INTRODUÇÃO
O envelhecimento é caracterizado por uma redução na capacidade de adaptação homeostática às situações de sobrecarga funcional, o que leva a alterações morfológicas, fisiológicas e patológicas (1). A instabilidade corporal e as quedas estão entre as grandes síndromes geriátricas; entretanto, não devem ser consideradas como fatos normais do envelhecimento (2). Um dos principais fatores que limitam a vida do idoso é o desequilíbrio, que em 80% dos casos não pode ser atribuído a uma causa específica e sim ao comprometimento do sistema de equilíbrio como um todo.
Em mais da metade dos casos, o desequilíbrio tem origem entre os 65 e 75 anos e em apenas 15% dos pacientes está presente algum diagnóstico a que se possa atribuir a instabilidade, permanecendo os outros 85% sem causa aparente para o desequilíbrio (3). Aproximadamente 20% das pessoas acima dos 60 anos de idade apresentam comprometimento de suas atividades diárias em função da tontura (4) que pode provocar quedas, eventualmente acompanhadas por fraturas.
As quedas têm importância crescente nos grupos geriátricos (5), sendo que aproximadamente 40% dos pacientes que sofrem quedas e têm como diagnóstico o comprometimento da circulação carotídea, relatam que a queda foi conseqüência de desequilíbrio ou tontura (6,7). As causas de queda nos indivíduos idosos são inúmeras, sendo uma delas o próprio medo de cair.
Essa atitude resulta em restrição de movimentos corporais, tornando os indivíduos menos ativos, limitando suas atividades diárias e prejudicando seu relacionamento familiar, social e profissional.
Outra causa importante de queda são as alterações relacionadas aos sistemas que comandam o equilíbrio. Cumpre lembrar os três sistemas envolvidos na manutenção do equilíbrio corporal, ou seja, os sistemas visual, somatossensorial e vestibular, que devem ser perfeitamente integrados no sistema nervoso central (8).
Essa conexão entre os três sistemas gera os reflexos responsáveis pelo equilíbrio corporal, destacando-se o reflexo vestíbulo-ocular e vestíbulo-espinal.
O envelhecimento tem como conseqüência a degeneração estrutural destes três sistemas e dos reflexos por eles gerados, a saber:
• O labirinto apresenta redução das células sensoriais e das fibras do nervo vestibular (9).
• A visão pode ser comprometida pelo glaucoma e pela catarata, freqüentes no idoso, observando-se diminuição do ganho do reflexo vestíbulo ocular (VOR) (3,10).
• Ocorre perda de massa muscular, diminuição da flexibilidade dos ligamentos e tendões, presença de artrite degenerativa e osteoporose, dificultando a realização de movimentos corporais e resultando em inatividade física (3,11). Uma das formas de se avaliar quantitativamente a capacidade de equilíbrio corresponde ao teste Functional Reach (FR) (12).
O resultado final deste teste representa a distância máxima que se pode alcançar (além do comprimento do braço) para frente, mantendo-se uma base fixa de suporte.
Para a realização do teste, o indivíduo deve permanecer em pé ao lado de uma parede onde está fixada uma fita métrica graduada, avançando com o corpo para frente o máximo que conseguir. A distância entre a posição de repouso e a de execução máxima é definida como alcance funcional (Funcional Reach). O sistema responsável pelo equilíbrio sabidamente sofre degeneração funcional ao longo do tempo, de modo que indivíduos idosos apresentam comprometimento de sua estabilidade postural, mesmo na ausência de queixas clínicas. Um método efetivo na recuperação do equilíbrio corporal do idoso é a reabilitação vestibular (13-16).
Parte importante deste tratamento consiste em manter o paciente informado e esclarecido a respeito de seus sintomas, para que haja colaboração na execução das tarefas e para aliviar a ansiedade. Resta saber o quanto uma abordagem mais simples e abrangente, como orientações ministradas em aulas de grupo e alguns exercícios de fácil execução, pode auxiliar indivíduos idosos na manutenção de sua estabilidade postural, mesmo na ausência de queixas primárias de desequilíbrio.
Não dispomos, na literatura indexada, de dados sobre a importância deste tipo de abordagem na qualidade de vida de indivíduos idosos. Dada a elevada prevalência da síndrome do desequilíbrio no idoso (3,17,18) e buscando uma abordagem terapêutica inicial de grande abrangência, baixo custo e fácil execução capaz de diminuir a freqüência das quedas nessa faixa etária, idealizamos esse trabalho com os seguintes objetivos:
1. Avaliar a freqüência da queixa de distúrbios do equilíbrio corporal em um grupo de pacientes idosos;
2. Verificar a evolução do equilíbrio corporal e da qualidade de vida do mesmo grupo após esclarecimentos e orientações iniciais sobre este tema, associados ao aprendizado de 3 exercícios físicos que fazem parte do protocolo de reabilitação vestibular.
