maioria dos autores cita o índice de Broca como um marco na antropometria orbitária (6,9-14). PEREIRA; ALVIM (12), embora também utilizem o índice orbitário, definem a largura e a altura orbitárias de forma diversa. Preferimos, então, seguir a norma aceita pela maioria dos autores.
Uma vez que os parâmetros para a quantificação e qualificação das dimensões cranianas e orbitárias estavam definidos, restava estabelecer os padrões das medidas intraorbitárias.
A exigüidade de textos sobre o assunto realmente nos espantou. Começamos pelos textos clássicos de anatomia (6,7,9,10), passamos por textos de Cirurgia Plástica (16), por descrições anátomo-cirúrgicas especializadas (17) e nada encontramos em termos de detalhes anatômicos em profundidade da parede medial. Todos falam da órbita como um todo, constituição de suas paredes, descrição dos acidentes anatômicos da parede medial e suas relações com as regiões vizinhas, porém sem especificar suas posições. Como o número de complicações orbitárias e intracranianas decorrentes de afecções sinusais era muito grande na primeira metade do século XX, deduzimos que os trabalhos da época detalhariam minuciosamente a anatomia da parede medial. Novamente, uma grande frustração. Os trabalhos de SCHAEFFER (1910 e 1916) analisam cuidadosamente a configuração e o desenvolvimento dos seios maxilar e frontal (18,19) e o ducto nasofrontal, mas em nenhum momento falam sobre a órbita. Da mesma maneira MOSHER(1929) (20) empreende uma tarefa hercúlea, descrevendo nos mínimos detalhes a intrincada anatomia etmoidal, referindo-se à parede medial orbitária ao final do trabalho através de um desenho de Allmann, seu aluno, com algumas medidas anotadas de forma descompromissada. DIXON (1937) (21) faz uma análise profunda a respeito da anatomia do seio esfenoidal e em nenhum momento menciona quaisquer relações orbitárias, enquanto VAN ALYEA (1951) (22) discorre sobre a anatomia, fisiopatologia e características clínicas e cirúrgicas de todas as cavidades paranasais, citando as complicações orbitárias, mas nunca abordando os limites orbitários.
Na literatura oftalmológica, JONES (1970) (23) com grande experiência em cirurgia orbitária, aborda os vários acessos cirúrgicos utilizados na região, porém não enfatiza os pontos de referência para tais acessos. VAUGHAN et al. (1973) (24) citam as complicações orbitárias de origem sinusal analisando-as sob o ponto de vista oftalmológico, porém sem maiores explicações. DE SANTIS et al. (1984) (25) analisam 243 órbitas de crânios adultos, discorrendo sobre o posicionamento das artérias e nervos etmoidais em seu trajeto intraorbitário mas, chegando à parede medial, apenas citam que os mesmos a atravessam para chegar ao seio etmoidal. Os autores também admitem que existem poucos trabalhos sobre as relações anatômicas daqueles vasos e nervos à medida que os mesmos se aproximam da parede medial. Os livros e artigos de técnica operatória especializada (1,2) também limitam-se a descrever a técnica empregada para ligadura dos vasos etmoidais sem nem mesmo especificar sua profundidade no campo operatório. EDELSTEIN et al. (1991) (5), discorrendo sobre a anatomia cirúrgica empregada nas operações endoscópicas das cavidades paranasais posteriores, falam sobre a artéria etmoidal anterior alertando que sua porção mais perigosa para o cirurgião é o ponto onde ela sai da órbita e penetra na lâmina papirácea; mesmo com este alerta, não entram em detalhes sobre a posição deste ponto por eles considerado tão perigoso. Também a literatura neurocirúrgica é pobre: BRET et al. (1986) (4) descrevem a técnica de ligadura intraorbitária bilateral das artérias etmoidais para a exclusão de uma malformação arteriovenosa da goteira olfativa, assinalando inclusive a importância destas ligaduras nas operações para exérese de meningiomas da foice do cérebro. Entretanto, sua descrição falha no que tange à localização das ditas artérias na parede medial da órbita.
