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Ano: 2003  Vol. 7   Num. 3  - Jul/Set Print:
As Infecções do Trato Respiratório por Arcanobacterium Haemolyticum no Brasil
Author(s):
Fábio Brodskyn*, Mario Sergio Lei Munhoz**.
Palavras-chave:
Lemos com interesse o importante artigo de MENDES e cols. com resultados do Projeto PROTEKT publicado nos Arquivos de Otorrinolaringologia (1). A partir da análise de 960 cepas bacterianas, concluiu-se que no Brasil os principais agentes têm perfil de sensibilidade/resistência antibió- tica semelhante à de outros países desenvolvidos. Estes resultados são de interesse para a terapêutica empírica, que é realizada na ampla maioria dos centros otorrinolaringol ógicos, onde as culturas bacterianas são pouco acessíveis. Embora não fosse objetivo dos autores estudar bacté- rias pouco incidentes, como expresso no texto, gostaríamos de indagar a respeito da identificação de algum caso de Arcanobacterium haemolyticum.

Esta bactéria é reconhecida no exterior como causa de faringoamidalite e sinusite, porém a literatura latinoamericana (base de dados Lilacs) mostra apenas dois relatos de caso, ambos fora do nosso país (2,3). Esta ausência de relatos de infecções pela bactéria no Brasil é surpreendente, pois o agente é encontrado em diversos países do mundo (4,6). No Canadá (Otawa), a incidência da Arcanobacterium haemolyticum foi de 0,4% em 11.159 pacientes com infecção de vias aéreas superiores, sendo 2,5% entre os adolescentes, principal grupo acometido (7). Foi encontrada diferença significante em relação aos controles, durante os dois anos do estudo. Na Finlândia, a incidência foi de 1,4% em 498 soldados com faringite, resultado significante em relação aos controles (8). Considerados estes índices, seria de se esperar a ocorrência de muitos casos dessa bactéria em nosso país, principalmente entre os adolescentes, como também em crianças e adultos. É possível que os motivos do descompasso entre a provável ocorrência das infecções por Arcanobacterium haemolyticum e a ausência de relatos poderia decorrer, a nosso ver, de três diversos motivos:

1 - Semelhança clínica da infecção por Arcanobacterium haemolyticum com as determinadas por outros agentes, quanto à ocorrência de febre, odinofagia, presença de exsudato e período de evolução. Até a parcela dos casos (cerca de 1/3) que apresenta exantema máculopapular pode ser confundida com a escarlatina ou infecção por vírus de Epstein-Barr, Adenovírus e Enterovírus (5,7,10).

2 - A resposta do Arcanobacterium haemolyticum ao tratamento antibiótico empírico, utilizado para as faringoamidalites e sinusites, é semelhante à de outros agentes etiológicos. A bactéria habitualmente responde ao tratamento com penicilina/amoxacilina e macrolídeos (5,7,8). Desta forma, a infecção não se diferencia das causadas por agentes mais freqüentes: os vírus (que têm evolução espontânea), o Streptoccocus pyogenes e outros estreptococos piogênicos (que respondem às drogas citadas), o Mycoplasma pneumoniae e as Chlamydias sp (tratá- veis com macrolídeos) (5,9,10).

3 - É difícil identificar o Arcanobacterium haemolyticum pelos exames laboratoriais habitualmente utilizados. O bacterioscópico direto não é característico, pois a bact éria é um bacilo Gram-positivo indistinguível de outros comensais da via aérea superior. A diferenciação com as bactérias do gênero Corinebacterium só pode ser feita por testes bioquímicos (5). A cultura de material faríngeo também é pouco adequada para identificação do Arcanobacterium haemolyticum. A cultura em ágar sangue de coelho, a mais utilizada para isolar bactérias da faringe, freqüentemente não possibilita a detecção desta bactéria, especialmente na verificação de 24 horas de incubação (5,7,9).

O crescimento do agente poderia ser otimizado em meio enriquecido com sangue (plasma) humano, sob tensão de 5% de CO2, a 37o C (5). Outro meio de cultura utilizável é o cérebrocora ção enriquecido com soro (5). A dificuldade de isolamento do Arcanobacterium haemolyticum parece ser a principal razão de não haver relatos brasileiros da presença do agente, uma vez que muitas crianças, adolescentes e adultos realizam cultura de material faríngeo e sinusal nos episódios respiratórios agudos, como no projeto PROTEKT, sem lograr a detecção da bactéria. As Infecções do Trato Respiratório por Arcanobacterium Haemolyticum no Brasil Fábio Brodskyn*, Mario Sergio Lei Munhoz**. * Acadêmico de sexto-ano UNIFESP-EPM. ** Professor Livre Docente da Universidade Federal de São Paulo. Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo Endereço para correspondência:

