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Ano: 2002  Vol. 6   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Sarcoma Granulocítico de Seio Maxilar na Leucemia Mielóide Aguda. Relato de Caso e Revisão da Literatura
Granulocytic Sarcoma of the Maxilary Sinus in Acute Myelocytic Leukemia. Case Report and Literature Review
Author(s):
Sindeval José Silva*, Douglas Marra de Moraes*, Arnaldo Morais da Silva**, Sávio Moraes*, Paulo Ricardo R. M. Costa*, Gustavo Travaglia Santos***, Lécio Figueira Pinto***, Lucas Gomes Patrocínio***, Túlio Augusto A. Macedo****.
Palavras-chave:
sarcoma granulocítico, cloroma, seio maxilar, leucemia mielóide aguda.
Resumo:

Introdução: Sarcoma granulocítico (SG) ou cloroma é uma rara manifestação extramedular da leucemia mielóide aguda (LMA). Sua ocorrência no seio maxilar é extremamente rara. Objetivo: Descrever um caso de paciente com LMA que se manifestou inicialmente como SG do seio maxilar esquerdo. Relato de caso: Paciente do sexo masculino, 18 anos, encaminhado ao nosso serviço em março de 1999 por apresentar quadro de sinusite há 40 dias, sem melhora com o tratamento empregado. Evoluiu com proptose, diplopia, cefaléia intensa e persistente, febre contínua, obstrução nasal e epistaxe esquerdas. À rinoscopia evidenciou-se lesão verde-acinzentada e friável ao toque em cavidade nasal esquerda. A tomografia computadorizada dos seios da face evidenciou velamento de células etmoidais e seio maxilar esquerdos, associado a lesão expansiva na órbita esquerda com destruição óssea. O exame anátomo-patológico diagnosticou SG, que associado ao hemograma e ao aspirado de medula óssea levaram ao diagnóstico de LMA. O paciente foi submetido à quimioterapia, apresentando rápida melhora do quadro. Porém, sete dias após o tratamento, apresentou abdome agudo, sendo submetido à apendicectomia. Em 24 horas evoluiu com septicemia e óbito. Conclusão: Sarcoma granulocítico do seio maxilar é um tumor raro, mas sua associação com a LMA é freqüente e o diagnóstico pode ser difícil no estado pré-leucêmico. O prognóstico é favorável quando realizado diagnóstico precoce.

Introdução

Sarcoma granulocítico (SG) ou cloroma é uma rara manifestação extramedular da leucemia mielóide aguda (LMA) e mais raramente associado a leucemia mielóide crônica (LMC) ou outros distúrbios mieloproliferativos (1). Pode acometer qualquer parte do corpo, sendo mais comum na órbita, tecido celular subcutâneo, região cervical e seios paranasais (2).

Foi primeiramente descrito por Burns (2) em 1811, sendo denominado de "cloroma" por geralmente apresentar cor verde devido a mieloperoxidase celular. Dock (3) foi o primeiro a notar a associação de SG com leucemia aguda, sendo hoje considerado uma complicação da LMA. Pode ser diagnosticado antes ou depois da manifestação clínica e/ou laboratorial da leucemia.

Os órgãos mais comumente acometidos são pele, ossos e linfonodos. Na área de abrangência otorrinolaringológica, ocorrem mais comumente em ossos do crânio, seios paranasais e órbita (4). Sua ocorrência no seio maxilar é extremamente rara. Encontramos apenas cinco casos descritos na literatura (5-9) (Tabela 1).


Tabela 1. Casos de sarcoma granulocítico de seio maxilar previamente descritos na literatura.

Legenda: M - masculino; F - feminino; SM - seio maxilar; SES - seio esfenoidal; SET- seio etmoidal; RT - radioterapia;
QT - quimioterapia; SED - sem evidência da doença; ND - não disponível.


O objetivo deste estudo é descrever um caso de LMA que se manifestou inicialmente como SG do seio maxilar esquerdo, que infelizmente evoluiu para o óbito por septicemia.

Relato do Caso

A.C.P., do sexo masculino, com 18 anos de idade, foi encaminhado ao Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia em março de 1999 por apresentar quadro de sinusite há 40 dias, sem melhora com o tratamento empregado (amoxacilina 500 mg, três vezes por dia, por 21 dias), evoluindo com proptose, diplopia, cefaléia intensa e persistente, febre contínua, obstrução nasal e epistaxe esquerdas.

À rinoscopia evidenciava-se na cavidade nasal esquerda uma lesão verde-acinzentada e friável ao toque. A cavidade nasal direita estava pérvea, sem alterações do septo e das conchas nasais. À oroscopia, visualizava-se pequena quantidade de secreção esverdeada gotejando na orofaringe. A otoscopia não demonstrava nenhuma alteração. A tomografia computadorizada dos seios da face mostrou velamento de células etmoidais e seio maxilar esquerdos, associado a lesão expansiva na órbita esquerda com destruição óssea (Figura 1).



