INTRODUÇÃO
O VHI (Voice Handicap Index) é um questionário que visa avaliar numericamente pelo paciente o quadro vocal, como se fosse um Índice de Auto-avaliação da Capacidade Vocal. Foi criado com a finalidade de mensurar as dificuldades experimentadas por adultos com problemas vocais. Esse índice mostrou-se confiável na avaliação testereteste em repetição, com boa correlação entre a percep- ção do indivíduo sobre a gravidade de seu distúrbio vocal e os resultados obtidos com o teste pós-tratamento (1-3). Recentemente, foi traduzido para o Português e utilizado para mensurar distúrbios vocais em pacientes que freqüentavam o Instituto da Voz e a Clínica Otorrinolaringológica da ULBRA (2). JOTZ et al.
estudaram o VHI em coralistas e observaram piora da qualidade vocal com a idade (p=0,04) e predomínio significativo de distúrbios vocais em mulheres, sendo até 3 vezes mais comuns do que em homens (p=0,043) (4). Temos por objetivo avaliar a acurácia de discrimina- ção do VHI em relação à presença ou não de disfonia, frente à história e ao exame otorrinolaringológico e videoendosc ópico.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Trata-se de um estudo de acurácia, no qual foram avaliados prospectivamente 300 pacientes adultos de uma Clínica de Otorrinolaringologia. Para a realização deste estudo, utilizamos dois grupos de pacientes: aqueles com queixas vocais (com ou sem sinais laríngeos) e aqueles com queixas otológicas ou rinológicas (sem sinais ou sintomas laríngeos).
Para tal, realizamos avaliação clínica e videoendoscópica, incluindo a videofibrolaringoscopia e ou videotelescopia da laringe em todos os pacientes. Foi utilizado como instrumento o questionário intitulado Voice Handicap Index (Anexo I), formulado por JACOBSON et al.
(1) e traduzido para a língua portuguesa por JOTZ & DORNELLES (2). As pessoas responderam ao questionário de rotina na sala de espera da clínica, antes de entrar na consulta. Solicitou-se que os participantes, após lerem cada item, circulassem uma das cinco respostas de cada afirmativa. A escala apresentava as palavras “nunca” e “sempre” nas extremidades; os demais termos “quase nunca”, “algumas vezes” e “quase sempre” encontravam-se no meio. A cada resposta “sempre” foram computados quatro pontos, enquanto a resposta “nunca” computava-se zero ponto, sendo que a contagem das opções intermediárias variava entre um e três pontos.
Os pacientes responderam um total de trinta questões, sendo divididas de maneira igualit ária em três áreas distintas (funcional, física e emocional). O otorrinolaringologista que avaliou os pacientes depois da aplicação do VHI não conhecia as respostas do questionário e limitou-se a informar o resultado do exame clínico ao paciente. Para a comparação do comportamento do teste entre os disfônicos e não disfônicos foi utilizado o teste de Mann-Whitney.
Foi determinado um ponto de corte arbitr ário de 67 pontos ou mais no VHI e calculados os valores da sensibilidade e da especificidade. Esse projeto de pesquisa foi aprovado pelo do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos e Animais da ULBRA, protocolado no CEP ULBRA sob o número 088/2002.
RESULTADOS
A Tabela 1 mostra os dados referentes a todos os aspectos do teste comparando 156 pacientes disfônicos em relação a 144 pacientes não disfônicos.
O teste de Mann-Whitney mostrou que as diferenças entre os dois grupos são estatisticamente significantes (p<0,05) nos aspectos funcional, físico e emocional e também no somatório de todos os conjuntos de perguntas. A partir do ponto de corte de 67 pontos, obtivemos 23 VHI positivos para disfonia e 277 negativos. O teste mostrou sensibilidade baixa (12,8%) e uma alta especificidade (97,9%) como mostra a Tabela 2.
