INTRODUÇÃO
Os corpos estranhos das vias aéreas superiores provocam sintomas e sinais imediatos ou tardios.
O corpo estranho (CE) pós-operatório não identificado por marcadores radiopacos representa um problema para todos os cirurgiões em qualquer especialidade (1). Geralmente, a localização mais freqüente dos CE iatrogênicos descritos na literatura ou na mídia é a cavidade abdominal (1, 2).
Sua presença na esfera da ORL é mais rara. Em nossa área, Gustav Killian foi o primeiro a remover um corpo estranho de laringe (um osso) em um paciente, através da laringoscopia direta.
Os mais freqüentes, na nossa especialidade são os pequenos corpos estranhos, introduzidos pelos próprios pacientes voluntariamente e que são retirados na prática diária em Pronto- Socorro (3). Alguns casos de CE ocorrem relacionados a acidentes (4), tendo uma freqüência similar a traumatismos em outros pontos da face (5).
Sharif et al.
descreveram paciente com liquorréia e epistaxe por tentativa de suicídio com inserção intra-nasal de caneta “ball-point”, tendo a tomografia computadorizada localizado sua ponta entre os 2 hemisférios cerebrais (6).
Massaro-Giordano et al. publicaram caso de migração do implante orbitário para o seio etmoidal e fossa nasal 25 anos após sua colocação (7). O objetivo deste trabalho é apresentar um caso cirúrgico de tampão de gaze deixado em cavidade operatória (fossa nasal e seio maxilar) há 9 anos.
RELATO DE CASO
J.B., masculino, 50 anos, procurou nosso ambulatório com queixa de obstrução nasal e hiposmia há aproximadamente 5 anos. Negava episódios de epistaxe ou dor local. À rinoscopia anterior, visualizamos desvio do septo nasal para a direita e massa rósea em fossa nasal esquerda, com consistência amolecida.
A história pregressa indicava rinite alérgica crônica e obstrução nasal anterior que melhorou com cirurgia de “carne no nariz”, feita há 9 anos em outro serviço. Solicitamos de imediato uma radiografia dos seios da face, que mostrou velamento dos seios maxilares e etmoidais anteriores, com massa radiopaca em fossa nasal esquerda, não sendo conclusiva. Solicitamos então TC que revelou (Figuras 1 e 2) a presença de material com densidade de partes moles, com pequenas bolhas de ar de permeio e adjacências; falha óssea na parede anterior do seio maxilar esquerdo compatível com alterações pós-cirúrgicas e material com densidade de partes moles obliterando totalmente o seio maxilar, células etmoidais e porção superior da cavidade nasal esquerda, estendendo-se posteriormente para a rinofaringe, compatível com polipose. Diante disso, levantamos a hipótese diagnóstica de polipose nasal e massa tumoral sólida a esclarecer.
Optamos por exploração cirúrgica pela técnica de Caldwell-Luc com ampla exposição da parede anterior do seio. Após encontrarmos alguns pólipos, foi retirada gaze mumificada (Figura 3). Completada a limpeza das cavidades, incluindo via nasal, colocamos gelfoam e suturamos a gengiva com pontos de catgut 00 separados.
O desvio de septo não foi corrigido neste tempo cirúrgico. O “follow-up” de um ano não revelou recidiva das formações polipóides.
DISCUSSÃO
No diagnóstico diferencial dos CE maiores incluemse os rinolitos (8), bolas fúngicas (micetomas) e as neoplasias nasais.Nas rinolitíases, alguns CE apresentam incrustações e depósitos de minerais na sua periferia (4). O presente caso teve seu diagnóstico pré-operatório dificultado, uma vez que a TC mostrava massa nasal desviando acentuadamente o septo ósseo.
O deslocamento lento e progressivo do CE, tal qual uma tumoração, não era o esperado. Outro fator que dificultou o diagnóstico foi a presença de formação polipóide circundando o CE. A reação do organismo foi de envolver e não rejeitar a massa.
Com o passar do tempo, houve o deslocamento do CE já citado e, apesar de provocar compressão do septo nasal, não houve nenhum episódio de sangramento, o que certamente teria levado o paciente mais precocemente ao exame médico e à intervenção cirúrgica. A imagem radiológica de calcificações nos fez pensar em sinusite fúngica, já que estas micro-calcificações se apresentam em 24 % destas sinusites (10).
Embora muito raro, tumores nasais podem aparecer depois de rinocirurgias (11).
