Title
Search
All Issues
4
Ano: 2002  Vol. 6   Num. 3  - Jul/Set Print:
Original Article
O Retângulo Luminoso da Laringe: As Pregas Vocais não são Brancas, mas são Vistas com esta Cor
The Laryngeal Luminous Rectangle: The Vocal Folds are not White, Although Seem So
Author(s):
Enrique Perelló Scherdel*, Alexandre Camilotti Gasperin**, Juan Lorente Guerrero***.
Palavras-chave:
pregas vocais, cor, física, branco, laringe.
Resumo:

Objetivo: O objetivo deste estudo é provar que a cor natural das pregas vocais é rosa e não branca como visto durante a laringoscopia. Métodos: Os autores realizaram um estudo de livros textos de física para análise de mudanças de cor causadas pela luz, baseado nos princípios físicos de luz, reflexão, reflexão especular, refração, condutividade luminosa, aberrações cromáticas, saturação de cor e brilho. Também revisaram descrições da coloração das pregas vocais em mais de trezentos livros de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Conclusão: Os autores concluem que estas descrições, que afirmam que as pregas vocais são brancas, são incorretas.

INTRODUÇÃO

Idéias originais são muito raras de surgirem para a maioria das pessoas, exceto para um grupo seleto que possui este dom da criatividade. Um grupo ainda menor de pessoas é capaz de desenvolver estas idéias. O Professor Doutor Jorge Perelló era uma destas mentes brilhantes que contribuíram assim para o crescimento da Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.

Uma de suas mais importantes teorias foi a primeira Teoria Muco-ondulatória da Fonação, descrita em 1962 com simplicidade e inteligência (1). O Dr. Jorge Perelló observou que as pregas vocais aparecem como brancas na laringoscopia, todavia durante a observação de peças anatômicas ou durante cirurgias de laringe, elas são vistas rosadas como o resto da mucosa laríngea.

Ele pensava então, que algum estudo deveria ser feito para explicar esta diferença de coloração. Infelizmente o Dr. Jorge Perelló faleceu há 2 anos, não podendo seguir conosco este estudo, mas nós lhe rendemos uma homenagem realizando este trabalho. O objetivo deste estudo é provar que a cor natural das cordas vocais é rosa, como o resto da mucosa laríngea, e tem a aparência branca na laringoscopia por causa da incidência luminosa.

Este trabalho também tem como objetivo revisar as descrições sobre este tema na literatura médica.

MATERIAIS E MÉTODOS

Nós revisamos a descrição sobre a cor das pregas vocais em 328 livros textos de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Estes livros poderiam estar escritos ou traduzidos nas línguas portuguesa, espanhola, inglesa, italiana, francesa e germânica.

Uma amostra de dezenove livros (do total de 328) foi retirada e incluída nas referências numeradas de 2 a 20 na bibliografia. Nós fizemos uma revisão na literatura médica em vários jornais e revistas sobre este assunto.

Revisamos também livros textos de física sob orientação de um professor de física para estudar e conhecer os princípios físicos de luz, reflexão, reflexão especular, refração, condutividade luminosa, aberrações cromáticas, saturação da cor e brilho. Fotografamos as pregas vocais durante a laringoscopia comum, laringoscopia com estroboscópio e durante cirurgias laríngeas a céu aberto para confirmar as mudanças de cor das pregas vocais. Construímos um modelo plástico, consistindo em uma região central plana em forma de “V” para representar as pregas vocais e superfícies irregulares laterais para representar as outras estruturas laríngeas. As superfícies foram cobertas com uma camada fina de cola incolor para imitar o muco que recobre todas as estruturas.

Tiramos fotos deste modelo com luzes focais intensas e com luz difusa, para demonstrar claramente as diferenças de coloração nas superfícies.

RESULTADOS

Todos os livros textos estudados descrevem as pregas vocais como brancas, exceto dois (7,16) que citam uma coloração rosada das mesmas em peças anatômicas. Não foram encontradas referências sobre este assunto na revisão de revistas e jornais médicos. As leis de física estudadas suportam nossa teoria.

A cor da iluminação, branca na laringoscopia, amarela no exame com espelho laríngeo, cinza-azulada na estroboscopia, mas todas elas focais, influenciam e alteram a cor natural das pregas vocais.

