INTRODUÇÃO
A utilização da voz como instrumento vocal é uma prática comum e diária de um grande número de pessoas. Basta ligarmos o rádio para nos depararmos com a presença de cantores em seus variados estilos, locutores responsáveis pela radiodifusão, atores de teatro ou cinema, apresentadores, animadores de auditório, políticos, advogados, professores, padres, vendedores, telefonistas entre outros que fazem da sua voz um instrumento de trabalho. Esses profissionais exigem mais das suas vozes do que qualquer outro indivíduo, podendo exigir uma maior performance, dependendo da demanda vocal de cada um e, obviamente, da atividade profissional que este exerce. Estes profissionais, além de utilizarem suas vozes, empregam características intrínsecas da personalidade do indivíduo. Estes fatores agregados nem sempre resultam em uma boa utilização do aparelho fonador, podendo se traduzir em um déficit na qualidade vocal global do indivíduo que não só pode criar uma imagem negativa, mas também gerar uma mudança no padrão da emissão vocal. Sabe-se que a utilização errônea do aparato vocal, bem como práticas nocivas à saúde vocal, podem resultar em danos para a voz que pode variar de um distúrbio funcional a um distúrbio orgânico. A correta utilização do aparelho fonador por profissionais da voz compreende o conhecimento de alguns conceitos psicofísicos relacionados à sua voz e suas aplicações práticas, a conscientização do tipo de voz que se tem e o conhecimento das limitações desta, a fim de que os excessos sejam evitados.
O uso correto e orientado da voz como instrumento profissional se reflete em uma boa qualidade vocal global do indivíduo, uma perfeita harmonia e equilíbrio entre voz, corpo e raciocínio. Temos por objetivo avaliar a qualidade vocal de coralistas sem queixas vocais, através do Voice Handicap Index, na cidade de Porto Alegre. CASUÍSTICA E MÉTODO Participaram desta pesquisa 78 indivíduos integrantes de corais, sendo 40 do sexo feminino e 38 do masculino. A idade da população estudada variou entre 15 e 67 anos, sendo a média de 31,7 anos. Foi utilizado como instrumento desta pesquisa o Voice Handicap Index, formulado por Jacobson et al. (1997) e traduzido para a língua portuguesa por Jotz & Dornelles (2000)(Anexo I).
Todos os indivíduos que participaram do estudo fazem parte de um dos três grupos de coral entrevistados na cidade de Porto Alegre. No questionário, solicitou-se que os participantes lessem cada item e circulassem uma das cinco respostas de cada afirmativa.
A escala apresentava as palavras “nunca” e “sempre” nas extremidades; “quase nunca”, algumas vezes” e “quase sempre” encontravam-se no meio.
A cada resposta “sempre” foi computado quatro pontos, enquanto a resposta “nunca” contava zero pontos, sendo que a contagem das opções intermediárias variava entre um e três pontos.
Os participantes responderam um total de trinta questões, sendo divididas de maneira igualitária (dez questões) em três áreas distintas (funcional, física e emocional). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e Animais da ULBRA.
RESULTADOS
Na Tabela 1 fizemos a distribuição do VHI por sexo, diferenciando-se os aspectos físicos, funcionais e emocionais, bem como a soma total dos valores assinalados, não sendo observada diferença significante. Nas Tabelas 2, 3, 4 e 5, não observamos diferença significante ao analisarmos os grupos etários com relação ao VHI. Nas Tabelas 6, 7, 8 e 9 não observamos diferença significante ao associarmos o timbre vocal dos coralistas e o VHI. Na Tabela 10 observamos de maneira significante que, à medida que a idade avança, pior é a qualidade vocal dos coralistas (p=0,04). Na Tabela 11 ao questionarmos a presença de distúrbios vocais em relação ao sexo, observamos uma freqüência três vezes maior de distúrbios vocais entre as mulheres em relação aos homens, de maneira significante (p=0,043).
