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Ano: 2003  Vol. 7   Num. 3  - Jul/Set Print:
Original Article
Estudo Audiométrico em Aldeias Indígenas do Estado de São Paulo
Audiometric Study in Indigenous Villages in the State of São Paulo
Author(s):
Ana Cláudia Galvão Nogueira de Caso*, Renata Mota Mamede Carvallo**.
Palavras-chave:
audiometria, índios sul americanos, índios Guarani, surdez.
Resumo:

Introdução: A falta de dados sobre a audição de índios Guarani em território brasileiro motivou a realização deste trabalho, investigando uma possível influência do estilo de vida sobre o nível de audição em índios com mais de 40 anos. Objetivo: Verificar e comparar os limiares auditivos nas freqüências de 0,25 a 8 kHz, entre sujeitos índios Guarani e não índios, sendo 20 da aldeia de São Sebastião, 24 da aldeia de Ubatuba e 24 sujeitos não índios, todos com idade igual ou acima de 40 anos. Métodos: Inicialmente foi aplicado um questionário para caracterizar a população. Em seguida, foi efetuada inspeção visual do meato acústico externo e posteriormente, audiometria tonal liminar. Os resultados foram analisados e comparados em relação às variáveis lado, gênero e grupo. Resultados: Não houve diferença entre as idades e os limiares auditivos das orelhas direita e esquerda nos três grupos. Houve tendência de limiares em menor nível de intensidade nos sujeitos do gênero feminino nos três grupos. Na comparação entre os grupos, houve diferença entre os limiares dos sujeitos de São Sebastião e Ubatuba e entre os de Ubatuba e não índios. Foi observado ainda, que os limiares auditivos dos sujeitos do grupo de Ubatuba ocorrem em menor nível de intensidade, provavelmente devido ao seu ambiente e costumes. Conclusões: Índios Guarani com estilo de vida mais preservado demonstraram limiares auditivos em menor nível de intensidade quando comparados a índios com maior contato urbano e a indivíduos não- índios da mesma faixa etária.

INTRODUÇÃO

A audição humana depende da integridade do sistema auditivo para o desenvolvimento das habilidades auditivas que permitem o processamento das informações sonoras que nos envolvem. A integridade auditiva é desejável ao longo de toda a vida, principalmente por ser uma modalidade sensorial tão relacionada à comunicação humana. Entretanto, a audição sofre mudanças com o envelhecimento, ocorrendo diminuição na sensibilidade e no processamento auditivo.

A influência do estilo de vida pode ser um dos fatores predisponentes ao prejuízo auditivo futuro. O interesse pelo estudo da audição no envelhecimento data de alguns anos, tendo sido ZWAARDEMAKER em 1891, quem estudou o assunto pela primeira vez, concluindo que a diminuição da audição coincidia com o aumento da idade de seus pacientes (1). Segundo FERREIRA (1975), a palavra “Presbiacusia” vem do grego (presbys significa velho e acusis audição): audição do velho (2). O processo de envelhecimento não é facilmente determinado. PEARLMAN, em 1982, relatou que enquanto um indivíduo mostra sinais e sintomas de envelhecimento na 5a década de sua vida, outro pode não mostrar os mesmos sintomas até a 7a década (3). Sendo a perda auditiva encontrada em indiví- duos com o aumento da idade, os profissionais têm procurado a melhoria da qualidade de vida desses sujeitos. A presbiacusia talvez seja a causa mais freqüente de deficiência auditiva localizada na orelha interna (4).

Na espécie humana, a prevalência de perda auditiva aumenta progressivamente após os 55 anos de idade, com diminui- ção de audição para sons agudos (4). BESS et al. (1989) ressaltaram uma progressiva deterioração da sensibilidade auditiva após 50 anos, especialmente nas freqüências altas (5). Esta progressão é mais rápida em homens do que em mulheres e pode ser um reflexo de atividades recreativas e profissionais mais barulhentas. Na literatura, não foi encontrado nenhum estudo sobre o nível de audição em índios no Brasil. Isto demonstra o que AZANHA; VALADÃO (1993) relataram sobre os índios, que sempre estiveram ligados aos confins de nossa história ou de nossa geografia, mas de qualquer modo, bem distante de nós (6).

Mesmo internacionalmente, poucos trabalhos são dirigidos ao estudo da audição em populações indígenas. ROSEN et al. (1962) compararam dados audiométricos de uma tribo do Sudão (Mabaans), que vivia em ambiente com fraca intensidade de ruído, com os de indivíduos de cultura industrial (7).