DISCUSSÃO

Não se deve acreditar em tudo que se vê. As ilusões ópticas sempre existiram, todavia com a evolução, o ser humano foi capaz de entender e estudar este fenômeno. A primeira coisa que dever ser frisada é que as faces ventrais das pregas vocais são as únicas superfícies totalmente planas da laringe. Desta forma, refletem a maioria da luz que incidem sobre elas. Outra coisa importante, é que as pregas vocais são recobertas por uma fina camada de muco, produzindo mais brilho e reflexão da luz, como qualquer superfície molhada. Isaac Newton define cor como uma propriedade do objeto refletir um comprimento de onda de determinada cor e absorver todos os outros (21).

Desta forma, um objeto é visto azul se a maioria da luz refletida é azul, ou vermelho se a maioria da luz refletida é vermelha.

Na verdade vermelho, azul e verde são as três cores primárias, isto é, através da mistura destas cores, se consegue produzir qualquer outra cor.

A cor branca é definida como a cor que reflete todos os comprimentos de onda da luz (21,22). É importante também não confundir a cor do objeto com a cor da luz refletida por ele.

A percepção da cor no olho humano resulta da mescla da cor do objeto (pigmentação) com a cor da luz recebida e refletida (21). Existem duas teorias atuais que explicam a natureza da luz: a Teoria Corpuscular e a Teoria Ondulatória.

A Teoria Corpuscular, ditada por Isaac Newton, descreve que a luz é composta de infinitas e minúsculas partículas se movendo em altíssima velocidade e em linha reta.

Já a Teoria Ondulatória, desenvolvida por cientistas do século XX, defende que a luz consiste nestas mesmas partículas, mas movimentando-se em forma de ondas. Mesmo com estas e inúmeras outras teorias já descritas, a verdadeira natureza da luz continua incerta (23). Iniciaremos agora a descrição dos princípios físicos de reflexão, reflexão especular, refração, condutividade luminosa, aberrações cromáticas, saturação e brilho.

Reflexão: Para superfícies lisas e polidas o ângulo de incidência do raio de luz é igual ao ângulo de reflexão (21) (Figura 1).

Todavia, para superfícies irregulares o ângulo de reflexão muda e o raio de luz é refletido em diferentes direções, mais ou menos como se fosse uma luz difusa.

Neste caso, o objeto mostra sua verdadeira cor, caso a luz não seja demasiadamente brilhante e potente.

Reflexão Especular: A reflexão especular e as aberrações cromáticas são a pedra fundamental de nossa teoria. A reflexão especular dita que se vê a cor da luz e não do objeto quando um raio de luz incide sob um ângulo de 90º (ângulo de reflexão de 0º) em uma superfície plana, como a superfície superior das pregas vocais (Figura 1), ou quando o ângulo de incidência é igual ao ângulo de reflexão da luz recebida pelo olho humano (21) (Figura 2).

A reflexão especular é mais intensa e localizada com luzes muito brilhantes e superfícies lisas, e menos intensa em superfícies irregulares e luzes difusas.

A superfície da laringe é na realidade ideal para este tipo de reflexão, porque possui um epitélio delgado recoberto por uma fina camada de muco, formando então a tal superfície plana e brilhante.

Durante a laringoscopia, todas as partes que produzem esta reflexão, como por exemplo a cúpula das aritenóides e a margem superior da epiglote, são vistas brancas.

As pregas vocais são vistas brancas na sua totalidade, porque recebem grande intensidade de luz em uma curta distância, princípios já explicados anteriormente (Figura 4).

Como toda a extensão das pregas vocais é plana, ela produz reflexão especular de quase toda luz focada sobre ela, na qual a intensidade é inversamente proporcional à distância do foco de luz.

Quando a luz incidente é difusa, ela é refletida igualmente em todas as direções, mostrando então a cor real do objeto iluminado (24).

Isto é o que ocorre nas peças anatômicas de laringe vistas sob luz difusa, nas quais as pregas vocais são vistas rosadas.

Refração: Quando os raios luminosos passam de um meio para outro, que possuem diferentes densidades (com um índice refrativo diferente), ele sofre uma mudança de direção de acordo com a Lei de Snell (n1senq1= n2senq2) (23).

A refração aqui seria observada quando a luz passa do ar (no lúmen da laringe) para o muco que recobre o epitélio (na superfície das pregas vocais).

