INTRODUÇÃO
A obstrução nasal é um problema comum da população em geral e pode afetar a saúde do paciente por causar infecções respiratórias prolongadas, envolvimento sinusal secundário, hiposmia, distúrbios do sono, etc. A rinite alérgica perene e/ou a rinite vasomotora causam obstrução nasal crônica por hipertrofia da concha nasal inferior.
O aumento da concha nasal é comumente bilateral e causado por um espessamento da mucosa sem hipertrofia das estruturas subjacentes (1).
O tratamento clínico inclui controle ambiental, anti-histamínicos, corticosteróides tópicos e sistêmicos, imunoterapia.
Se estas medidas falharem, recomenda-se o tratamento cirúrgico (1). A cirurgia de turbinectomia parcial inferior (TPI) bilateral das conchas nasais inferiores é hoje uma das mais executadas na rotina da Otorrinolaringologia.
Sua eficácia e segurança têm sido demonstradas por vários estudos (2-5). Pode ser indicada como procedimento isolado ou associado a outras cirurgias em diversas afecções das cavidades nasais, notadamente nas de caráter obstrutivo.
Apresenta como complicações mais freqüentes o sangramento pósoperatório, as infecções, as crostas, as sinéquias e a dor (6). Várias técnicas objetivando melhorar a recuperação pós-operatória e diminuir ou evitar estas complicações têm sido descritas na literatura, como por exemplo, tamponamento nasal, splint nasal, Gelfoam, etc.
Avaliamos neste trabalho o Merogel®, um éster parcial obtido da esterificação do hialuronato de sódio com álcool benzílico. O ácido hialurônico é um polissacarídeo componente da matriz extracelular dos tecidos normais (7).
Foi demonstrado seu papel no processo de regeneração em fetos (8-9), na melhora da cura da cavidade mastóidea após timpanoplastia (10), sendo o mesmo freqüentemente usado nas cirurgias oftalmológicas (11). Objetivamos avaliar a eficácia da esponja de ácido hialurônico esterificado (MeroGel®) na cicatrização de ferimento após TPI.
PACIENTES E MÉTODO
Pacientes Foram operados 20 pacientes atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Genoveva (Uberlândia, MG) com diagnóstico de rinite crônica hipertrófica. Foram critérios de inclusão:
obstrução nasal crônica bilateral, ausência de tratamento cirúrgico nasal anterior, tratamento clínico exaustivo insatisfatório, videonasofibroscopia com rinofaringe livre, tomografia computadorizada de seios paranasais evidenciando normalidade e pacientes que deram seu consentimento informado por escrito. Foram critérios de exclusão: história de rinossinusite crônica, desvio de septo nasal, esporão ósseo nasal, pólipo nasal, fibrose cística, rinossinusite, diabetes mellitus, gravidez e suspeita de neoplasia.
Método
Foram constituídos dois grupos, compostos por 10 pacientes cada, sendo que em um destes o biomaterial MeroGel® foi aplicado durante a cirurgia de TPI.
A randomização ocorreu através de um sorteio que definiu a utilização do MeroGel® nos 10 primeiros pacientes que foram submetidos a TPI (Grupo 1) e, por conseqüência, os 10 seguintes não utilizaram este material (Grupo 2). O Grupo 1 foi composto por 7 pacientes do sexo masculino e 3 do sexo feminino, com idade variando entre 18 e 45 anos (média de 32,3 anos). O Grupo 2 foi composto por 6 pacientes do sexo masculino e 4 do sexo feminino, com idade variando entre 16 e 44 anos (média de 31,6 anos). Os pacientes retornaram para consultas de controle com 1, 7, 15 e 30 dias de pós-operatório.
Com 15 e 30 dias, um otorrinolaringologista (“cego” quanto ao procedimento realizado) avaliou a cicatrização da ferida operatória à rinoscopia anterior.
Esta avaliação foi realizada subjetivamente utilizando uma Escala Analógica Visual (EAV) com valores de 0 a 4, sendo 4 o melhor (escala de Likert12 modificada). Técnica cirúrgica Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados sob anestesia local:
sedação e analgesia; anestesia tópica com tetracaína 2% e oximetazolina 0,5%; anestesia infiltrativa extravascular com bipuvacaína 0,5% e epinefrina 1:80.000 ao longo da concha nasal inferior, implantação da concha nasal média e vestíbulo nasal. A TPI foi realizada do seguinte modo:
secção longitudinal parcial da concha nasal inferior com tesoura de Knight; retirada de sua cauda com pinça de Takahashi; eletrocauterização com alta freqüência do leito sangrante; fratura lateral da porção restante da concha nasal inferior; colocação de uma gaze-tampão embebida em subgalato de bismuto em cada narina, de caráter provisório, sobre a área cruenta, por cerca de 5 minutos; revisão da hemostasia com cauterização dos pontos sangrantes utilizando bisturi de alta-freqüência; tamponamento nasal anterior bilateral por 12 a 24 horas com gaze em fita untada com pomada de neomicina. Nos 10 pacientes em que se definiu pela aplicação da esponja de ácido hialurônico esterificado, foi realizada a forração do leito cruento com uma fita de MeroGel® de 5x1cm, antes do tamponamento nasal anterior.
