INTRODUÇÃO
A doença reumatóide (DRe) é uma enfermidade inflamatória crônica de caráter sistêmico que tem como principal manifestação a sinovite persistente e progressiva acometendo principalmente articulações distais. A laringe é um órgão não raramente acometido nessa doença. O envolvimento da articulação cricoariteno ídea, responsável pela movimentação das pregas vocais, é a forma mais freqüente de envolvimento da laringe na DRe.
A prevalência do acometimento desta articulação em pacientes com DRe varia com o método de identificação, alcançando 88% em séries de autópsias (1), 26% quando o diagnóstico baseia-se apenas no exame físico (2), 54% pela tomografia computadorizada (3) e 45% pelo raio-X cervical com baixa voltagem (4). No entanto, é rara a observação de nódulos laríngeos nesses pacientes, mesmo sendo de 50% a incidência de nódulos subcutâneos na doença reumatóide (5). O primeiro relato de nódulos reumatóides na laringe foi feito por RAVEN (6) em 1948, sobre um nódulo em epiglote.
MIKKLESON (7) em 1955 descreveu o primeiro nódulo reumatóide em pregas vocais. POLISAR (8) em 1959 confirmou algumas lesões em laringes de pacientes com artrite reumatóide, incluindo nódulos reumatóides. PINALS (9) em 1966 também verificou uma lesão em região posterior de prega vocal com características histológicas de nódulos reumatóides.
Outros autores também relataram casos isolados de nódulos reumatóides na laringe (10- 11). Seu aspecto macroscópico assemelha-se a cistos laríngeos, porém, microscopicamente têm uma área de necrose fibrinóide central, circundada por histiócitos, monócitos e fibroblastos.
É possível que traumas crônicos de baixa intensidade em regiões tireo-hióidea e pós-cricóidea possam predispor à formação de nódulos reumatóides, haja vista a predileção destas lesões por estas regiões (12). A presença de edema e fibrose poderia contribuir significativamente para a obstrução da via aérea.
Assim, o diagnóstico de nódulos reumat óides em paciente com dispnéia e estridor laríngeo depende de uma suspeita clínica e cuidadoso exame histológico. O objetivo deste estudo é descrever um caso de uma paciente com nódulos reumatóides laríngeos que se apresentavam como lesões císticas durante avaliação intraoperatória.
Os principais diagnósticos diferenciais e as condutas terapêuticas são discutidos.
RELATO DE CASO
Paciente parda, do sexo feminino, 35 anos, atendida em nosso serviço em setembro de 1999 com diagnóstico prévio de artrite reumatóide e com queixa de falta de ar progressiva há dois anos. Apresentava deformidades articulares em mãos e a laringoscopia indireta mostrava estreitamento do espaço aéreo supraglótico.
Foi traqueostomizada em outro serviço há dois meses e, por fibrolaringoscopia, evidenciou-se a presença de abaulamentos inespecíficos de supraglote na região das bandas ventriculares e de aritenóides com pregas vocais de mucosas preservadas, porém com reduzida mobilidade (Figura 1). A tomografia computadorizada não mostrava invas ão de outros tecidos.
Foi então submetida à biópsia por laringoscopia de suspensão em outubro de 1999, onde foi retirada uma lesão cística de cada banda ventricular e ainda outra lesão cística sobre a aritenóide direita.
O resultado das culturas para fungos, micobactérias e bactérias foi negativo, porém o exame anatomopatológico revelou a presença de nódulos reumatóides. Assim, como ainda havia algumas lesões em supraglote, nova intervenção cirúrgica foi realizada em dezembro de 1999, com remoção de outras três lesões císticas da banda ventricular e aritenóide esquerda (Figura 2). O exame anatomopatológico confirmou nódulos reumatóides (Figura 3).
A mobilidade das pregas vocais estava bem reduzida, sugerindo a presença de fixação da articulação cricoaritenóidea e optou-se por aritenoidectomia esquerda. A paciente evoluiu com significativa melhora da dispnéia e foi decanulada, não apresentando sinais de recidiva das lesões até o momento, 36 meses após a última intervenção cirúrgica (Figura 4).
DISCUSSÃO
Os nódulos reumatóides subcutâneos estão presentes principalmente em áreas de pressão e sobre tendões, freqüentemente encontrados na superfície extensora do antebraço (11). Podem se desenvolver gradual ou abruptamente e estão geralmente associados com sinais de inflamação. Tendem a diminuir e até desaparecer com o tempo. Alguns autores sugeriram que a utilização crônica de Methotrexate poderia aumentar ou acelerar o surgimento de nódulos reumatóides (13), porém nossa paciente nunca tinha feito uso de tal droga. Quanto aos achados histopatológicos, os nódulos reumatóides têm a aparência de um granuloma de corpo estranho com três camadas distintas:
a) necrose fibrinóide no centro; b) uma camada intermediária com macrófagos modificados em forma de células alongadas dispostos radialmente e alinhados a fibras de colágeno; c) tecido de granulação com células inflamatórias na periferia (5) (Figura 3). Dentre os diagnósticos diferenciais destes nódulos reumatóides, encontramos outras lesões nodulares e até lesões císticas da laringe.
Os cistos laríngeos devem ser lembrados, pois apesar de acometerem preferencialmente a região glótica, podem se manifestar em outras localiza- ções como as pregas vestibulares (14).
Neste caso, o aspecto cirúrgico da dissecção dos nódulos reumatóides se assemelhava à dissecção de cistos laríngeos (Figura 2) com saída de secreção purulenta. Os diagnósticos diferenciais que devem ser considerados incluem tumores benignos como papilomas, hemangiomas, linfangiomas, paragangliomas, neurofibromas, condromas e tumores das glândulas salivares menores como o adenoma pleomórfico; mais raramente deve-se considerar os tumores de células granulares, que surgem de células de Schwann e acometem a laringe em 5 a 10% dos casos (15). Segundo FREIDMAN (10), a presença de nódulos reumatóides na laringe parece ser subestimada, uma vez que se assemelham com nódulos comuns ou granulomas. Assim, para aumentar a acurácia de seu diagnóstico, uma forte suspeita clínica associada a um adequado exame histológico minucioso são necessários.
CONCLUSÕES
Apresentamos um raro caso de uma paciente com nódulos reumatóides laríngeos na região de bandas ventriculares e aritenóides, comprometendo a mobilidade das pregas vocais e causando obstrução respiratória. O aspecto macroscópico das lesões era semelhante ao de cistos laríngeos e o diagnóstico definitivo foi definido pelo exame anatomopatológico. Uma vez removidas as lesões por técnicas microlaringoscópicas, a paciente não apresentou recidivas em 36 meses. Este diagnóstico deve ser considerado em pacientes com doença reumatóide e dispnéia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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15. Sataloff RT, Ressue JC, Portell M, Harris RM, Ossoff R, Merati AL. Granular cell tumors of the larynx. J Voice, 14(1):119-34, 2000.
* Médico Pós Graduando da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.
** Médico Doutor pela Divisão de Clínica Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.
*** Professor Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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Artigo recebido em 12 de agosto de 2003. Artigo aceito com correções em 4 de maio de 2003.