Não foi encontrada perda auditiva nas altas freqüências nos 541 sujeitos testados. Sendo assim, estes pesquisadores sugeriram que a deficiência auditiva não depende somente da ação biológica e que fatores como alimentação, estresse, problemas circulatórios e ambientes ruidosos interferem na audição.

DICKSON (1968) estudou as tribos de Bantu e Bushman do sudeste da África, constatando que o nível de audição dos adultos jovens não era melhor que a audição dos mais velhos (8). Atribuiu a este achado, o fato de que as pessoas com mais idade possuíam uma melhor atenção para o estímulo auditivo de fraca intensidade, indicando melhor limiar auditivo com o aumento da idade do que o encontrado na sociedade industrial. Não existem fronteiras que delimitem claramente o início da senescência.

SILVA (1973) relatou que o envelhecimento é um processo que acarreta grande número de preconceitos e distorções (9).

SCHUCKNECHT (1955) considerou que a presbiacusia ocorre a partir da quarta década de vida, quando o indivíduo está sob o efeito de uma série de fatores que podem prejudicar a audição ao longo de toda a sua vida (10).

GLORIG (1958) sugeriu que o termo presbiacusia seria mais um aspecto de um complexo socioacústico, com três indícios gerais (11): Presbiacusia, que representa a perda da audição (componente fisiológico); Socioacusia, o ambiente em que o indivíduo vive e Perda Auditiva Induzida por Ruído, resultado de trauma do sistema auditivo por causa de barulho durante um dia de trabalho.

NOVAK; GLORIG (1990) apresentaram o processo de envelhecimento sob três prismas. Um deles seria o biológico, responsável pelas mudan- ças fisiológicas que ocorrem no organismo do indivíduo (12). O outro seria o psicológico, que representaria as transforma- ções ocorridas no modo de pensar e proceder.

Por fim, o social, representado pelas mudanças do papel do indivíduo na sociedade como conseqüência das alterações biológicas e psicológicas. O tópico Presbiacusia não pode ser separado do processo de envelhecimento biológico, psicológico, social ou de todo o complexo socioacústico.

As mulheres, aparentemente, apresentam um nível de audição melhor do que os homens. A perda auditiva é geralmente bilateral e simétrica (13). Indivíduos afetados pela presbiacusia, segundo JERGER; JERGER (1981), apresentam perda auditiva progressiva, gradativa e bilateral (14).

As teorias vigentes sobre a presbiacusia incluem tanto fatores ambientais como genéticos. As mudanças graduais na função, estrutura e número de células podem ocorrer devido aos efeitos de fatores genéticos naturais de cada indivíduo.

Para ARNST et al. (1984) a caracterização da presbiacusia é difícil porque os inúmeros fatores que lesam o sistema auditivo durante toda a vida produzem um efeito final cumulativo, firmemente interligado (15).

Descreveram a presbiacusia como uma alteração auditiva que acompanha o processo de envelhecimento, com vários aspectos, envolvendo um estado patológico bastante heterogêneo.

Sua principal característica seria a perda auditiva neurossensorial simétrica e bilateral que compromete as freqüências altas, cuja origem não se pode explicar de outra forma.

Segundo FREELAND (1989) poucos indivíduos escapam do efeito de envelhecimento da orelha (16). Alguns fatores influenciam como os genéticos, dietas e o mais importante, o ruído. Homens apresentam níveis auditivos piores que os das mulheres nas altas freqüências, por causa de exposição ao ruído.

Uma população rural não exposta ao ruído apresenta audição melhor do a população urbana, independente do sexo. GINSBERG; WHITE (1989) relataram que a presbiacusia é uma perda auditiva neurossensorial decorrente de alterações degenerativas produzidas pelo envelhecimento, sendo a causa mais comum de perda neurossensorial na população adulta (17). HUNGRIA (1991) definiu a presbiacusia como deficiência auditiva que surge com a idade mais avançada sendo o declínio da audição, que envelhece como tudo no organismo, decorrente de alterações da orelha interna e das vias nervosas auditivas centrais (18).

Em 1973, este mesmo autor relatou que esta disacusia começa na meia idade (cerca de 45 anos) e progride lentamente. Para MINITI et al. presbiacusia é a disacusia neurossensorial observada na terceira idade, que compromete principalmente os sons agudos, em ambos os ouvidos (19).

