INTRODUÇÃO
A epistaxe severa constitui um problema freqüente nos centros de referência em emergência otorrinolaringol ógica e já foi descrita como a segunda causa de morte em otorrinolaringologia após os tumores malignos (1).
Por outro lado, sabe-se que aproximadamente 90% dos casos graves têm origem nos segmentos posteriores da fossa nasal. Vários métodos de abordagem ao paciente com epistaxe estão descritos na literatura.
Entretanto, o tamponamento nasal ântero-posterior tem sido, tradicionalmente, uma medida inicial no tratamento da epistaxe severa (2). Por sua vez, a sonda urinária de Foley é um versátil instrumento utilizado no tamponamento nasal posterior há mais de 40 anos (3). COOK et al.
(4) relataram que o uso da sonda de Foley, associado ao tamponamento anterior com gaze lubrificada, esteve associado a um menor período de internamento hospitalar quando comparado ao tamponamento posterior clássico com gaze (procedimento de Bellocq). Para a efetividade da sonda de Foley no controle da epistaxe, é necessário que seu balão seja mantido sob gentil e firme tração para diante com uma adequada fixação externa do tubo principal da sonda.
A correta fixação também protege o paciente do risco de deslocamento do balão para o trato aero-digestivo inferior e asfixia (5,6) além de lesões à asa do nariz, como lesões dérmicas ou necrose da cartilagem alar (7). O presente artigo tem o objetivo de descrever um instrumento alternativo para a fixação da sonda de Foley e revisar várias técnicas descritas na literatura para esta finalidade.
DESCRIÇÃO DA TÉCNICA
A técnica de tamponamento nasal ântero-posterior é realizada com o paciente adequadamente posicionado, preferencialmente sentado e com leve flexão do tronco para diante. Com iluminação satisfatória, realiza-se a aspira ção e limpeza das fossas nasais.
Em seguida, a mucosa nasal é anestesiada com solução de lidocaína tópica a 4% associada a nafazolina a 0,1% aplicados em algodão ou spray. Após cerca de 5 minutos, quando for exequível aguardar, inicia-se o tamponamento nasal propriamente dito. A fixação externa da sonda de Foley é obtida com a “unidade reguladora de infusão” retirada de equipo para administração de soluções parenterais (Eurofix®, B. Braun) (Figura 1c), que denominaremos sumariamente “válvula”.
O tubo principal da sonda de Foley (Figura 1a), de calibre número 14 ou 12 Fr, é introduzido no canalículo da válvula (Figuras 2 e 4). O tubo terminal de drenagem externa da sonda, seccionado a 2 ou 3 mm de sua implantação no tubo principal, é usado como suporte na fixação (Figuras 1 e 2b) envolvendo um segmento do protetor da ampulheta do equipo (Figuras 1 e 2d). Neste momento, um fragmento circular de compressa cirúrgica ou gaze podem ser transfixados pela sonda para posterior proteção do vestíbulo nasal, conforme descrição a seguir.
A extremidade de coleta do tubo principal da sonda também pode ser seccionada e removida, o que evita contato adicional com a faringe (Figura 6, linha tracejada). A sonda de Foley com capacidade para 15 ou 30 ml, lubrificada com gel hidrofílico, é introduzida na fossa nasal hemorrágica ou em ambas, ultrapassando a coana.
O balão é então inflado com 8 a 15 ml de água destilada (8) e submetido a gentil, mas firme tração para diante. Após o tamponamento nasal posterior, a fossa nasal hemorrágica é preenchida com gaze lubrificada ou similar, mantendo-se a sonda centrada no meato comum. A própria gaze do tamponamento anterior (Figura 2e) ou um fragmento circular de compressa cirúrgica (Figura 1f) ou ainda uma gaze avulsa é disposta sob forma de cone, sem compressão lateral, de maneira a proteger a pele vestibular nasal do contato com o látex.
O procedimento é concluído com o reparo externo da gaze endonasal, o que amplia a segurança com respeito ao tampão anterior em casos de ruptura ou deslocamento do balão. DISCUSSÃO Considera-se que o balão da sonda de Foley exerça compressão sobre os vasos hemorrágicos da parede nasal lateral e/ou atue como suporte para o tamponamento nasal anterior (9), geralmente feito com gaze lubrificada ou tampão do tipo “dedo de luva” e análogos.
