INTRODUÇÃO
A perda auditiva decorrente do envelhecimento representa um problema epidemiológico em constante crescimento, por refletir o envelhecimento geral da popula ção (1,2). A presbiacusia é o comprometimento sensorial mais freqüente entre idosos, com prevalência de aproximadamente 46% em indivíduos de 48 a 92 anos (3). MEGIGHIAN (1) observa que a perda auditiva se torna freqüente a partir dos 55 anos de idade, atingindo cerca de 14% da população entre 60-64 anos e 50 a 60% acima dos 80 anos. A presbiacusia resulta principalmente dos efeitos cumulativos da exposição ao ruído, do envelhecimento da cóclea e de doenças vasculares (4,5). Segundo HINCHCLIFFE (6), CORSO (7), MARSHALL (8) e MEGIGHIAN (1), ela reflete uma ampla gama de alterações degenerativas e fisiológicas que ocorrem em muitas combinações no sistema auditivo periférico e central. LEITHAUSER (9) não acredita que a presbiacusia seja fisiológica. O autor crê que fatores típicos de risco, como Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus tenham um papel menor que o ruído ambiental crescente e o estilo de vida dos dias atuais. Nos casos de presbiacusia de início precoce, com evolução rápida, por volta dos 55 anos de idade, AMSTUTZ-MONTADERT e ANDRIEU-GUITRANCOURT (2) recomendam a busca de distúrbios metabólicos ou vasculares, o uso de ototóxicos e de nicotina.
Os autores também acreditam que o ruído seja o principal fator de agravo para a presbiacusia. MEGIGHIAN (1), estudando 13.710 idosos do campo e da cidade, não concorda que o desenvolvimento tecnológico esteja afetando negativamente a perda auditiva relacionada à idade, que ele considera fisiológica. JORGENSEN (10) e CULLEN (11) teorizam que os diabéticos apresentam maior risco de perda auditiva tanto por desordens metabólicas como por neuropatias. CULLEN (11) não observa relação entre o tempo de duração do diabetes tipo 1 e uma piora da perda auditiva. Dalton (12) observa modesta associação entre o diabetes tipo 1 e perda auditiva, não reconhecendo piora da perda auditiva com o tempo de doença ou com o controle da glicemia. ACUÑA GARCIA (13) encontra limiares audiométricos acentuadamente piores em diabéticos com neuropatia diabética quando comparados à população controle e aos diabéticos não neuropatas.
O autor observa piora dos limiares em freqüências agudas proporcionalmente ao tempo de doença e ao descontrole da glicemia. TAY (14) e MA (5) em diabéticos tipo 1 e tipo 2, ESPAÑA (15) em diabéticos tipo 1 e BOOMSMA (16) em diabéticos tipo 2, concluíram que a perda auditiva apresenta relação com o tempo de doença. DAVANIPOUR (17) acredita que a associação entre perda auditiva e hipertensão arterial sistêmica observada em uma população de 1.314 idosos indique que as patologias vasculares associadas à hipertensão arterial sistêmica possam ser etiologicamente responsáveis por esta perda auditiva. CRUICKSHANKS (3), DAVANIPOUR (17) e CORSO (7) observam perda auditiva mais acentuada nos idosos do sexo masculino. MEGIGHIAN (1) observa maior prevalência de perda auditiva em homens que em mulheres acima de 60 anos. TAY (14) e ACUÑA GARCIA (13) não observam diferença audiométrica relacionada ao gênero do paciente. Devido à existência de poucos estudos epidemiol ógicos para avaliar a perda auditiva em adultos (3), e aos resultados discordantes nos estudos realizados, optamos por estudar a prevalência de presbiacusia em idosos e a relação da hipertensão arterial sistêmica e do diabetes mellitus como fatores de risco para esta perda auditiva.
METODOLOGIA
O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Mogi das Cruzes emitiu parecer favorável a este trabalho quando de sua inclusão no Programa de Iniciação Científica CNPq – UMC. Pessoas acima de 60 anos de idade, moradoras da cidade de Mogi das Cruzes – SP, foram convidadas a realizarem avaliação auditiva durante a Feira de Saúde Antonio Prudente, realizada nos dias 18 e 19 de agosto de 2001.