De acordo com NADOL JR., aproximadamente 30% da população adulta acima de 70 anos de idade apresenta deficiência auditiva neurossensorial, causada pelos efeitos cumulativos do processo dos anos e que na 3ª e 5ª década de vida, os indivíduos já podem apresentar a presbiacusia com uma perda auditiva bilateral e simétrica (20). No Brasil, RUSSO (1988) encontrou perda auditiva neurossensorial bilateral progressiva em indivíduos com faixa etárias de 65 a 90 anos (21).

Os homens apresentaram maior deficiência auditiva em freqüências altas do que as mulheres. MANSUR; VIUDE (1996) mencionaram que a audi- ção é o primeiro dos sentidos a apresentar perdas funcionais detectadas objetivamente (22).

Esta diminuição da audição deve-se a fatores tóxicos, metabólicos, mecânicos, neurais, vasculares e ambientais. Em Nova Delhi, na Índia, um estudo realizado por KACKER (1997) tentou isolar somente a presbiacusia como fator determinante da deficiência auditiva.

A prevalência foi de 3,7% e 3,3% em populações urbanas e rurais, respectivamente, porém não houve descrição da metodologia empregada. Sendo assim, não foi possível saber com exatidão o que estes dados refletem (23). BENTO et al. (1998) ressaltaram que de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a deficiência auditiva afeta cerca de 10% da população mundial (24).

A etiologia da presbiacusia é incerta; vários estudos tentam relacioná-la com dieta, metabolismo, estresse, arteriosclerose, ruído, hereditariedade, porém sem conclusões definitivas. Diversas alterações histopatológicas são encontradas no ouvido, especialmente degeneração das células ciliadas, mas a etiologia da presbiacusia permanece incerta.

Em uma população ambulatorial de 85 sujeitos com idade entre 61 e 89 anos, VIUDE (2002) observou que a maioria referiu piora da audição com o avanço da idade, não havendo associação com etilismo, tabagismo, presença de doenças e problemas auditivos em familiares (25). CRUZ; COSTA (1994) também referiram que o ruído além de produzir lesões auditivas provoca outros efeitos sobre o corpo humano como aumento do estresse, diminui ção da capacidade de trabalho e de aprendizagem por provável diminuição da concentração (26).

Inicialmente a perda auditiva envolverá as freqüências ao redor de 4.000 Hz, sendo o uso de aparelhos de som individual, prática de tiro ao alvo e exposição aos ruídos emitidos por alguns brinquedos infantis, as situações mais freqüentes associadas a perda auditiva. Nos séculos passados, os índios Guarani dominaram grande extensão dos estados meridionais do Brasil e territórios limítrofes do Uruguai, Argentina e Paraguai. Atualmente, estão reduzidos a poucos milhares de indiví- duos confinados a pequenas reservas ou aldeias sob prote- ção ou administração oficial.

Portadores de cultura caracter ística de região florestal, suas atividades de subsistência incluem a caça, a pesca e a lavoura (27).

MELATTI (1970) citou que geralmente um ou mais indígenas de uma aldeia encarregam-se de curar as doenças por meio de práticas mágicas, os quais são chamados de pajés (28). Estes evocam os seres sobrenaturais cantando, engolindo grande quantidade de fumaça até ficarem intoxicados, para entrarem em contato com os espíritos.

MÉTRAUX (1979) observou que a terapêutica dos índios Guarani consistia em processos complexos, em que os elementos mágico-religiosos nem sempre se distinguiam dos conhecimentos experimentais de ordem científica (29).

Entre as práticas medicinais, o misticismo contribui com sua maior dose. Também possuem conhecimentos científicos com a flora tropical. Segundo REIS (1979), as casas dos índios Guarani são isoladas, distantes umas das outras e espalham-se pela clareira aberta na mata (30). A falta de dados sobre a audição de índios Guarani em território brasileiro motivou a realização deste trabalho, investigando uma possível influência do estilo de vida sobre o nível de audição em adultos índios com mais de 40 anos.

A marcante diferença no estilo de vida sugere a hipótese de que indivíduos índios possam apresentar menor ocorrência de alterações auditivas que os não índios. A partir desta hipótese, este estudo objetivou estudar a audição de indivíduos índios, com idade igual ou superior a 40 anos, comparando-se os resultados audiomé- tricos obtidos em dois grupos indígenas aos resultados audiométricos de indivíduos não índios.