Foi realizada biópsia da mucosa do seio maxilar esquerdo, cujo exame anátomo-patológico evidenciou neoplasia maligna de células redondas pequenas, com escasso citoplasma e núcleos arredondados, ovalados reniformes ou irregulares, vesiculosos com cromatina fina, às vezes mostrando pequeno nucléolo. O estudo imuno-histoquímico foi positivo para lisozima (muramidase) e vimetina, sendo negativo para citoqueratina, proteína S100, enolase neuro-específica, células T e B humanas, actina de músculo liso, sinaptofisina e cromogramina A, diagnosticando-se sarcoma granulocítico. Em seguida, foi solicitado hemograma, que apresentou os seguintes resultados: 10.000 leucócitos/mm3 com 56% de blastos e 3% de neutrófilos, 20.000 plaquetas/mm3 e nível de hemoglobina de 6,0 g/dl. O aspirado de medula óssea revelou 84% de mieloblastos, série granulocíotica e eritrocítica intensamente hipocelulares, com estudo citoquímico positivo para mieloperoxidasse em 88% dos blastos e para Sudan Black em 85% dos mesmos, diagnosticando LMA subtipo M2.

O paciente foi submetido à quimioterapia apropriada, apresentando rápida melhora da sintomatologia. Porém, sete dias após o tratamento, apresentou abdome agudo por apendicite. Foi submetido à apendicetomia e, em 24 horas, evoluiu com septicemia e óbito.

Discussão

Sarcoma granulocítico é um raro tumor composto por células mielóides precursoras. O acometimento extramedular ocorre como resultado de infiltração de qualquer órgão durante o curso da leucemia mielóide e pode formar grandes massas chamadas "cloroma".

A incidência do SG na LMA varia de 2,5% a 8%, sendo 5 vezes mais freqüente do que na LMC. Há preponderância do sexo masculino e é mais freqüente em crianças (60% abaixo dos 15 anos) (10,11). O presente caso é o único descrito em um paciente adulto (18 anos).

Os sarcomas granulocíticos podem localizar-se intra ou extracranialmente. Acredita-se que os cloromas extracraniais, assim como os intracraniais, surgem de infiltração dural ou subaracnóidea de células leucêmicas via veias aracnóideas superficiais e adventícia circundante, podendo situar-se em qualquer local do corpo. Em crianças menores de 16 anos, o local mais comumente acometido é a órbita. Envolvimento do sistema nervoso central é comum na população pediátrica. Acometimento de glândulas salivares e bexiga é raro (11).

O sarcoma granulocítico é um tumor localmente destrutivo e potencialmente maligno. È nodular, firme e de coloração verde-claro. A composição celular varia de uma população de blastos pouco diferenciados até células maduras, incluindo promielócitos e metamielócitos. Eosinófilos imaturos são visualizados em lesões maduras.

A apresentação clínica dos pacientes com SG depende da sua localização. Geralmente as queixas incluem dor local (78%), nódulos tumorais (65%), distúrbios motores e sensitivos (52%), além dos sinais e sintomas inerentes ao quadro leucêmico (10). No entanto, o reconhecimento clínico deste tumor é difícil, principalmente quando não associado ao quadro leucêmico. A apresentação inicial de leucemia aguda em um sítio primariamente extramedular com medula óssea e exames hematológicos normais é extremamente rara (1).

No presente caso, houve dificuldade no diagnóstico pela localização do tumor em seio maxilar. O quadro inicial de cefaléia intensa e persistente, febre contínua, obstrução nasal levou a um diagnóstico equivocado de rinossinusite. A ausência de resposta à antibioticoterapia empregada e o surgimento epistaxe, proptose e diplopia,levaram o paciente a procurar o nosso serviço, onde realizamos o exame otorrinolaringológico que evidenciou o tumor na cavidade nasal esquerda. Oliff et al. (1978) (5) também tiveram dificuldade no diagnóstico, tratando inicialmente o SG do seio maxilar direito como uma rinossinute, não obtendo sucesso.

No momento do diagnóstico, o paciente não apresentava manifestações clínicas de LMA, porém o primeiro hemograma que solicitamos demonstrou padrão típico de leucemia. Portanto, não podemos afirmar que o SG foi a primeira manifestação da LMA, como nos casos descritos por Kristensen & Juul (1984) (6) e Welch et al.(1986) (8), nos quais foi diagnosticado SG, sem evidências hematológicas de leucemia. No caso descrito por Oliff et al. (1978) (5), o SG manifestou-se 5 anos e 6 meses após transplante alogênico de medula óssea para tratar a LMA.