Osteoma compacto de seio maxilar (a partir de osteoblastos periosteais) ou osteíte fibrosante podem progressivamente envolver o antro, a cavidade nasal e a órbita (12). Suas características radiológicas bem definidas ajudam a esclarecer o diagnóstico. Por outro lado, um corpo estranho iatrogênico costuma dar reações inflamatórias intensas e precoces, tal como a rinossinusite provocada por pequenos corpos estranhos introduzidos por crianças (3, 13).
Entretanto, podem passar completamente assintomáticos por vários anos (2). A conduta ética neste tipo de caso é essencial. Mantivemos o devido sigilo.
Colhendo informações posteriores, soubemos que a primeira cirurgia fora feita por residentes. O paciente teria apresentado apenas alguma secreção no pós-operatório, que foi medicada com antibiótico, dando-se alta com uma semana de pósoperatório. Neste ponto lembramos o problema jurídico de responsabilidade civil.
Como se tratava de ato cirúrgico realizado em hospital público federal, a União poderá vir a ser acionada num período decadencial de 5 anos.
Solidariamente concorrerá o médico “staff” e não apenas os colegas residentes que efetivamente fizeram o procedimento, mesmo atualmente já sendo especialistas.
CONCLUSÕES
1. Deve-se estar atento para corpos estranhos que produzem sintomas e sinais tardios, pois podem ser confundidoscom rinolitos, bolas fúngicas (micetomas) e neoplasias nasais.
2. A exploração cirúrgica é mandatória para casos indefinidos que apresentem história de cirurgias prévias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Silva LM, Bahia PRV, Tatagiba E. Diagnóstico tomográfico de corpo estranho intra-abdominal : relato de 3 casos. Radiol Bras 33(1): 63-5, 2000.
2. Lopes JV, Mendes FDR, Capalbo JL, Pitman ER. Corpo estranho intra-abdominal iatrogênico. Rev Med Aer Bras 41(2): 105-8, 1991.
3. Costa EG. Corpo estranho de fossa nasal. Anais do I Congresso Brasileiro de Rinologia e Estética da Face, Goiania1997, p. 15.
4. Pinto FR, Durazzo MD, Cordeiro AC, Ferraz AR. Corpo Estranho Perfurante Cervical. Rev Assoc Med Bras 46(1):77-80,2000.
5. Leal Filho MB, Queiroz FG, Burnett JCB, Farage M, Mello PA. Trauma ocular e abscesso cerebral associados a corpo estranho no canal óptico. Arq Bras Neurocir 12(4): 313-6, 1993. Pillar RS 238 Arq Otorrinolaringol, 6 (3), 2002
6. Sharif S, Roberts G, Philips J. Transnasal penetrating brain injury with a ball-pen. Br J Neurosurg, 14(2): 159-60, 2000.
7. Massaro-Giordano M, Kischener RA, Wulc AE. Orbital floor implant migration across ethmoidal sinuses and nasalseptum. Am J Ophthalmol 126(6): 848-50, 1998.
8. Dell’Aringa, AR et al. Rinolitíase de tamanho e localização rara. Anais do 34o Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, 1998, p. 215.
9. Dias, CP et al. Rinolitíase - relato de caso. Anais do 34o Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, 1998, p. 219.
10. Braun JJ, Bourjat P. Imagerie TDM des sinusites caseeuses fongiques et non fongiques. J Radiol 81(3): 227-31, Mar 2000.
11. Rettinger G, Steininger H. Lipogranulomas as complications of septorhinoplasty. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 123(8): 809-14, 1997.
12. Montgomery, W. In Ballenger JJ. Diseases of the Nose, Throat and Ear, 12th ed., Philadelphia, 1977, p. 230.
13. Balbani APS, Kii M, Angélico Jr FV, Sanchez TG, Voegels RL, Butugan O, Câmara J. Atendimento para retirada de corpos estranhos de ouvido, nariz e faringe em crianças. Revista Pediatria, do Centro de Estudos Professor Pedro Alcântara – Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP. Pediatria (São Paulo) 20(1):8-13, 1998.
* Médico do Ministério da Saúde e Mestre em ORL pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
** Médica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Municipal da Piedade – Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Dr. Ricardo Pillar – Rua Custódia 240 / 301 – Rio de Janeiro /RJ – CEP 21235-500 – E-mail : rspillar@bol.com.br
Artigo recebido em 21 de dezembro de 2001. Artigo aceito com correções em 20 de maio de 2002.