Para tanto, o estudo buscou:

1. Analisar os limiares auditivos tonais nas freqüências de 0,25; 0,5; 1; 2; 3; 4; 6 e 8 kHz.

2. Comparar os resultados obtidos, verificando as eventuais diferenças entre estes indivíduos em relação às variáveis lado da orelha, gênero e grupo.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Este estudo reuniu um total de 68 indivíduos índios e não índios, com faixa etária igual ou acima de 40 anos de idade, de forma a compor três grupos: Grupo SS – Composto por 20 índios de ambos os gêneros da Aldeia Guarani, localizada no bairro de Boracéia, município de São Sebastião, Litoral Norte do Estado de São Paulo.

Grupo U – Composto por 24 índios de ambos os gêneros da Aldeia Guarani, localizada no bairro do Promirim, município de Ubatuba, Litoral Norte do Estado de São Paulo. Grupo NI – Composto por 24 indivíduos não índios, pareados por sexo e idade aos Grupos SS e U.

Foram selecionados indivíduos com tipo de vida predominantemente urbana, moradores do município de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo. Para efeito de homogeneização do Grupo, não foram incluídos sujeitos pertencentes às raças negra e amarela. Todos os índios com idade igual ou acima de 40anos das duas aldeias participaram deste estudo. Foram adotados os seguintes critérios de exclusão para todos os grupos:

1. Idade menor que 40 anos;

2. Presença de cerúmen na orelha externa;

3. Presença de doenças de orelha média;

4. História de cirurgia nas orelhas;

5. Sujeitos pertencentes às raças amarela e negra;

6. Presença de distúrbios neurológicos;

7. Exposição ao ruído em seu ambiente de trabalho;

8. Exposição a solventes, metais e/ou poluentes. As avaliações auditivas dos grupos de sujeitos índios foram realizadas nas próprias aldeias indígenas, nas munic ípios de São Sebastião e Ubatuba, sendo deslocados os equipamentos para o local.

As avaliações do grupo dos sujeitos não índios foram efetuadas em clínica privada, localizado na município de Guaratinguetá. Características dos índios participantes: Alimentamse da caça, da pesca, da criação de aves, do plantio de palmito e banana e de outros alimentos que são doados pelas prefeituras dos respectivos municípios.

A ingestão de bebidas alcoólicas está controlada em ambas as aldeias, porém o costume de fumar o cachimbo persiste, pois faz parte da cultura Guarani.

Não fazem uso de eletrodomésticos. Os índios da aldeia de São Sebastião freqüentemente vão à cidade ou ficam na rodovia vendendo seus artesanatos e plantas.

Uma vez por semana, um médico vai até a aldeia prestar assistência à comunidade. Na aldeia de Ubatuba, estes atendimentos são efetuados no posto de saúde deste município. Em ambas as aldeias, os índios doentes são assistidos primeiramente pelo pajé; não havendo melhora, procuram o posto médico da própria aldeia, para receberem tratamento ou encaminhamento a profissionais especializados.

A venda do artesanato dos índios da aldeia de Ubatuba é efetuada pelos sujeitos com até 30 anos de idade. A aldeia de São Sebastião é de fácil acesso, pois está localizada próxima à rodovia que faz a ligação entre os municípios de São Sebastião e Bertioga.

Há uma estrada que corta a aldeia, facilitando o acesso dos carros, porém as casas se localizam em clareiras no meio da mata. A aldeia de Ubatuba está localizada distante da rodovia que liga os municípios de Ubatuba e Parati, sendo de difícil acesso, principalmente nos dias de chuva.

Dentro desta aldeia não é possível circular automóvel, por não haver uma estrada que conduza até as casas. Os índios da aldeia de São Sebastião estão mais urbanizados que os da aldeia de Ubatuba. Equipamentos: A inspeção visual do meato acústico externo foi realizada com um otoscópio da marca Kole. A avaliação audiológica foi realizada em cabina acústica portátil, modelo VSA 40, da marca Vibrasom seguindo os padrões da ISO 8253-1, medindo um metro de comprimento e largura por dois metros de altura.

O audiômetro utilizado para a medição dos limiares audiométricos foi da marca MAICO, modelo MA 41, fones TDH-39 e coxim MX- 41, devidamente calibrado. Procedimentos: O projeto e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram aprovados pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do HC FMUSP, sob Protocolo de nº 506/01.

Por tratar-se de estudo em população especial, este foi encaminhado para análise junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), tendo sido aprovado sob protocolo de nº 894/ 02.