A microscopia de luz e a imunohistoquímica contribuem para o diagnóstico, sendo que este, basicamente, depende da evidência de diferenciação granulocítica das células tumorais. No entanto, em 50% dos casos estas células estão ausentes ou imaturas, sendo necessárias outras técnicas para o diagnóstico (10). Os métodos de imagem contribuem principalmente na diferenciação com outras complicações das leucemias mielógenas, como hemorragias espontâneas e processos infecciosos (12,13).

O tratamento rádio e quimioterápico do tumor têm mostrado resultados favoráveis quando o diagnóstico é precoce e a terapia adequada. A intervenção cirúrgica é pouco utilizada e reservada aos casos de compressão aguda da medula espinhal (12). Takaue et al. (1986) (7), descreveram o caso de uma criança de 4 anos que inicialmente manifestou LMA, tratada com quimioterapia. Após um ano ocorreu a primeira recidiva como SG acometendo os seios paranasais, tratada com quimioterapia e radioterapia combinadas. Uma segunda recidiva ocorreu três meses após, sendo optado por não instituir tratamento, considerando a doença incurável. Porém, todos sinais e sintomas clínicos e laboratoriais da leucemia desapareceram espontaneamente.

Entretanto, a doença pode apresentar curso altamente maligno. Welch et al. (1986) (8) descreveram o caso de uma criança de 3 anos de idade na qual a LMA inicialmente se manifestou no seio maxilar esquerdo e que se estendeu para seio maxilar direito, mandíbula, rádio, úmero e fêmur bilateralmente, sacro, tíbia direita e crânio, causando grave destruição óssea e óbito. No caso descrito por Kristensen et al. (1984) (6), ocorreu o óbito em 3 meses, apesar do tratamento quimioterápico. No presente caso, ocorreu o óbito em decorrência de uma complicação cirúrgica por outra patologia (apendicite), provavelmente pela imunodeficiência provocada pela quimioterapia.

Conclusões

Sarcoma granulocítico do seio maxilar é um tumor extremamente raro. A sua associação com a LMA é freqüente e o diagnóstico pode ser difícil no estado pré-leucêmico. O prognóstico é favorável quando realizado diagnóstico precoce.

Referências Bibliográficas

1. Scheinberg DA, Maslak P, Weiss M. Acute leukemias. In: Devita VT, Hellman S, Rosenberg SA (eds). Cancer: principles and practice of oncology. 5.ed. Philadelphia: Lippincott Raven; 1997, 2293-2316.

2. Sears HF, Reid J. Granulocytic sarcoma - Local presentation of a systemic disease. Cancer, 37:1808-13, 1976.

3. Burns A. Observations on the surgical anatomy of the head and neck. Edinburgh: Thomas Royce and Co.; 1811.

4. Dock G. Chloroma and its relation to leukemia. Am J Med Sci, 106:152-7, 1893.

5. Oliff A, Ramu N, Poplack D. Leukemic relapse 5 ½ years after allogenic bone marrow transplantation. Blood, 52(2):281-4, 1978.

6. Kristensen S, Juul A. Granulocytic sarcoma of the maxillary sinus. Rhinology, 22:139-141, 1984.

7. Takaue Y, Culbert S, Van Eys J, Dalton Jr WT, Cork A, Trujillo JM. Spontaneous cure of end-stage acute nonlymphocytic leukemia complicated with chloroma (granulocytic sarcoma). Cancer, 58:1101-5, 1986.

8. Welch P, Grossi C, Carrol A et al. Granulocytic sarcoma with an indolent course and destructive skeletal disease. Cancer, 57:1005-10, 1986.

9. Fellbaum C, Hansmann ML. Immunohistochemical differential diagnosis of granulocytic sarcomas and malignant lymphomas on formalin-fixed material. Virchows Arch A Pathol Anat Histopathol, 416(4):351-5, 1990.

10. Sabedotti IF, Bidoia R, Maeda L, Montadon C, Torriani M. Sarcoma granulocítico (cloroma) - relato de um caso. Radiol Bras, 31:389-92, 1998.

11. Nayak DR, Balakrishnan R, Raj G, Pillai S, Rao L, Manohar C. Granulocytic sarcoma of the head and neck: a case report. Am J Otolaryngol, 22(1):80-3, 2001.

12. Freddy MR, Miller KD. Granulocytic sarcoma (chloroma): sphenoidal sinus and paraspinal involvement as evaluated by CT and MR. AJNR, 12:259-62, 1991.

13. Pui MH, Fletcher BD, Langston JW. Granulocytic sarcoma in childhood leukemia: imaging features. Radiology, 190:698-701, 1994.

* Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
** Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
*** Aluno do Curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
**** Residente de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.

Endereço para correspondência: Lucas Gomes Patrocínio - Rua 15 de Novembro, 327 - Apto. 1600 - Centro - Uberlândia / MG - CEP 38400-214 - Telefone: (34)
3236-1448 - E-mail: lucaspatrocinio@triang.com.br
Artigo recebido em 8 de outubro de 2001. Artigo aceito em 2 de maio de 2002.
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