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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Original Article
Alterações Estruturais Mínimas da Cobertura das Pregas Vocais em Crianças
Vocal Fold Cover Minor Structural Alterations in Children
Author(s):
Erich Christiano Madruga de Melo*, Osiris Camponês de Oliveira Brasil**, Danielly Madruga de Melo***, Nicolai Maximo Leventi****, Lupércio Luz Brito****.
Palavras-chave:
disfonia, crianças, laringe.
Resumo:

Introdução: As alterações estruturais mínimas da cobertura das pregas vocais (AEMC) caracterizam-se por desarranjos histológicos indiferenciados ou diferencidos que prejudicam o ciclo vibratório. Objetivo: Avaliar a incidência destas lesões nos exames de videolaringoscopia de crianças com queixas vocais realizados no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Casuística e Método: Estudo retrospectivo, analisando 32 exames de videolaringoscopia de crianças realizadas neste serviço, no período de julho de 2000 a julho de 2001. No levantamento realizado, apresentou interesse especial a incidência quanto à idade e ao sexo, o tipo de lesão laríngea (isolada ou associada), a coaptação glótica e a presença de sinais sugestivos de refluxo gastresofágico (RGE). Resultados: Foram identificadas 12 crianças (37,5%) portadoras de AEMC, tendo todas o diagnóstico de cisto de prega vocal. As crianças apresentaram idade variando de 10 a 13 anos, com média de 12 anos. Não houve correlação da lesão com o gênero da criança. A lesão mais comum associada ao cisto foi a vasculodisgenesia e a fenda glótica mais encontrada foi do tipo irregular. Não foram encontrados sinais sugestivos de RGE nos pacientes com AEMC. Conclusão: As AEMC foram responsáveis por mais de um terço dos casos de disfonia nas crianças avaliadas neste estudo, sendo o cisto de prega vocal a lesão mais comum.

Introdução

As alterações vocais são afecções de grande prevalência na população pediátrica. Dentre os diversos estudos realizados em crianças em idade escolar, podemos citar Pont (1965) (1), que encontrou uma prevalência de 9,1%; Baynes (1966) (2), 7%; Senturia & Wilson (1968) (3), 6%; Silverman & Zimmer (1974) (4), com a prevalência mais elevada, 23,4%; Yari e col. (1974) (5), com 13% de rouquidão aguda e 5% de rouquidão crônica; e Warr-Leeper e col. (1979) (6), com 7% de prevalência de disfonia infantil.

Apesar dos nódulos vocais ainda serem as lesões mais comumente implicadas na disfonia infantil (7-11), diversas outras causas adquiridas e congênitas podem ser implicadas na gênese da rouquidão na criança. Trabalhos recentes mostram a importância das alterações estruturais mínimas (AEM), especialmente do cisto epidermóide, em crianças com queixas de disfonia (12).

As AEM são pequenos desvios anatômicos ou pequenas alterações na configuração estrutural da laringe, que podem ou não ter impacto sobre a voz (7), sendo consideradas dessaranjos estruturais ocorridos na embriogênese. As AEM podem ser classificadas em quatro categorias: assimetrias laríngeas, fusão posterior incompleta, desvios na proporção glótica e alterações estruturais mínimas da cobertura das pregas vocais (AEMC) (7). As AEMC caracterizam-se por desarranjos histológicos indiferenciados ou diferenciados, que prejudicam o ciclo vibratório. Dentre as AEMC diferenciadas temos: sulco vocal, cisto epidermóide, ponte de mucosa, microdiafragma laríngeo e vasculodisgenesia (9).

O presente estudo tem o objetivo de avaliar a incidência das AEMC nos exames de videolaringoscopia de crianças com queixas vocais, realizados no Setor de Laringologia do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, no período de um ano.

Casuística e Método

Casuística

Foram avaliados retrospectivamente todos os exames de videolaringoscopia de crianças com queixas vocais, realizados no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, durante o período de um ano, de julho de 2000 a julho de 2001.

A amostra foi composta por 32 exames, sendo 16 meninos e 16 meninas, com idade variando de três a 13 anos, com média de nove anos.

Método

Os exames foram realizados por um dos médicos pesquisadores, durante a emissão sustentada das vogais "e" e "i", sendo revisto juntamente com todos os pesquisadores.