DISCUSSÃO
Existem poucas informações na literatura a respeito dos problemas que afetam a voz e a carreira de pessoas que a utilizam como forma de ocupação diária (profissionais da voz). As ocupações consideradas de alto risco para o desenvolvimento de desordens vocais ainda não estão adequadamente identificadas.
A experiência clínica tem demonstrado que os distúrbios vocais no profissional da voz resultam na interrupção da rotina diária. Além disto, o estilo de vida, o ambiente social e o local onde se utiliza profissionalmente a voz podem vir a contribuir na gênese dos distúrbios vocais. A Universidade de Pittsburgh implementou um programa de higiene vocal e educação vocal para 200 membros de corais em 1996.
Relataram que a eficácia destes programas resultou numa redução da incidência de distúrbios vocais (Rosen; Murry, 1997). Danoy et al.(1990) relataram que duas condições eram necessárias para uma eufonia: a estruturação da personalidade, isto é, em relação ao desenvolvimento psicomotor, psico-afetivo e intelectual e a presença de um aparelho fonador morfofisiologicamente normal. O uso do VHI para auto-avaliar a qualidade vocal do indivíduo normal, de um paciente frente ao impacto do tratamento de seu distúrbio vocal, bem como no acompanhamento terapêutico fonoaudiológico, tem sua aplicação prática como complemento aos métodos já existentes, como a videoendoscopia, a análise perceptiva auditiva e computadorizada da voz.
Aspectos preliminares observados no uso deste tipo de instrumento em coralistas não mostraram diferença significante em relação ao sexo (Tabela 1).
No entanto, ao questionarmos de forma direta com uma única pergunta quanto à presença de distúrbios vocais, observamos que houve predominância das mulheres de maneira significante (Tabela 11; p=0,043).
À primeira vista, pode parecer um paradoxo, isto é, uma questão invalidando outra.
Entretanto, ao analisarmos este dado através de 30 questões, podemos estar fragmentando nossos resultados, não mostrando significância entre eles. Em virtude disto, Thomas Murry e Clark Rosen, do Centro da Voz da Universidade de Pittsburgh – USA, desde 1999 vem aplicando as mesmas 30 perguntas, apesar de terem selecionado as 10 mais importantes para que, num futuro próximo, possam descrever se são ou não sobreponíveis às 30 questões de Jacobson et al. (1997).
Estes dados fazem parte do roteiro de entrevista por eles formulado (não publicado) e apelidado de “Pitt 10 (ten)”. Um dos primeiros estudos relatados para avaliar o impacto dos distúrbios vocais na qualidade de vida foi realizado por Smith et al. (1994) que propuseram um questionário com a finalidade de obter informações sobre o impacto funcional dos distúrbios vocais em vários aspectos da vida das pessoas.
Procuraram observar os efeitos dos sintomas vocais especificamente na profissão, sintomas, fatores de risco e história familiar. Quando analisamos os valores do VHI isoladamente e o valor total em relação à faixa etária, não encontramos diferença significativa nas alterações funcionais, físicas ou emocionais em determinada faixa etária (Tabelas 2, 3, 4 e 5).
Entretanto, observamos que à medida que a idade avança, pior é a qualidade vocal do coralista (Tabela 10). Sabemos que diferenças sócio-culturais podem influenciar neste “envelhecimento” da voz.
Os sentimentos também vão sendo redefinidos com o passar dos anos e as pessoas vão carregando uma parcela deles na sua qualidade vocal. Necessário seria aumentarmos o nível de atividade das pessoas para que o reflexo vocal fosse amenizado (Hollien, 1987). Alguns fatores endógenos também devem ser considerados com o passar dos anos.
Por exemplo, as mudanças no nível de freqüência fundamental da voz na puberdade ocorre em ambos os sexos.
O aumento do tamanho da laringe e das pregas vocais, bem como sua descida são ações diretas dos hormônios andrógenos.