DISCUSSÃO
O uso do VHI para auto-avaliar a qualidade vocal do indivíduo frente ao impacto do tratamento de seu distúrbio vocal, bem como no acompanhamento terapêutico fonoaudiológico, tem sua aplicação prática como complemento aos métodos já existentes, como a videoendoscopia, a análise perspectiva auditiva e computadorizada da voz. Aspectos preliminares observados no uso deste tipo de instrumento nos pacientes de uma clínica de otorrinolaringologia demonstram que, seja qual for o motivo da consulta ou a doença acometida, há uma diferença significativa entre os resultados relatados pelos pacientes eufônicos ou disfônicos.
Um dos primeiros estudos sobre o impacto dos distúrbios vocais na qualidade de vida foi realizado por SMITH et al., que propuseram um questionário para obter informações sobre o impacto funcional dos dist úrbios vocais em vários aspectos da vida das pessoas (5).
Procuraram observar os efeitos dos sintomas vocais na profissão, bem como fatores de risco e história familiar. O questionário proporciona um rastreamento dos aspectos físicos, funcionais e emocionais que acometem os indivíduos portadores de distúrbios da voz, através de suas 30 perguntas, dividas em três blocos.
Os pacientes, ao responderem com nível de graduação as perguntas, demonstram a sua capacidade de discernimento do seu distúrbio, ajudam o médico na avaliação do que os acomete, auxiliando na precisão diagnóstica.
Neste estudo, as 30 questões traduzidas para o português apresentaram diferen ça significante ao compararmos grupos de disfônicos com não disfônicos (Tabela 1). Embora tenhamos conhecimento que os distúrbios vocais possam causar impacto importante nas atividades diárias e na qualidade de vida das pessoas, existem poucos instrumentos para que possamos analisar estes distúrbios. FERREIRA (6) descreveu a atuação do professor de técnica vocal e do fonoaudiológico com profissionais da voz na área de canto.
A visão do professor de técnica vocal ressaltava a presença da arte, da transmissão oral do conhecimento e da experiência adquirida pelos mais velhos atuantes na área, enquanto a do fonoaudiólogo ressaltava a marca da ciência e o conhecimento anatômico e funcional das estruturas envolvidas na produção vocal. JOTZ et al. ao analisarem os “tipos vocais”
de integrantes de coralistas através do VHI, não encontraram diferenças significantes entres as médias do VHI funcional, físico e emocional e o total desses valores com o timbre de voz (4). Este fato poderia ser explicado em virtude do tamanho da amostra que além de ser pequena, é subdividida entre os diversos tipos de voz que compõem o coral. O VHI tem a vantagem de poder servir para dois objetivos: o de discriminar pessoas disfônicas de não disfônicas, bem como o de medir, sob o ponto de vista do paciente, a evolução do tratamento (pré e pós).
Esta pode ser uma avaliação de vital importância para o profissional, uma vez que a satisfação do paciente pode ser mensurada de maneira objetiva confrontanto o pré e pós-tratamento, mostrando-se ao paciente aquilo que foi por ele anteriormente assinalado. Não observamos na literatura a utilização deste questionário por crianças ou adolescentes.
Acreditamos que este fato deva-se, no caso das crianças, as constantes transformações laríngeas que ocorrem na forma ção das pregas vocais, principalmente no que diz respeito aos aspectos morfológicos, como bem descreveram DANOY et al.(7). Além disto, a falta de maturidade também poderia ser uma das razões de não encontrarmos estudos deste tipo com crianças na literatura. Levando-se em conta a importância do enfoque preventivo no trabalho interdisciplinar da voz cantada, consideramos relevante objetivar os parâmetros e procedimentos clínicos como avaliações endoscópicas e perceptivas auditivas, através de protocolos (8). A prevenção deve ser uma das nossas primeiras metas de atuação e, na nossa opinião, avaliações como esta só vem a somar. Acreditamos que estudos como este possam contribuir de maneira significativa com os profissionais que tratam os distúrbios vocais, pois evidenciam os indivíduos disfônicos em relação aos não disfônicos, apesar de não ter tido a capacidade de diferenciar dentre os disfônicos aqueles que eram portadores de disfônia orgânica ou funcional, muito provavelmente em virtude da amostra ser pequena.