Para a videolaringoscopia foram utilizados os seguintes equipamentos:

• telescópio de laringe rígido de 7,0 mm de 70º (RICHARDS WOLF);

• nasofibrolaringoscópio flexível de 3,2 mm (OLYMPUS ENF Type P3);

• fonte de luz Hi-light 250 watts (RICHARDS, SMITH+NEPHEW);

• micro-camêra (RICHARDS WOLF, 5511 1CCD ENDOCAM);

• videocassete (SEMP, X682);

• monitor de vídeo (SONY HR, TRINITON PVM 145 3MD);

• microfone (LENON ML8).

Os exames videolaringoscópicos foram realizados sob anestesia tópica com lidocaína 10%, tendo-se utilizado o telescópio nas crianças colaboradoras e o nasofibroscópio nas demais. Todos os exames foram registrados em fita VHS.

Os diagnósticos clínicos foram baseados na impressão visual das lesões, sendo os nódulos vocais caracterizados como uma lesão de massa exofítica, bilateral, simétrica em localização, mas não necessariamente em tamanho, mais ou menos flexível, com certa mobilidade durante a emissão vocal. Foi considerado como cisto epidermóide a lesão intra-cordal, uni ou bilateral, podendo ser assimétrica em localização e tamanho, mais rígida e com menor mobilidade durante a emissão vocal. A fonação inspiratória também foi utilizada na caracterização das lesões.

Os parâmetros avaliados foram: tipo de lesão (isolada ou associada), coaptação glótica e presença de sinais sugestivos de refluxo gastresofágico (RGE) - edema retrocricóide, espessamento de mucosa interaritenóidea, hiperemia de região de cartilagens aritenóideas, úlcera e/ou granuloma de região posterior.

Resultados

Dos 32 exames avaliados neste estudo, 16 eram de crianças do sexo masculino (50%) e 16 do feminino (50%), com idade variando de três a 13 anos, com média de nove anos.

Dezoito crianças foram identificadas como portadoras de nódulos vocais (56,25%), 12 de cisto epidermóide (37,5%); duas crianças apresentaram o diagnóstico de lesão nodular inespecífica (06,25%).

Das 12 crianças portadoras de cisto epidermóide, seis (50%) eram do sexo masculino e seis (50%) do sexo feminino, com idade variando de 10 a 13 anos, com média de 12 anos. Em 10 (83%) casos, o cisto apresentava-se como uma lesão isolada e em dois (17%), a lesão estava associada à presença de vasculodisgenesia na mesma prega vocal. Quanto a coaptação glótica, 10 (83%) das crianças apresentavam fenda glótica, sendo oito (67%) do tipo irregular e duas (17%) fenda em ampulheta. Não encontramos sinais sugestivos de RGE em nenhuma criança com o diagnóstico de cisto de prega vocal. A Figura 1 mostra a videolaringoscopia de um paciente de 12 anos de idade, portador de cisto epidermóide de prega vocal esquerda.


Figura 1. Cisto epidermóide de prega vocal esquerda em paciente de 12 anos de idade.


Discussão

O exame da laringe infantil não é fácil, sendo necessário inicialmente ganhar a confiança e cooperação da criança. Nos últimos anos, a utilização de fibras ópticas facilitou sobremaneira este exame, permitindo também realizar diagnósticos mais precisos.

Os nódulos vocais são considerados a principal causa de alteração vocal em crianças e adolescentes (7-11). Sua presença determina uma série de alterações na fisiologia da dinâmica fonatória, como vibrações aperiódicas e irregulares das pregas vocais, devido ao desequilíbrio entre as forças mioelásticas da laringe e as forças aerodinâmicas pulmonares (7).

A laringe infantil geralmente apresenta nódulos maiores, onde as pregas vocais terão dificuldade em realizar uma coaptação completa à fonação, havendo escape de ar não sonorizado, o que, por sua vez, poderá levar a uma tentativa de compensação através do aumento de tensão muscular e de intensidade vocal, levando a voz do tipo rouco-soprosa (7,12).