A persistência de tons agudos na voz de meninos na puberdade pode sugerir deficiência hormonal.
A perda de sons agudos e de “pitch” incerto, associado a pequenas hemorragias submucosas em 42 de 100 cantores de ópera durante a menstruação tem sido relatados (Hollien, 1987). Embora tenhamos conhecimento que os distúrbios vocais possam causar impactos importantes nas atividades diárias e na qualidade de vida das pessoas, existem poucos instrumentos para que possamos analisar estes distúrbios. Ferreira (1995) descreveu a atuação do professor de técnica vocal e do fonoaudiólogo com profissionais da voz na área do canto.
A visão do professor de técnica vocal ressaltava a presença da arte, da transmissão oral do conhecimento e da experiência adquirida pelos mais velhos atuantes na área, enquanto a do fonoaudiólogo ressaltava a marca da ciência e o conhecimento anatômico e funcional das estruturas envolvidas na produção vocal.
Ao analisarmos os “tipos vocais” integrantes de um coral através do VHI, não encontramos diferenças significantes entre as médias do VHI funcional, físico e emocional e o total destes valores com o timbre de voz.
Isto pode ser explicado em virtude do tamanho da amostra que além de ser pequena, é subdividida entre os diversos tipos de voz que compõem o coral.
CONCLUSÃO
A auto-avaliação da voz vem a complementar o exame de um paciente portador de distúrbios vocais, onde associado à anamnese otorrinolaringológica e à análise perceptiva auditiva e computadorizada da voz, oferecem uma visão mais completa no sentido de elucidar as possíveis etiologias dos distúrbios vocais.
Por fim, este questionário vem formalizar a opinião do indivíduo quanto a sua qualidade vocal, podendo também ser utilizado no pré e pós-operatório de microcirurgias da laringe.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Jacobson BH, Johnson A, Grywalski C, Silbergleit A, Jacobson G, Benninger MS, Newman CW. The Voice Handicap Index (VHI): Development and Validation. Am J Speech Lang Pathol, 6(3): 66-70, 1997.
2. Jotz GP, Dornelles S. Auto-avaliação da voz. Experiência Clínica. Arq Med ULBRA, 3 (2): 43-50, 2000.
3. Rosen CA, Murry T. Efficacy of vocal education in school teachers. Grant Application, 1997. Pittsburgh, PA.
4. Danoy MC, Heuillet-Martin G, Thomassin JM. Les dysphonies de l’enfant. Rev Laryngol, 111 (4): 341-45, 1990.
5. Smith E, Nichols S, Lemke J, Verdolini K, Gray SD, Barkmeier J, Dove H, Hoffman H. Effects of voice disorders on patient lifestyle: Preliminary results. NCVS Status Progr Report, 4, 237-248, 1994.
6. Hollien H. “Old voices”: what do we really know about them? J Voice, 1(1): 2-17, 1987.
7. Ferreira LP. A avaliação da voz: o sentido poderia ser outro? In: Ferreira LP. Um pouco de nós sobre voz. 2ª ed. São Paulo, Pró-fono; 1995, p.29-38.
* Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Curso de Medicina da ULBRA e do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS).
** Acadêmico do Curso de Fonoaudiologia da ULBRA.
*** Acadêmica do Curso de Medicina da ULBRA.
**** Professora Adjunta Mestre da Disciplina de Qualidade Vocal do Curso de Fonoaudiologia da ULBRA.
***** Professora Adjunta Doutora da Disciplina de Epidemiologia do Curso de Medicina da ULBRA.
Trabalho Realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Geraldo Pereira Jotz – Rua Dom Pedro II, 891 cj. 604 – CEP 90550-142 – Porto Alegre / RS – Telefax: (51) 3337-6566 – Email:
jotz.voz@zaz.com.br
Artigo recebido em 8 de abri de 2002. Artigo aceito em 10 de setembro de 2002 com correções.