Fomos procurados espontaneamente por 132 pacientes. Esta avaliação constituiu-se de questionário sobre antecedentes pessoais e otológicos, otoscopia realizada por médico otorrinolaringologista, audiometria tonal limiar e audiometria vocal, realizadas conjuntamente por duas fonoaudiólogas. As audiometrias foram realizadas em cabine acusticamente isolada, com audiômetro Maico MA 41. Incluímos neste estudo somente os dados obtidos com consentimento prévio do paciente. A pressão arterial e a glicemia foram medidas em todos os pacientes, considerados alterados a glicemia maior que 200 mg/dL (a população não se encontrava em jejum) e limiares pressóricos maiores que 100 mmHg (diastólicos) e/ou 150 mmHg (sistólicos).
Os que já sabiam ser portadores de diabetes mellitus ou hipertensão arterial foram incluídos no grupo de patologias sistêmicas. Foram considerados portadores de presbiacusia os pacientes com limiares maiores que 25dB HL nas freqüências 4, 6 e 8 KHz, em ambas as orelhas, com curva descendente.
Os pacientes que apresentaram SRT acima de 30dB HL foram orientados para acompanhamento otorrinolaringológico para eventual tratamento clínico/ cirúrgico ou adaptação de aparelho auditivo. O estudo estatístico foi realizado através do programa SP SS versão 7.5, aplicado o teste Kolmogorov-Smirnov.
RESULTADOS
Dos 132 indivíduos avaliados, 18 foram excluídos por falta de dados.
Das 114 pessoas restantes, 14 (12,3%) apresentaram limiares audiométricos dentro da normalidade e 100 (87,7%) possuíam algum grau de perda auditiva. Destes pacientes com perda auditiva, 74 (64,9%) apresentaram limiares audiométricos compatíveis com presbiacusia e 26 (22,8%) com perda auditiva por outras causas, sendo estes também excluídos.
Destes 100 pacientes que apresentavam perda auditiva, 12,1% apresentavam SRT acima de 30 dB em ambas as orelhas, sendo orientados a procurar otorrinolaringologista para eventual protetização auditiva. A população final incluída neste estudo (88 pacientes) foi dividida em:
grupo I, constituído de 14 pacientes (15,9%) com limiares audiométricos dentro dos limites da normalidade e grupo II, formado por 74 pacientes (84,1%) com perda auditiva sugestiva de presbiacusia (Gráfico 1). Destes pacientes, 24 tinham entre 60 e 64 anos (27,3%), 31 entre 65 e 69 anos (35,2%), 18 entre 70 e 74 anos (20,5%) e 15 pacientes tinham mais que 74 anos (17%).
O Gráfico 2 mostra a distribuição destes pacientes nos grupos I e II. Dos pacientes do grupo II, observamos aumento do número de casos de presbiacusia proporcionalmente ao aumento da idade.
Encontravam-se neste grupo: 54,1% dos indivíduos entre 60 e 64 anos, 93,5% daqueles entre 65 e 69 anos e 100% das pessoas acima dos 74 anos.
No estudo estatístico observou-se diferença significativa nas freqüências 2, 3, 4, 6 e 8 KHz entre os indivíduos de 60 a 70 anos e os da faixa etária acima de 74 anos (p =0,05) (Gráfico 3). Destes 88 pacientes estudados, 27 pacientes apresentaram hipertensão arterial sistêmica (30,7%), 9 apresentam diabetes mellitus (10,2%), 22 pacientes apresentam ambas as patologias (25%) e 30 pacientes não apresentam doenças sistêmicas (34,1%) (Gráfico 4). Todos os pacientes com HAS, 13 do sexo feminino e 14 do sexo masculino, apresentaram presbiacusia, não havendo como comparar os grupos I e II. Dos pacientes em estudo, metade é do sexo masculino. Destes, apenas 8,9% apresentam limiares audiométricos dentro dos limites da normalidade.
Entre os pacientes do sexo feminino, 23,3% tinham limiares normais. Mesmo nos indivíduos do grupo I observamos limiares piores nas freqüências agudas entre os indivíduos do sexo masculino (Gráfico 5).
Esta diferença também foi observada ao se dividir os grupos por presença ou não de patologias sistêmicas.
No grupo sem patologia sistêmica, os limiares tonais dos homens encontravam-se significativamente maiores nas freqüências 4, 6 e 8 KHz, e no grupo com hipertensão, nas freqüências 3, 4 e 6 KHz.