Figura 4. Comparação entre nossas medidas (linha mais escura) e as de Caliot et al (linha mais clara). Atentar para a angulação entre as mesmas, verificando-se sua similaridade.
Os poucos autores que escreveram sobre o assunto adotam a crista lacrimal anterior como ponto de referência principal da parede medial, já que ela está sempre presente (3,8,26). Já CALIOT et al. (1995) (27) traçam uma linha que une os forames etmoidais anterior e posterior e a prolongam em direção à margem orbitária, definindo um ponto que corresponderia a um prolongamento superior da crista lacrimal anterior. Comparando este trabalho com o de BRETAN et al. (1992) (28) verificamos que é, aproximadamente, a mesma referência que estes autores utilizam. Como usamos a porção média da crista lacrimal, fizemos algumas medidas comparativas em cinco crânios e verificamos não haver diferenças significativas entre nossos resultados e os dos autores acima (Figura 4).
KIRSCHNER et al. (1961) (29) usam o ponto de junção entre os ossos lacrimal, frontal e processo frontal da maxila como referência. Na nossa amostragem e na de RONTAL et al. (1979) (8), esta sutura fronto-maxilo-lacrimal nem sempre era visível no crânio adulto, o que, de certa forma, inviabilizaria nosso estudo.
Já DANKO et al. (1998) (30) usam como referencial a margem orbitária que, embora muitas vezes possa se confundir com a crista lacrimal anterior, torna suas medidas diferentes das nossas. Além disso, apenas calcula a distância segura de dissecção até as partes moles do ápice orbitário, não definindo as estruturas abordadas. Apesar de um bom estudo estatístico, seus dados não têm como ser comparados com os nossos.
Uma vez definido o referencial para medição na parede medial, outro dilema surgiu: como realizar as medições? KIRSCHNER et al. (29) utilizam régua milimetrada, RONTAL et al. (8) usam paquímetro e régua de metal, CALIOT et al. (27) preferem fitas de papel milimetrado, BRETAN et al. (28) não relatam a metodologia e DANKO et al. (30) utilizam um estilete reto para medida indireta. Concordamos com estes últimos em que a introdução de paquímetros e réguas no interior da órbita pode originar medidas precisas, mas não parece conveniente e prático. MARONE (15) usa nas suas medições do canal nasofrontal estiletes de piaçaba.
Na tentativa de realizar as medidas da maneira mais precisa possível, idealizamos dois instrumentos que, na prática, foram de manuseio complicado, sendo realmente melhor e mais precisa a medição indireta com estiletes retos e angulados como relatado em Material e Métodos.
Quanto às medidas propriamente ditas, assim como RONTAL et al. (8) e McQUEEN et al. (26), não encontramos diferenças estatisticamente significativas entre as medidas das órbitas direita e esquerda.
Em duas órbitas de crânios diferentes, encontramos um arranjo de três forames (forame etmoidal intermediário), correspondendo a 5% das órbitas estudadas. KIRSCHNER et al. (29) relatam a existência de espécimes da sua casuística com múltiplos forames, mas não dizem em que porcentagem; também falam que em três casos havia apenas um único forame. RONTAL et al. (8) observam que 25% de sua amostra tinham mais de um forame posterior ao forame etmoidal posterior, portanto, arranjos de três ou mais forames, e apenas uma órbita com um único forame (2%). CALIOT et al. (27) relatam a presença do arranjo clássico de dois forames em 81% da sua amostra, um único forame anterior em 2%, três forames em 16,5%, e quatro forames em apenas um caso. Nos casos de existência de três forames, especulam quanto à existência de uma artéria etmoidal média que por ali passaria. BRETAN et al. (28) não comentam o assunto. McQUEEN et al. (26) falam na presença destes forames intermediários, mas a eles dedicam pouca atenção.