Fotocondutividade: A laringe pode funcionar como um condutor de luz. Isto acontece, por exemplo, com o cabo do laringoscópio que transmite a luz da fonte ao aparelho de exame. Toda a parede da laringe é recoberta por muco, assim o raio luminoso reflete infinitas vezes em suas paredes (que formam uma cavidade tubular), incidindo com maior intensidade sobre a superfície das pregas vocais. Isto explica também o porquê do aumento do brilho e cor das pregas observadas durante o exame (Figura 3).













Aberração cromática: Esta lei dita que uma luz focal incidindo sobre uma superfície qualquer (no caso a luz do laringoscópio), muda a cor do objeto. O objeto amplifica os comprimentos de onda da luz recebida produzindo este tipo de aberração cromática (21). No nosso caso, a prega vocal recebe e amplifica todos os comprimentos de onda recebida da luz branca. Isto é bem exemplificado também pela mudança que ocorre na coloração das pregas vocais durante o exame estroboscópico, no qual a luz focal incidente é cinza azulada, e elas são vistas então, com esta coloração. Esta explicação física e observação prática suportam e confirmam nosso postulado.

Saturação: A cor pode ser diluída quando iluminada por uma luz branca, até se tornar branca. Esta diluição também ocorre quando se mistura uma tinta vermelha com branca. Quanto mais branco se mistura na solução, mais clara se torna a cor (24).

Brilho (Brightness): É a intensidade cromática. Um objeto é visto com mais brilho quanto mais intensidade de luz incide sobre ele (21,24). Estas leis de física explicam claramente porque as pregas vocais aparecem brancas ao exame laringoscópico direto ou indireto, mostrando sua verdadeira cor rosa durante cirurgias laríngeas a “céu aberto” ou em peças anatômicas. As descrições literárias sobre a coloração das pregas vocais como naturalmente brancas são incorretas. As fotos das pregas vocais na laringoscopia indireta comum ou na estroboscopia ou durante a cirurgia laríngea confirmam as mudanças de coloração que elas sofrem (Figura 5). As fotos do nosso modelo plástico demonstram e confirmam as diferentes leis da física explicadas para o fenômeno da mudança de cor.

Quando iluminada por uma intensa luz focal, a superfície central plana (representando a prega vocal) muda sua cor, enquanto as superfícies irregulares (representando as outras estruturas laríngeas) não mudam. Todavia, quando se muda a fonte de luz para uma luz difusa, todas as superfícies mostram suas verdadeiras colorações (Figura 6). Estes mesmos princípios são aplicados ao famoso triângulo luminoso timpânico na otoscopia.

De acordo com todas as leis físicas já explicadas, nós vimos é a cor branca da luz incidente, que muda a cor natural da membrana timpânica.

Quando algo muda a forma da superfície da membrana, como secreção no ouvido médio ou retrações Figura 4.

Exemplo de Reflexão Especular. timpânicas, mudando a incidência da luz, o triângulo luminoso muda ou desaparece.

Este mesmo fenômeno é observado também nas doenças das pregas vocais.

Em casos de cistos, edemas ou laringites, por exemplo, a superfície plana muda e revela sua coloração natural rosada.

Numa inspeção mais minuciosa, o topo da superfície destas alterações, que completa as leis físicas explanadas, aparecem brancos.

No cisto é visto como um círculo branco, no edema com forma fusiforme e, no caso das laringites ou tumores, como hiperêmico e irregular.

É importante salientar que qualquer mudança na forma deste retângulo luminoso pode denotar alguma doença das pregas vocais, portanto o examinador deve estar sempre atento. Mudança de coloração é um fenômeno físico muito comum.

Todos os dias nós nos deparamos com estas alterações, mas às vezes não as percebemos.

As coisas que nos rodeiam, como cadeiras, canetas, carros, objetos metálicos, etc, mostram a cor da luz que as ilumina, branca na sua maioria, nos pontos onde o raio luminoso é refletido diretamente ao observador.