Análise estatística
Para verificar a significância estatística da diferença entre a utilização ou não do MeroGel®, foi realizado o teste t de Student, com os dados da EAV fornecidos pelo otorrinolaringologista. Foi considerado estatisticamente significante quando p<0,05.
RESULTADOS
Com relação à avaliação subjetiva da cicatrização da ferida operatória pelo otorrinolaringologista, encontrou-se diferença estatisticamente significante após 15 dias de cirurgia (p=0,032), sendo melhor no grupo 1. No entanto, após 30 dias, a avaliação subjetiva não demonstrou diferença estatisticamente significante (p=0,343), isto é, o avaliador considerou que a utilização de MeroGel é indiferente para a cicatrização da ferida após 30 dias de cirurgia. As médias e os desvios padrões destas duas análises estão apresentadas na Tabela 1. Nenhum dos pacientes apresentou sangramento significativo que necessitasse de nova intervenção ou tamponamento nasal.
DISCUSSÃO
O manuseio cirúrgico das conchas nasais inferiores, notadamente nas patologias hipertróficas que causam obstrução nasal, é bastante discutido há mais de um século (6). A turbinectomia, ressecção e redução cirúrgica das conchas nasais, data das últimas décadas do século XIX. Jarvis (1882) (13) foi o primeiro a descrever a ressecção de partes da concha nasal inferior usando um fio em alça fria. A seguir, outros autores passaram a descrever suas experiências com a turbinectomia inferior total ou parcial (14,15). É um método que foi logo criticado por ser traumático e irreversível, além de apresentar complicações como sangramento pós-operatório, infecções, crostas, sinéquias, secura nasal, dor, cefaléia. Apesar dos avanços tecnológicos experimentados pela Otorrinolaringologia desde a propedêutica até o tratamento cirúrgico, não se conseguiu estabelecer medidas efetivamente seguras e eficazes para a prevenção de hemorragias e sinéquias após cirurgias das conchas nasais inferiores, figurando como as duas principais complicações pós-operatórias. O Ácido Hialurônico é um componente natural da matriz extracelular e está disponível como um biomaterial, obtido da esterificação do hialuronato de sódio com álcool benzílico, em estado seco e esponjoso, comercializado com o nome de MeroGel®.
Este aparato é provido em pacotes duplos estéreis como um pedaço de 5x5 cm não fibroso para ser cortado do tamanho a ser usado na área de aplicação. Em contato com a umidade das cavidades nasais e seios paranasais transforma-se em um gel mucoadesivo, absorvendo até 10 vezes seu peso em líquidos e expandindo- se em tamanho à medida que se converte em gel. Dissolve-se em até 2 semanas após ser aplicado (16).
O fabricante sugere que o MeroGel possui propriedades antiinflamatórias, cicatriciais, diminui a formação de crostas, sinéquias e hemorragias, melhorando a cicatrização da ferida operatória. Apesar da amostra de pacientes ser pequena (n=10), notamos uma melhor cicatrização da ferida operatória após 15 dias da TPI mediante a aplicação de MeroGel®, bem evidente na diminuição da produção de crostas, necessitando de menos limpeza das fossas nasais para sua retirada. Tal diferença estatisticamente significante não ocorre quando da avaliação com 30 dias de pós-operatório.
Acreditamos que o MeroGel® promove uma aceleração da cicatrização evidente com 15 dias de TPI, porém com 30 dias a Tabela 1.
Análise dos dados fornecidos pelo otorrinolaringologista, referentes à avaliação subjetiva da cicatrização da ferida pela escala analógica visual em diferentes tempos de pós-operatório (P.O.). Tempo de TPI simples TPI com MeroGel® Estatística pós-operatório (média ± desvio padrão) 15º P.O. 1,60 ± 0,97 2,70 ± 1,16 p=0,032 30º P.O. 3,30 ± 0,67 3,60 ± 0,52 p=0,343 Patrocínio JA 214 Arq Otorrinolaringol, 6 (3), 2002 cicatrização fisiológica do organismo atinge o mesmo nível da promovida pelo biomaterial.