Estas necessidades justificam a tração que deve ser mantida sobre o balão da sonda de Foley. Esta tração, por sua vez, não deve ser excessiva a fim de evitar dor e necrose. Todos os métodos para a fixação externa da sonda de Foley têm como objetivo comum manter o balão pneumático posicionado nos segmentos posteriores da fossa nasal, estabelecendo alguma tração sobre o balão, mas evitando-se pressão sobre a asa do nariz. Algumas dessas técnicas, contudo, estiveram associadas a complicações.
Por isso, há décadas, diferentes autores descrevem métodos alternativos para fixar adequadamente a sonda de Foley. A necrose da asa do nariz é uma complicação do tamponamento nasal esteticamente desfigurante e temida, mas felizmente rara.
Simples lesões de contato sobre a pele que recobre a asa do nariz e columela são mais comuns. Acredita-se que a excessiva pressão exercida sobre os segmentos anteriores do nariz, particularmente no vestíbulo e válvula nasal, seja pelo tamponamento nasal anterior ou pelo instrumento de fixação externa do tampão posterior, resulte numa compressão indesejada e conseqüente necrose isquêmica dos tecidos adjacentes.
O tamponamento nasal realizado por assistentes treinados pode ser fundamental na sua prevenção (7). Além disso, outras complicações já foram relatadas com o uso da sonda de Foley:
ruptura do balão, necrose de mucosa nasal, balão desinflável em uma sonda previamente sob clipe e obstrução das vias aéreas por deslocamento do balão (5,6,10). Em raros casos de epistaxe posterior, a sonda de Foley pode comprimir o sítio hemorrágico ou sua irrigação arterial e promover um controle imediato do sangramento. Nestas situações, admite-se a possibilidade de se dispensar o tamponamento nasal anterior ou fazê-lo com materiais menos traumáticos, o que reduziria as lesões sobre a mucosa pituitária. Assim, nestes casos, a técnica de fixação externa da sonda assumiria uma função crucial na conserva ção do efeito compressivo sobre o segmento nasal posterior e na prevenção de algumas complicações associadas ao seu uso.
Por sua vez, o tamponamento anterior, sobretudo com gaze, pode apreender o tubo principal da sonda e fixar parcialmente o balão, estabilizando o aparato. É importante considerar que um tamponamento anterior traumático predispõe a sinéquias. Na grande maioria dos pacientes, contudo, o controle da epistaxe severa só é alcançado com o tamponamento posterior conjugado ao anterior, sendo por isso, universalmente recomendados. Em relação ao tamponamento anterior na epistaxe não associada à zona de Kiesselbach, recomenda-se que o tampão seja posicionado com alguma firmeza até, no máximo, o nível da válvula nasal.
A partir deste plano, na técnica descrita, deve-se dispor a gaze apenas como elemento de proteção ao septo nasal anterior, à cabeça do corneto inferior e ao vestíbulo nasal, isolando-os do instrumento de fixação descrito (Figura 2). As sondas de Foley são de látex, e, portanto, não devem ser lubrificadas ou mantidas em contato com vaselina (pura ou como veículo de pomadas em geral) a fim de evitar ruptura do balão. Vários métodos para fixação da sonda de Foley já foram publicados.
BARTON; RAY (11) propuseram a adapta- ção de um protetor ocular, um instrumento de prescrição comum por oftalmologistas, para distribuir a pressão imposta pela fixação sobre a asa do nariz.
Com este mesmo objetivo, um clipe metálico foi especificamente desenvolvido por NASSIF (12), de Curitiba, Paraná. NAHUM apud GASKILL (13) fez uso de um tubo plástico transpassado pelo cateter de Foley para manter o instrumento de fixação distante da asa do nariz e columela. Temos definido este axioma como “princípio do tubo rígido”. BELL; HAWKE (14) publicaram uma inusitada técnica usando uma máscara metálica sob a forma de tripé, apoiada na fronte e região malar, com a intenção de distribuir a pressão sobre a face “melhor vascularizada”.
No centro da máscara, localizada sobre o nariz, mas sem tocá-lo, era fixada a sonda de Foley, mantida centrada, sem contato com a asa do nariz. KERSH; WOLFF (15) descreveram o uso do clipe umbilical (Figura 3) associado ao tubo terminal de drenagem removido da sonda de Foley, a fim de manter o cateter satisfatoriamente posicionado (15).