Aliado a isto, estimulamos o estudo da qualidade vocal em todos os seus aspectos, sejam eles clínicos, endoscópicos, perceptivos auditivos, computadorizados entre outros, para abrangermos de uma maneira integral todos os fatores que possam ter importância clínica na avaliação diagnóstica e no acompanhamento terapêutico destes (2,4,6,9). A baixa sensibilidade do teste implica que ele não seja bom para uso em rastreamento, pois haveria um grande número de falsos negativos. Por outro lado, como mostrou alta especificidade, um teste negativo sugere fortemente que o paciente não seja disfônico, pois há poucos falsos negativos.
Para calcular o valor preditivo positivo do teste é necessário saber a prevalência de disfonia na população a ser estudada utilizando-se a Fórmula 1. Em uma população onde a prevalência de disfonia fosse de 20% um indivíduo com VHI positivo teria 60% de chance de ser disfônico.
Cabe salientar que todos os atributos calculados do teste no presente estudo estão baseados no ponto de corte utilizado. Com outros pontos de corte os resultados seriam diferentes.
Fórmula 1 - Cálculo do valor preditivo positivo corrigido para prevalência
Um estudo futuro poderia demonstrar que o VHI aplicado no mesmo paciente antes e após o tratamento, poderia ser útil para avaliar a eficácia da terapêutica adotada. CONCLUSÃO O VHI apresentou boa acurácia para medir os distúrbios vocais, com capacidade de discriminar indiví- duos disfônicos e não disfônicos em todas as suas trinta questões, de maneira significante. Entretanto, considerando- se o VHI positivo para 67 pontos ou mais, o teste mostrou baixa sensibilidade e alta especificidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Jacobson BH, Johnson A, Grywalski C, Silbergleit A, Jacobson G, Benninger MS, Newman CVW. The Voice Handicap Index (VHI): Development and Validation. Am J Speech Lang Pathol, 6(3): 66-70, 1997.
2. Jotz GP, Dornelles S. Auto-avaliação da voz. Experiência Clínica. Arq Med ULBRA, 3 (2): 43-50, 2000.
3. Rosen CA, Murry T. Efficacy of vocal education in school teachers. Grant Application, 1997. Pittsburgh, PA.
4. Jotz GP, Bramati O, Schmidt VB, Dornelles S, Gigante LP. Aplicação do .Voice Handicap Index. em Coralistas. Arq Otorrinolaringol, 6(4): 260-64, 2002.
5. Smith E, Nichols S, Lemke J, Verdolini K, Gray SD, Barkmeier J, Dove H, Hoffman H. Effects of voice disorders on patient lifestyle: Preliminary results. NCVS Status Progr Report, 4: 237-248, 1994.
6. Ferreira LP. A avaliação da voz: o sentido poderia ser outro? In: Ferreira LP. Um pouco de nós sobre voz. 2a- ed. São Paulo, Pró-fono; p.29-38. 1995.
7. Danoy MC, Heuillet-Martin G, Thomassin JM. Les dysphonies de l.enfant. Rev Laryngol, 111 (4): 341-45, 1990.
8. Vargas AC, Jotz GP, Dornelles S. A Clínica de Voz Interdisciplinar e sua Atuação no Trabalho com Corais: Aspecto Preventivo. Arq Med ULBRA, 6 (1): 51-57,2003.
9. Hollien H. .Old Voices.: What do we really know about them? J Voice, 1(1): 2-17, 1987.
* Professor Adjunto Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Curso de Medicina da ULBRA e do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS).
** Acadêmicos do Curso de Medicina da ULBRA.
*** Professora Adjunta Mestra da Disciplina de Qualidade Vocal do Curso de Fonoaudiologia da ULBRA.
**** Professora Adjunta Doutora da Disciplina de Epidemiologia do Curso de Medicina da ULBRA.
Trabalho realizado no Instituto da Voz e na Universidade Luterana do Brasil.
Recebeu o Prêmio Destaque do VIII Salão de Iniciação Científica da Universidade Luterana do Brasil, no ano de 2002.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Geraldo Pereira Jotz . Rua Dom Pedro II, 891 - cj. 604 . Porto Alegre / RS . CEP 90550-142 . E-mail: jotz.voz@zaz.com.br
Artigo recebido em 5 de agosto de 2003. Artigo aceito com modificações em 3 de maio de 2004.