Os sujeitos foram informados sobre a pesquisa e, uma vez aceitando as condições, concordaram em participar, assinando o TCLE. A seguir, responderam a um questioná- rio para caracterizar a população. A audiometria tonal liminar foi efetuada nas freqüências de 0,25; 0,5; 1; 2; 3; 4; 6 e 8 kHz por via aérea e em 0,5; 1; 2; 3 e 4 kHz por via óssea. Os limiares auditivos foram descritos em Decibel Nível de Audição (dBNA).

Não foram realizados testes de fala (logoaudiometria) nos grupos, devido à dificuldade dos sujeitos índios em falar o português.

RESULTADOS

Primeiramente, foram comparados dados demogr áficos da amostra selecionada, conforme exposto na Tabela 1. O teste C2 indicou que não houve diferença estatisticamente significante entre as quantidades de sujeitos dos grupos analisados. A seguir, foram feitas comparações entre orelhas (direita e esquerda) nos três grupos enfocados.

Não houve diferença significante que justificasse o estudo separado por orelhas. Deste modo, as medidas foram analisadas em conjunto para o total das orelhas direita e esquerda. Também não foram observadas distinções entre as respostas por gênero nos grupos de população indígena, o que justificou a análise conjunta dos limiares auditivos. Foram comparadas as idades e os limiares auditivos dos sujeitos índios das aldeias de São Sebastião e Ubatuba e dos não índios, por freqüência, através do Teste-t: duas amostras presumindo variâncias diferentes.

Não foi observada diferença estatisticamente significante para as idades, porém foi identificada diferença significante (p<0,05) em todas as freqüências analisadas na comparação entre as duas aldeias e entre os sujeitos da aldeia de Ubatuba e os não índios (Tabela 2). O Gráfico 1 compara as idades dos sujeitos dos Grupos SS, U e NI.

O Gráfico 2 compara os limiares auditivos entre os grupos SS, U e NI nas freqüências 0,25; 0,5; 1; 2; 3; 4; 6 e 8 kHz.

O Gráfico 3 compara as médias dos limiares auditivos dos sujeitos dos grupos SS, U e NI, nas freqüências de 0,25; 0,5; 1; 2; 3; 4; 6 e 8 kHz.











DISCUSSÃO

Este estudo é um dos primeiros a abordar os limiares audiométricos dos índios brasileiros.

Estudo da variável lado da orelha (direita e esquerda)

Consultando a literatura encontramos que JERGER; JERGER (1981)(14), ARNST et al. (1984)(15), RUSSO (1988)(21), MINITI et al. (2001)(19), NADOL JR. (1993)(20) e ZAJTCHUK (1994)(13) concluíram que a perda auditiva causada pelo envelhecimento é bilateral e simétrica. Sendo assim, os nossos dados concordam com estes autores, pois somente na freqüência de 6 kHz houve diferença estatisticamente significante entre os sujeitos da aldeia de São Sebastião. Em relação às freqüências estudadas, a perda auditiva foi maior nas freqüências altas.

Estes achados concordam com ARNST et al. (1984)(15), RUSSO (1988)(21), MINITI et al. (2001)(19), BESS et al.(1989)(5) e LOPES Fº (1997)(4).

Estudo da variável gênero (feminino e masculino)

Ao compararmos as idades dos gêneros feminino e masculino dos três grupos, verificamos que não houve diferença estatisticamente significante.

Entretanto, houve diferença estatisticamente significante na freqüência de 4 kHz entre os gêneros feminino e masculino nos sujeitos da aldeia de Ubatuba e nas freqüências de 0,5; 1; 2; 3; 4 e 6 kHz, nos sujeitos não índios. Embora estas diferenças tenham sido verificadas apenas em algumas freqüências, as mulheres apresentam limiares auditivos melhores do que os dos homens, o que está de acordo com os achados de RUSSO (1988) (21), FREELAND (1989) (16) e ZAJTCHUK (1994) (13).

Estudo da variável grupo (grupos SS, U e NI)

Comparando-se os Grupos SS e U, verificamos não haver diferenças estatisticamente significantes entre as idades. Com relação aos limiares auditivos, houve diferença significante nas freqüências de 0,25; 0,5; 1; 2; 3; 4; 6 e 8 kHz. Os índios Guarani apresentam uma cultura bastante diferente da sociedade industrial em que estamos inseridos. Trabalham próximos de suas casas, caçando, pescando e plantando para garantirem o seu sustento (27).