Apenas o grupo dos pacientes com DM não pode ser avaliado quanto ao gênero por só haver pacientes homens com presbiacusia e uma mulher sem perda auditiva (Gráficos 6 e 7). Quanto às queixas relacionadas à acuidade auditiva, observamos que os pacientes com presbiacusia apresentavam zumbido e dificuldade para ouvir duas vezes mais que os pacientes do grupo sem perda auditiva, embora esses últimos também se queixassem de zumbido em 21,4% dos pacientes, e de dificuldade para ouvir na mesma porcentagem (Gráfico 8). Dos 37 pacientes com zumbido, 13 não tinham patologia sistêmica. Dos 38 pacientes com dificuldade para entender a fala, 13 não apresentavam patologia sistêmica.
DISCUSSÃO
Observamos aumento do número de casos de presbiacusia proporcionalmente ao aumento da idade. Estes resultados concordam com os de MEGIGHIAN (2). Não encontramos relação entre diabetes mellitus tipo 2 e aumento na incidência de presbiacusia, concordando com a revisão de literatura realizada por JORGENSEN (10), que chama atenção para a dificuldade em se distinguir a perda auditiva dos diabéticos da perda auditiva senil em indivíduos não diabéticos.
Para ESPAÑA (15), o fato de jovens diabéticos não terem perda auditiva exclui a hiperglicemia como fator isolado para alterações auditivas. A ausência de relação entre retinopatia e perda auditiva faz o autor acreditar que o diabetes tenha papel ototóxico, acelerando alterações degenerativas da orelha, já que alterações labirínticas microvasculares isoladas não podem ser responsabilizadas pelos sintomas auditivos. Quando analisamos os pacientes com HAS em associação com DM, também não encontramos relação entre a presença destas patologias e a piora dos limiares audiométricos, contrariando DAVANIPOUR (17), BRANT (18) e DUCK (19). Não pudemos relacionar o agravamento dos limiares audiométricos na presença de HAS, já que os 27 pacientes com esta patologia isolada apresentavam presbiacusia.
O fato de pacientes com associação de HAS e DM não apresentarem piora dos limiares tonais não nos permite inferir que a hipertensão arterial tenha interferência direta na presbiacusia, como faria supor a presença de presbiacusia em todos os hipertensos estudados. A maior preservação auditiva observada nas mulheres estudadas está de acordo com diversos estudos recentes (1, 3, 7, 17) e é observada em todos os grupos, com e sem perda auditiva, com e sem patologia sistêmica associada. Os resultados obtidos concordam com os de LEITHAUSER (9), que acredita que fatores típicos de risco, como hipertensão e diabetes mellitus tenham um papel menor que o ruído ambiental na gênese da presbiacusia. WESTON (20) sugere haver um sinergismo entre diversos fatores que comprometem a saúde (fumo, arterioesclerose, distúrbios circulatórios, hipertensão, anemia, etc.) e a perda auditiva decorrente da idade. A presença de zumbido e a queixa de dificuldade para ouvir também mostraram alta prevalência, mesmo em idosos com limiares audiométricos dentro dos limites da normalidade, e sem relação com a presença de patologia sistêmica. Não encontramos estudos neste sentido para comparação.
O estudo das vias auditivas centrais e o processamento auditivo central poderiam, eventualmente, esclarecer a fisiopatologia destes sintomas.
CONCLUSÃO
Neste estudo comprovou-se a alta prevalência de perda auditiva na terceira idade, com apenas 12,3% de pacientes com limiares audiométricos dentro da normalidade. Constatou-se maior incidência e intensidade da presbiacusia com o avançar da idade e nos indivíduos do sexo masculino. Não observamos, contudo, maior freqüência ou intensidade de presbiacusia em pacientes portadores de hipertensão arterial sistêmica e/ou diabetes mellitus.
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20 Weston TET. Presbyacusis. J Laryngol Otol, 78: 273-86, 1964.
* Doutora em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Professora Adjunta de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes.
** Aluna da Graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes.
Trabalho apresentado no XXXIV Conventus ORL Latina, em 02 a 04 de maio de 2002, em São Paulo e no V Congresso de Iniciação Científica (CNPq - UMC), em 29
a 30 de agosto de 2002.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes.
Endereço para Correspondência: Dra. Vera Lucia Ribeiro Fuess . Rua Galdino Alves, 220 . Mogi das Cruzes / SP . CEP 08780-250 . Telefone: (11) 4799-2440 . Fax:
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Artigo recebido em 8 de agosto de 2002. Artigo aceito com modificações em 17 de março de 2003.