Vários estudos apontam que o nódulo é a lesão responsável por 38 a 78% das disfonias crônicas em crianças (15). Entretanto recentes estudos vêm mostrando a importância das AEMC, em especial dos cistos epidermóides, como responsáveis pela disfonia infantil. Freitas et al. (2000), em estudo de 49 pacientes, descrevem uma prevalência de 36,7% de AEM em crianças com queixas vocais, sendo o cisto epidermóide a lesão mais comum.

As AEMC foram a segunda causa de disfonia em nossa casuística, ocorrendo em 12 crianças (37,5%), sendo o cisto epidermóide a lesão mais freqüente.

Sarfati e Auday (1996) encontraram uma prevalência de cisto epidermóide em 29% de 45 crianças estudadas. Já Danoy et al. (1990) citam-na como 20%.

Freitas et al. (2000), Leqoc e Drape (1996) descrevem os problemas de voz entre crianças antes da muda vocal como mais comuns no sexo masculino, diferentemente do observado em nosso estudo, onde a idade variou de 10 a 13 anos, com média de 12 anos, não sendo observado diferença na prevalência quanto ao sexo.

Em 10 crianças com cisto epidermóide (83%), a lesão apresentava-se isolada e apenas em dois casos (17%) estava associada a vasculodisgenesia, que ocorre quase sempre associada a outras lesões e aparece nas regiões de maior alteração das camadas da lâmina própria (7). Quanto à coaptação glótica, em 10 casos (83%) observamos fenda glótica, sendo oito (67%) do tipo irregular, o que apesar de não configurar nenhum ajuste muscular associado a esta lesão, é mais observado em casos de disfonia orgânica (7).

O cisto epidermóide é também chamado de cisto profundo, cisto de inclusão epitelial, ou simplesmente cisto (7), sendo uma alteração estrutural mínima da cobertura da prega vocal, considerada um desvio embriogenético (9).

O cisto corresponde a uma cavidade fechada, localizada profundamente no interior da prega vocal, em geral na camada superficial da lâmina própria da prega vocal, sendo recobertos por epitélio escamoso estratificado e apresentam-se geralmente aderidos às fibras elásticas e colágenas do ligamento vocal.

O cisto pode ser erroneamente diagnosticado como nódulo, principalmente quando bilateral, devido à semelhança de seu aspecto macroscópico e região de localização. Cornut e Bouchayer (1984) mostram a importância e dificuldade do diagnóstico diferencial entre estas duas lesões, sendo em alguns casos, somente possível durante a exploração cirúrgica das pregas vocais. Os autores descrevem que os cistos epidermóides são responsáveis por 20% dos nódulos vocais operados.

Segundo Priston (1998), o cisto epidermóide em crianças, especialmente do sexo masculino, deve ser tratado cirurgicamente a fim de evitar sua ruptura na muda vocal e transformação num sulco adquirido, com piora acentuada da qualidade vocal.

Encontramos sinais sugestivos de RGE em apenas uma criança com diagnóstico de nódulo e em nenhuma com diagnóstico de cisto. Estes achados não correspondem aos dados recentes da literatura (19-22). Contencin et al. (1999) diagnosticaram a presença de RGE por pHmetria em 59% de 17 crianças com disfonia crônica. Em 1997, os mesmos autores já haviam identificado a presença de RGE por pHmetria em 64% de 20 crianças com disfonia crônica.

Conclusões

A videolaringoscopia de crianças com queixa vocal evidenciou que os nódulos vocais foram as lesões mais freqüentes. Entretanto, as alterações estruturais mínimas da cobertura das pregas vocais apresentaram também grande prevalência como responsáveis pela disfonia infantil, em especial os cistos epidermóides.

Referências Bibliográficas

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* Médico Colaborador da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
*** Fonoaudióloga do Curso de Especialização em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
**** Médico residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo

Trabalho desenvolvido no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
Apresentado no II Congresso de Otorrinolaringologia da USP, em São Paulo-SP, 22 a 24 de novembro de 2001.
Endereço para correspondência: Dr. Erich Christiano Madruga de Melo - Rua Tte Gomes Ribeiro, 30 - Apto 143 - São Paulo / SP - CEP: 04038-040 - Telefone: (11) 5579-5314 / 9408-0554 - E-mail: erichmelo@uol.com.br
Artigo recebido em 13 de dezembro de 2001. Artigo aceito em 28 de março de 2002.
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