MATERIAL E MÉTODO
Neste estudo descritivo foram avaliados 25 pacientes (amostra de conveniência) compostos por 20 pacientes do sexo feminino e 5 do sexo masculino com idade entre 61 e 84 anos (média = 71 + 8 anos), consecutivamente atendidos e integrantes do Grupo de Atendimento Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial (GAMIA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Os pacientes foram atendidos e orientados conforme o protocolo de atenção vigente no Serviço, sendo os dados coletados retrospectivamente utilizados em nossa análise. Constituíram critérios de inclusão idade superior a 60 anos, capacidade de locomoção sem ajuda, funções cognitivas preservadas e ausência de antecedente de quedas com trauma. Após responder a um questionário de investigação sobre queixas de desequilíbrio, os pacientes foram submetidos ao teste Funtional Reach. Depois do teste, participaram de uma aula em grupo onde receberam exaustivas orientações e esclarecimentos sobre o equilíbrio e suas alterações, sendo incentivados a realizar caminhadas e fazer 3 exercícios físicos de fácil execução, extraídos do protocolo de reabilitação vestibular . Esclarecimento:
Informações fornecidas aos pacientes quanto aos sistemas que regem o equilíbrio e alterações que podem ocorrer com a idade:
• Anatomia e fisiologia do sistema vestibular.
• Doenças que podem acometer os sistemas responsáveis pelo equilíbrio.
• Influência da degeneração destes sistemas na movimentação corporal.
• Noções sobre compensação e habituação vestibular. Orientações: Aconselhamentos que podem favorecer a melhora dos sintomas:
• Não evitar movimentos corporais, evitando passar a maior parte do tempo deitado ou sentado.
• Praticar atividades esportivas como nadar, jogar tênis, hidroginástica e jogos com bola.
• Praticar caminhadas em horários e lugares apropriados, de maneira regular e sistemática.
• Mudança no estilo de vida como parar de fumar, não ingerir bebidas alcoólicas, evitar café e situações de estresse. Exercícios: Extraídos do protocolo de reabilitação vestibular, devendo ser realizados diariamente em casa, sempre na posição sentada, com 10 repetições para cada movimento:
• Movimento da cabeça para ambos os lados, alternadamente.
• Movimento da cabeça para cima e para baixo.
• Jogar uma bola de uma mão para a outra. Os aconselhamentos foram relembrados durante as aulas de fisioterapia a que este grupo de pacientes geralmente atendia, e os exercícios foram realizados durante essas aulas e em domicílio.
Elaborou-se também um folheto informativo que foi distribuído aos pacientes. Quatro meses após o encontro inicial, os pacientes foram novamente submetidos ao questionário de investigação de sintomas e também ao teste Funtional Reach.
Os pacientes que não melhoraram foram encaminhados ao médico para uma avaliação do equilíbrio e posterior tratamento. A metodologia estatística incluiu as ferramentas da estatística descritiva e o teste t pareado para comparação dos valores de alcance funcional (teste Functional Reach) antes e depois da abordagem terapêutica.
RESULTADOS
Dos 25 pacientes estudados, 20 (80%) referiram inicialmente sintomas de alteração do equilíbrio corporal, sendo a tontura o sintoma mais freqüente. Assim, dentre os pacientes sintomáticos, 13 (52%) apresentavam apenas tontura, 5 (20%) tontura e desequilíbrio e 2 (8%) apenas desequilíbrio (Figura 1).
Na reavaliação dos 20 casos inicialmente sintomáticos, observamos que 16 (80%) pacientes referiram remissão ou melhora dos sintomas, enquanto apenas 4 (20%) não apresentaram melhora (Figura 2). Com relação ao teste Functional Reach, observouse na avaliação inicial um valor médio de 26,8 + 6,2 cm e um valor final de 29,5 + 5,0 cm, constatando-se aumento estatisticamente significativo de alcance funcional (p < 0,04).
DISCUSSÃO
Inúmeros autores descrevem os benefícios obtidos com a reabilitação vestibular (19-25).
Alguns autores ressaltam a importância de associar os exercícios à etapa de orientação e esclarecimento (15,26,27) dando grande valor a esta etapa da abordagem terapêutica.
Um dos aspectos que induz a utilização desta etapa, é que a maioria dos pacientes com alterações do equilíbrio adota um padrão de vida sedentária para evitar os movimentos corporais que desencadeiam os sintomas.