Quando estão doentes, consultam o pajé antes do atendimento médico (28,29). As casas são isoladas, distantes umas das outras (30) e sem banheiro, pois eles tomam banho nos rios. Nas aldeias, o nível do ruído é de fraca intensidade, pois não possuem máquinas, automóveis ou eletrodomésticos. Embora ambas as aldeias sejam compostas por índios Guarani, ocorreram diferenças entre os limiares auditivos dos grupos, provavelmente por possuírem alguns hábitos diferentes.

Por exemplo, os sujeitos índios da aldeia de São Sebastião saem com freqüência para vender seus artesanatos e plantas na cidade ou rodovia. Já os índios da aldeia de Ubatuba, com idades iguais ou superiores à 40 anos, somente saem da aldeia quando necessitam de atendimento médico que seja efetuado somente no posto médico desta município.

O acesso à aldeia de São Sebastião é mais fácil do que à aldeia de Ubatuba. Alguns autores descrevem que a caracterização da presbiacusia é difícil, pois não depende somente do envelhecimento (15) e que fatores ambientais (11), gené- ticos, dietéticos, ruído (16), hipertensão, doenças cardíacas, medicamentos (22), metabolismo e nutrição (19), também podem lesar o sistema auditivo. Os índios de ambas as aldeias trabalham no próprio local, em suas roças ou confeccionando seus artesanatos. Este fato evita exposição a ruídos durante um dia de trabalho, preservando assim a audição (11, 26). Os sujeitos índios da aldeia de São Sebastião parecem ter um estilo de vida mais urbanizado do que os sujeitos índios da aldeia de Ubatuba, talvez pelo fácil acesso à rodovia que conduz até a cidade e também pela prefeitura oferecer melhor assessoria à esta comunidade. Quando comparamos os grupos SS e NI, observamos que não houve diferença estatisticamente significante entre as idades e entre os limiares auditivos em todas as freqüências estudadas. Os sujeitos índios da aldeia de São Sebastião, embora não vivam na cidade em contato com ruídos, com freqüência saem da aldeia, expondo-se a barulhos semelhantes aos que habitam as cidades. Embora estes dois grupos pertençam a raças diferentes, apresentaram limiares auditivos semelhantes. Isto sugere que o fator ambiental exerce uma maior influência sobre a presbiacusia do que o fator raça.BENTO et al.(1998) citaram que a deficiência auditiva varia de acordo com as características da população local como: raça, gênero, hábitos, estado nutricional e imunológico, ocupação profissional, cultura e, principalmente, o grau de informação sobre prevenção (24). Quando comparamos as idades e os limiares auditivos entre os grupos U e NI, observamos que não houve diferença estatisticamente significante entre as idades, mas sim entre os limiares auditivos em todas as freqüências.

Os dois grupos pertencem a raças e culturas diferentes. Nossos achados concordam com os de DICKSON (1968)(8); KACKER (1997)(23) e MINITI et al. (2001)(19) que citaram que a perda auditiva é mais intensa em indivíduos que vivem em regiões mais ruidosas. Se a presbiacusia não depende somente do envelhecimento do organismo, é necessário estudar suas reais causas para poder evitar ou retardar a perda auditiva que atrapalha a comunicação do sujeito e favorece o isolamento familiar e social.

CONCLUSÕES

A partir da análise dos resultados obtidos na audiometria tonal liminar em sujeitos índios das aldeias de São Sebastião e Ubatuba e sujeitos não índios com idade igual ou acima de 40 anos, podemos concluir que:

1.Não há diferença estaticamente significante entre os limiares auditivos das orelhas direita e esquerda nos sujeitos dos três grupos estudados.

2. Há tendência de limiares em menor nível de intensidade nos sujeitos do gênero feminino nos três grupos.

3.Na comparação entre grupos, há diferença estatisticamente significante entre os limiares auditivos dos sujeitos de São Sebastião e Ubatuba e entre os de Ubatuba e não índios.

4. Os limiares auditivos dos sujeitos do grupo de Ubatuba são melhores do que os dos grupos de São Sebastião e não índios.

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* Fonoaudióloga Mestre em Ciências pela Fisiopatologia Experimental da FMUSP.
** Fonoaudióloga Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia da FMUSP.

Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Fga. Renata M. M. Carvallo . Rua Jesuíno Arruda, 701 / 82 . São Paulo . SP . CEP 04532-080 . Telefax: (11) 3167-5654 .
E-mail: renamaca@usp.br
Artigo recebido em 15 de julho de 2003. Artigo aceito em 9 de agosto de 2003.
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