Mario Sergio Lei Munhoz – Rua dos Otonis, 700 – São Paulo / SP – CEP 04025-002 – Telefone: (11)5083-4654 – E-mail: mario.munhoz@uol.com.br

Carta ao Editor 247 Qual seria a importância da detecção do Arcanobacterium haemolyticum nas infecções das vias aéreas superiores, visto que a maior parte destes quadros tem resolução espontânea? Poderia ser interessante para o tratamento de alguns pacientes com infecção respiratória com evolução clínica desfavorável.

Uma parte das cepas de Arcanobacterium haemolyticum apresenta tolerância à penicilina (6,10). Assim, para alguns pacientes com faringite e/ou sinusite de evolução prolongada, a identificação da bactéria e a determina ção de sensibilidade antibiótica poderiam otimizar a terapêutica.

Outro possível interesse na identificação das infecções por Arcanobacterium haemolyticum nas vias aéreas é a possível ocorrência de disseminação sistêmica em pequena parcela dos casos.

Já constituem algumas dezenas os relatos destas disseminações a partir de foco faríngeo e das cavidades paranasais (6,10).

Estas infecções sistêmicas por Arcanobacterium haemolyticum devem ser tratadas segundo a sensibilidade da bactéria, sendo recomendada a associação de penicilina (quando sensível) à gentamicina ou cloranfenicol (5,10). Para alguns autores (9,10) há a necessidade de identificar o Arcanobacterium haemolyticum ao menos nas duas circunstâncias clínicas desfavoráveis acima descritas. Para isto, os otorrinolaringologistas, pediatras e clínicos devem atentar para as faringites e sinusites complicadas, assim como para aquelas acompanhadas de exantema, desde que possam contar com laboratórios adequados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Mendes C, Hsiung A, Dencer C, Felminghan D, Rossi F, Segura AJA, Zoccoli CM, Sader H, Mimica I. Infecções do Trato Respiratório: Principais Agentes Bacterianos e Padrões de Resistência. Dados Brasileiros do Estudo Internacional PROTEKT . Arq Otorrinolaringol, 7 (2): 97-107, 2003.
2. Noterio RD, Borda NGA, Gambandé TMJ, D.Ottor N. Arcanobacterium haemolyticum causante de sinusitis. Acta Bioquim Clin Latinoam, 36(2):259-62, 2002.
3. Casellas JM, Casanueva EV. Síndrome escarlatiniforme por Arcanobacterium haemolyticum . Arch Argent Pediatr, 94 (6):404-5, 1996.
4. Pichichero ME. Group A Streptococcal tonsillopharyngitis: cost-effective diagnosis and treatment. Ann Emerg Med 25:390-403, 1995.
5. Waagner DC. Arcanobaterium haemolyticum: biology of the organism and diseases in man. Pediatr Infect Dis J 10:933-9,1991.
6. Skov RL, Sanden AK, Danchell VH, Robertsen K, Ejlertsen T. Systemic and Deep-Seated Infections caused by Arcanobacterium haemolyticum. Eur J Clin Microbiol Infect Dis 17: 578-82, 1998.
7. Mackenzie, A.; Fuite, L. A.; Chan, F. T. H.; King, J.; Allen, U.; MacDonald, M.; Diaz-Mitoma, F. . Incidence and Pathogenicity of Arcanobacterium haemolyticum During a 2 . Year Study in Otawa . Clin Infect Dis 21:177-81,1995.
8. Carlson P, Kontianinen S, Renkonen OV, Sivonen A, Visakorpi R. Arcanobacterium haemolitycum and Streptococcal pharyngitis in Army Conscripts. Scand J Infect Dis 27:17-8, 1995.
9. Gaston DA, Zurowsi SM. Arcanobacterium haemolyticum pharyngitis and exanthema. Arch Dermatol 132:61-4, 1996.
10. Alonso JLP, Garcia.Martos P, González JAE. Infecciones por Arcanobacterium haemolyticum: um patógeno emergente. Ann. Méd. Interna (Madrid) 19(9):473-6, 2002.

* Acadêmico de sexto-ano UNIFESP-EPM.
** Professor Livre Docente da Universidade Federal de São Paulo.
Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo
Endereço para correspondência: Mario Sergio Lei Munhoz . Rua dos Otonis, 700 . São Paulo / SP . CEP 04025-002 . Telefone: (11)5083-4654 . E-mail: mario.munhoz@uol.com.br
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