Outro aspecto interessante de nosso estudo foi constatar que todos os forames etmoidais estavam situados sobre a linha de sutura fronto-etmoidal, discordando de outros autores. Para KIRSCHNER et al. (29), 68% posicionam-se sobre a linha de sutura e 32% discretamente acima do forame etmoidal anterior (1 a 4 mm). McQUEEN et al. (26) falam em 96% na linha de sutura e 4% levemente acima (1,3 a 3,6 mm).
A grande variação entre os resultados obtidos pelos diversos autores está na Tabela 2, o que pode ser justificado por diferentes metodologias e pela utilização de vários pontos de referência especialmente no que concerne às medidas A, B, C e D. Entretanto, apesar da maioria declarar a utilização de métodos estatísticos na análise dos resultados, apenas McQUEEN et al. (26) apresentam desvios padrão para as medidas, o que impossibilita a comparação dos resultados com os demais autores. As medidas do estudo brasileiro de BRETAN et al. (28) guardam alguma similaridade com as nossas, especialmente as medidas A e B.
Tabela 1. Valores de p na comparação entre a medidas intraorbitárias e os índices craniano, vertical do crânio e de broca.
Tabela 2. Síntese das medidas (mm) realizadas pelos diversos autores.
A metodologia de mensuração mais semelhante à nossa foi a utilizada por McQUEEN et al. (26) que também são os únicos a apresentarem resultados estatisticamente comparáveis. Em nosso estudo, as medidas tinham pouca variabilidade em geral; apenas as medidas E e F apresentavam uma variabilidade em relação à média de 25% e 38,43% respectivamente. Com relação à variabilidade do estudo de McQUEEN et al. (26) seus valores são comparáveis aos do nosso trabalho, exceto a medida F, cujo coeficiente de variação de 24,48% é menor que o nosso. Isto talvez possa ser justificado pela grande variabilidade anatômica na região.
CALIOT et al. (27) foram os únicos autores que se preocuparam em estabelecer as relações entre as dimensões do crânio e as medidas intraorbitárias. Entretanto, estes autores utilizam um índice craniométrico por eles idealizado e não universalmente aceito. Mesmo assim, não conseguem demonstrar relação entre ambos os fatores. Quanto às relações entre a forma da órbita e as medidas realizadas na parede medial não conseguimos encontrar quaisquer referências na literatura.
Finalizando, ressaltamos a importância da crista lacrimal anterior como ponto de referência sempre constante para a dissecção segura da parede medial, embora seja necessária a análise caso a caso para o sucesso operatório.
Conclusões
De acordo com os resultados apresentados e com a análise estatística descrita anteriormente, concluímos que:
1. O tamanho geral do crânio, expresso pelo índice craniano e pelo índice vertical do crânio, não teve relação com o tamanho da órbita, expresso pelo índice de Broca.
2. O tamanho da órbita, expresso pelo índice de Broca, não teve relação com nenhuma das várias medidas realizadas na parede medial da mesma.
3. O tamanho geral do crânio, expresso pelos índices craniano e vertical do crânio, não teve relação com as medidas realizadas na parede medial da órbita.
Em suma, a localização dos acidentes anatômicos da parede medial orbitária não guardou qualquer relação com a forma e o tamanho do crânio e da órbita, sendo necessária uma exploração cirúrgica cuidadosa em todos os casos, já que não foi possível prever-se sua posição.
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* Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Municipal de Ipanema.
Trabalho realizado na Disciplina de ORL da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Trabalho vencedor de Menção Honrosa durante o II Congresso de Otorrinolaringologia da USP, em São Paulo, realizado de 22 a 24 de novembro de 2001.
Endereço para correspondência: Rua Aperana 125 / Apto. 301 - Rio de Janeiro / RJ - CEP 22450-190 - Telefax: (21) 2541-9098 - E-mail: crisatherino@alternex.com.br
Artigo recebido em 1º de novembro de 2001. Artigo aceito em 10 de dezembro de 2001.