Embora este seja um comportamento compreensível, infelizmente contribui negativamente para a recuperação, pois movimentos corporais repetitivos promovem melhora dos sintomas, pelo efeito do fenômeno da habituação.
Portanto, desde que os pacientes sejam orientados quanto à necessidade de uma vida mais ativa, a melhora dos sintomas é observada. Não empregamos em nossa série de pacientes a estimulação com exercícios formais de reabilitação vestibular, mas sim procuramos enfatizar a etapa de esclarecimento e orientação com a finalidade de abranger um grande número de indivíduos em curto período de tempo (aula em grupo).
Shepard e Telian (11) relatam a necessidade de se inserir nos programas de reabilitação, um programa geral de atividade física de acordo com a capacidade, idade, saúde e interesse do indivíduo. Para a maioria das pessoas isto envolveria no mínimo caminhadas ou uma tarefa mais árdua como correr e andar de bicicleta. Para o nosso grupo, insistimos na necessidade de se fazer caminhadas, com o intuito de treinar o sistema somatossensorial, assim como a execução de apenas três tipos de exercícios físicos, que possibilitam o treino do reflexo vestíbulo-ocular. O impacto causado pelas complicações da queda no idoso em relação à saúde pública é tal que todo programa que puder minimizar as sérias conseqüências do desequilíbrio é altamente desejável. Baseados nessa afirmação, idealizamos esse método de fácil implementação, baixo custo e que não requer equipamentos ou necessita de avaliações e controles periódicos, podendo ser realizado em instituições que lidam com pacientes de terceira idade, casas de repouso, agremiações, igrejas, postos de saúde, etc.
Procuramos de forma simples, desenvolver um procedimento de grande abrangência e importância social, investindo na qualidade de vida do idoso. Acreditamos que intervenções profiláticas, como palestras em grupos para indivíduos idosos, podem ser empregadas para evitar maior morbidade e mortalidade provocadas por alterações de equilíbrio, uma vez que o paciente aprende a lidar com seus sintomas, adquirindo maior confiança e segurança ao movimento corporal e melhorando a qualidade das atividades diárias. Confirmamos, nesse grupo, a elevada prevalência de sintomas de desequilíbrio corporal descrita para indivíduos idosos, mesmo naqueles que ainda não apresentaram antecedentes de queda.
Além disso, observamos que a grande maioria (80%) dos indivíduos inicialmente sintomáticos referiu melhora total ou parcial dos sintomas, com conseqüente melhora da condição física para suas atividades do dia-a-dia, diminuição de sua limitação de movimentos, aumento da velocidade de movimentação corporal, referindo mais segurança no deambular e nas atividades em geral.
Mesmo os pacientes que não apresentaram queixas e que seguiram nossas instruções, referiram sentirse mais seguros, o que nos anima a usar tal metodologia como medida preventiva. O aumento estatisticamente significativo do teste Funcional Reach confirmou quantitativamente a melhora observada, apesar da avaliação de uma casuística modesta (amostra de conveniência).
Dessa forma, podemos inferir que esse trabalho de orientação em grupo apresenta grande valor na prevenção dos problemas de equilíbrio do idoso.
CONCLUSÕES
As queixas de alteração do equilíbrio são freqüentes no idoso, mesmo naqueles indivíduos considerados saudáveis. O trabalho de orientação e esclarecimento associado a um mínimo de exercícios para treino do reflexo vestíbulo-ocular e do sistema somatossensorial mostrou-se bastante efetivo no controle destes sintomas.
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* Fonoaudióloga Responsável pelo Ambulatório de Reabilitação Vestibular da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HC-FMUSP. Mestranda pelo Departamento de
Fisiopatologia Experimental da FMUSP.
** Fisioterapeuta Aprimoranda do Setor de Geriatria do Hospital das Clinicas da FMUSP.
*** Assistente Doutora do Setor de Otoneurologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica da HC-FMUSP.
**** Médica Colaboradora da Divisão de Clinica Otorrinolaringológica da HC-FMUSP.
***** Fonoaudióloga aprimoranda do Setor de Fonoaudiologia do HC-FMUSP.
****** Fisioterapeuta do Serviço de Geriatria do HC-FMUSP. Mestre em Psicologia Social.
******* Professor Doutor da FMUSP - Disciplina de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
******** Professor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP.
Endereço para correspondência: Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 – Cerqueira Cesar – 6o Andar, Sala 6002 – São Paulo / SP – CEP 05403-000 – Telefone: (11)
3069-6988 – Fax: (11) 280-0299 – E-mail: mebe@uol.com.br.
Artigo recebido em 2 de setembro de 2002. Artigo aceito em 30 de setembro de 2002.