CONCLUSÃO

Nós concluímos que as pregas vocais, iluminadas por luz focal, não são vistas rosadas durante a laringoscopia porque sua cor natural é mudada de acordo com os princípios físicos de reflexão, reflexão especular, refração, fotocondutividade, aberração cromática, saturação e brilho. Os livros que descrevem a prega vocal como naturalmente branca estão incorretos. Propomos sua mudança a partir de agora, descrevendo claramente que a cor das pregas vocais é rosada como o resto da mucosa laríngea.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Prof. Dr. Alfredo Bonavida por sua orientação no estudo das leis de física aqui descritas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Perelló J. La théorie muco-ondulatoire de la phonation. Annales d’Oto-Laryngologie, 9: 722-725, 1962.
2. Aronson AE. Clinical voice disorders an interdisciplinary approach. New York: Thieme Inc, 1985.
3. Bless DM, Abbs JH. Vocal fold physiology: contemplatory research and clinical issues. San Diego: College- Hill Press Inc, 1983.
4. Croatto L. Trattato di foniatria e logopedia - Anatomia e fisiologia degli organi della comunicazione. Volume 1. Padova: Editrice La Garangola, 1988.
5. Cummings CW, Fredrickson JM, Harker Lee A, Krause CJ, Schuller DE. Otolaryngology-Head and Neck Surgery. Tomo II. 2nd edition. New York: Mosby Year Book Inc, 1993.
6.- Czemark JN. Du laryngoscope et de son emploi em physiologie et em médicine. Paris: J.B. Baillière et fils, 1860.
7. DeWeese DD, Saunders WH. Tratado de Otorrinolaringología. Sexta edición. México: Nueva Editorial Interamericana, 1986.
8. Dhillon RS, East CA. An illustrated colour text- ear, nose and throat and head and neck surgery. New York: Ed. Chirchill Livingstone, 1994.
9. English GM. Otolaryngology. Volume 3 - Diseases of the larynx, pharynx, and upper respiratory tract. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers, 1996.
10. Ferlito A. Diseases of the larynx. New York: Ed. Arnord, 2000. 11. Fried MP. The larynx - a multidisciplinary approach. 2nd edition. St. Louis: Ed. Mosby-Year Book Inc, 1996.
12. Fujimura O. Vocal fold physiology: Vocal physiology: voice production, mechanisms and functions. Volume 2. New York: Raven Press, 1988.
13. Hirano M., Bless DM. Videostroboscopic examination of the larynx. San Diego: Whurr Publishers, 1993.
14. Landman GHM. Laryngography and cine laryngography. Amsterdam: Excerpta Medica Foundation, 1970.
15. Luchsinger R, Arnold GF. Voice- Speech- Language- Clinical communicology: Its physiology and pathology. USA: Wadsworth Publishing Company Inc, 1965.
16. Paparella MM, Shumrick DA. Otorrinolaringología - cabeza y cuello. Tomo III. 2ª Edición. Buenos Aires: Editorial Medica Panamericana, 1982.
17. Perelló J. Morfología fonoaudiológica. 20 edición ampliada. Barcelona: Editorial Científico-Médica, 1978.
18. Perelló J. Evaluación de la voz, lenguaje y audición. Barcelona: Ediciones Lebón S.C., 1996.
19. Sataloff RT. Professional voice. The science and art of clinical care. New York: Ed. Raven-Press, 1991.
20. Titze IR. Vocal fold physiology. Frontiers in basic science. San Diego: Singular Publishing Group Inc, 1993.
21. Gaskill JD. Linear systems, fourier transforms, and optics. New York: John Wiley & Sons Inc, 1978.
22. Sears FW, Zemansky MW. Física. Madrid: Ed. Aguilar, 1970.
23. Alonso M, Finn EJ. Fisica- volumen II- campos y ondas. Wilgmington: Ediciones Addison-Wesley Ibero Americana, 1987.
24. Condon EU, Odishaw H. Handbook of physics. 2nd edition. New York: McGraw-Hill Book Company, 1967.

* Professor Doutor Titular da Universidade Autônoma de Barcelona e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Germans Trias y Pujol de Barcelona.
** Doutorando em Otorrinolaringologia pela Universidade Autônoma de Barcelona.
*** Professor Titular da Universidade Autônoma de Barcelona.

Endereço para correspondência: Enrique Perelló Scherdel – Calle Balmes, 24, Primer Piso – Barcelona – Espanha – 08007 – Telefone: 0034-93-3173646 – Fax:
0034-93-3173766 – E-mail: gaspe23@hotmail.com
Artigo recebido em 1º de maio de 2002. Artigo aceito em 28 de junho de 2002.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024