Entretanto, este fragmento da sonda é constituído de látex e, portanto, é flexível e deformável, o que pode desestabilizar a fixação submetida à necessária tração. MONEM et al. (16) descreveram uma modificação desta técnica ao não utilizar o clipe umbilical, o que traz como aparente desvantagem uma menor firmeza à preensão da sonda de Foley.
WURTELE (17), ao contrário, preconizou a aplicação do clipe umbilical protegido por gaze ou tubo. O clipe umbilical, cujo uso também é recomendado por compêndios de otorrinolaringologia (18), apresenta como vantagens a fácil aplicação e o baixo custo, porém sua remoção pode ser algo trabalhosa ao exigir corte com tesoura ou outras lâminas.
Isso porque seu fechamento é irreversível, ou seja, uma vez fechado sobre o tubo principal da sonda de Foley, somente poderá ser reaberto seccionando-se uma extremidade, inutilizando- o (Figura 3). Para se alterar o volume do balão da sonda, um novo clipe umbilical deve obrigatoriamente ser usado. WAREING; GRAY (19) apresentaram um instrumento metálico especificamente confeccionado para preensão do cateter de Foley, que deve ser usado em conjunção com uma seringa adaptada de 1 ml. O instrumento assemelhase a um torno de metal com peso significativo.
Estes autores destacam que uma das vantagens seria a ação do peso do instrumento, mantendo o tubo principal da sonda de Foley centrado e distante da asa do nariz. O autor principal do presente artigo tem utilizado sistematicamente a válvula de equipo e não observou complicações associadas ao método de fixação apresentado. Além disso, ao revisarmos a literatura, encontramos que o uso desta válvula não é uma proposta nova.
ELIASHAR; SAAH (20), em uma carta ao editor a respeito do artigo de WURTELE (16), afirmaram que o clipe umbilical, em suas experiências pessoais, esteve associado a dois casos de necrose da cartilagem alar do nariz e propuseram o uso da válvula associada a um protetor ocular adaptado ao vestíbulo nasal, à semelhança de BARTON; RAY (11).
Da proposta de ELIASHAR; SAAH (20), passamos a reproduzir o uso do protetor da ampulheta do equipo (Figuras 1 e 2d), por conferir maior rigidez ao tubo terminal de drenagem externa retirado da sonda de Foley (Figuras 1 e 2b), previamente utilizada por nós isoladamente. A válvula descrita, adaptada para a fixação da sonda de Foley, tem como vantagens:
1. fácil disponibilidade, pois a mesma faz parte de equipos para administração de soluções parenterais, com distribuição universal;
2. simplicidade no manejo, particularmente importante para controle do volume do balão e da tração sobre a sonda;
3. segurança, decorrente da firme preensão, e
4. o baixo custo.
Um interessante aspecto destas válvulas é que a tração das mesmas ou da sonda torna a preensão ainda mais firme. De fato, só é possível liberar o tubo principal da sonda de Foley deslocando-se o disco modulador da válvula, que se mantém “travado” com auxílio da elasticidade do catéter, uma característica que a torna bastante segura. Por último, ressaltamos que os instrumentos apresentados na técnica descrita podem ser utilizados sob diferentes combinações e modos (Figuras 4, 5 e 6), em concordância com as peculiaridades anatômicas de cada paciente, como a de um vestíbulo nasal estreito ou amplo, e com os materiais disponíveis ao médico assistente, desde que se observem os princípios de um tamponamento nasal seguro e eficaz.
CONCLUSÕES
O tratamento da epistaxe posterior, a adequada fixação externa constitui aspecto importante na efetividade da sonda de Foley e na prevenção de complicações.
Na experiência dos autores, o uso adaptado de uma válvula integrante de equipos para administração de soluções parenterais mostrou-se capaz de alcançar esses objetivos.
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* Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Médico da Emergência Otorrinolaringológica
do Hospital Geral do Estado (HGE), Bahia e Colaborador do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia.
** Professor Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia.
Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia.
Apoio financeiro: CAPES (bolsa de mestrado)
Endereço para correspondência: Fernando P. G. Sobrinho - Cd. Rec. dos Pássaros, R3, B29-A, Apto. 301 . Salvador / BA . CEP: 41150-050 . Telefone: (71) 257-0226 . E-mail: fpgs@ufba.br / fpgsobrinho@bol.com.br
Artigo recebido em 3 de julho de 2003. Artigo aceito em 9 de setembro de 2003.