Isto pode sugerir uma antecipação da alta médica, que normalmente daríamos com 30 dias, para 15 dias, já que em nenhum dos pacientes houve sangramento significativo que necessitasse de nova intervenção ou tamponamento nasal. Estudos semelhantes que avaliaram a esponja de ácido hialurônico na cicatrização de ferida cirúrgica da cavidade nasal demonstraram sua eficácia experimentalmente em animais (17) e na cirurgia dos seios paranasais (18). Apesar das vantagens previamente discutidas, o uso do material apresenta duas desvantagens:
a elevação do custo do procedimento e a inviabilização do uso em mais de um paciente, uma vez que sua apresentação comercial é apenas no formato de 5 x 5 cm.
CONCLUSÃO
Os resultados apresentados sugerem que o MeroGel acelera o processo de cicatrização da ferida na TPI. O aspecto desta, na avaliação subjetiva do otorrinolaringologista, é estatisticamente melhor com 15 dias de pósoperatório quando se utiliza o biomaterial. Porém, com 30 dias, o aspecto é estatiscamente semelhante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Weckx LLM, Sakano E, Araújo E, Castro F, Aun W. Consenso sobre Rinites. Rev Bras Otorrinolaringol, 66 (supl. 10): 1-34, 2000.
2. Elwany S, Harrison R. Inferior turbinectomy: comparison of four techniques. J Laryngol Otol, 104:206-9, 1990.
3. Ophir D, Schindel D, Halperin D, Marshak G. Long-term follow-up of the effectiveness and safety of inferior turbinectomy. Plast Reconstr Surg, 90:980-7, 1992.
4. Fradis M, Golz A, Danino J et al. Inferior turbinectomy versus submucosal diathermy for inferior turbinate hypertrophy. Ann Otol Rhinol Laryngol, 109:1040-5, 2000.
5. Rakover Y, Rosen G. A comparison of partial inferior turbinectomy and cryosurgery for hypertrophic inferior turbinates. J Laryngol Otol, 110:732-5, 1996.
6. Hol MKS, Huizing EH. Treatment of inferior turbinate pathology: a review and critical evaluation of the different techniques. Rhinology, 38:157-66, 2000.
7. Laurent TC. The structure of hyaluronic acid. In: BALAZAS, E.A. (ed.). Chemistry and molecular biology of the intercellular matrix. New York: Academic Press, 1970.
8. Longaker MT, Chiu ES, Adzick NS et al. Studies in fetal wound healing. V. A prolonged presence of hyaluronic acid characterised wound fluid. Ann Surg, 213(4):292:6, 1991.
9. Adzick NS, Longaker MT. Scarless wound healing in the fetus: the role of the extracellular matrix. Prog Clin Biol Res,365:177-92, 1991.
10. Martini A, Morra B, Aimoni C, Radice M. Use of a hyaluronbased biomembrane in the treatment of chronic cholesteatomatous otitis media. Am J Otol, 21(4):468-73, 2000.
11. Miller D, Setgmann R. Healon (sodium hyaluronate). Aguide to its use in ophthalmic surgery. New York: John Wiley & Sons, 1983.
12. Likert R. A technique for the measurement of attitudes. Arch Psychology, 22:5-55, 1932.13. Jarvis WMC. Removal of hypertrophied turbinated tissueby écrasement with the cold wire. Arch Laryngol, 3:105-11, 1882.
14. Jones M. Turbinal hypertrophy. Lancet, 2:895, 1895.
15. Holmes CR. Hypertrophy of the turbinated bodies. NY Med J, 72:529-34, 1900.
16. Li G, Feghali JG, Dinces E, McElveen J, Van de WaterTR. Evaluation of esterified hyaluronic acid as middle earpacking
material. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 127(5):534-9, 2001.
17. Soldati D, Rahm F, Pasche P. Mucosal wound healing after nasal surgery. A controlled clinical trial on the efficacy
of hyaluronic acid containing cream. Drugs Exp Clin Res, 25(6):253-61, 1999.
18. Kimmelman CP, Edelstein DR, Cheng HJ. Sepragel sinus (hylan B) as a postsurgical dressing for endoscopic sinus surgery. Otolaryngol Head Neck Surg, 125(6):603-8, 2001.
* Professor Titular e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal Uberlândia.
** Residente de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia.
*** Aluno da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Santa Genoveva – Uberlândia – Minas Gerais – Brasil
Endereço para correspondência: José Antônio Patrocínio – Rua XV de Novembro, 327/apto. 1600 – Bairro Centro – Uberlândia /MG – CEP 38400-214 – Telefone/Fax:
(34) 3215-1143 – E-mail: lucaspatrocinio@triang.com.br
Conflito de Interesses: O biomaterial Merogel® (Xomed®) foi fornecido gratuitamente pela empresa Richards do Brasil® para utilização em 10 cirurgias aleatórias do serviço.
Artigo recebido em 18 de fevereiro de 2002. Artigo aceito em 28 de junho de 2002.