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Ano: 2004  Vol. 8   Num. 3  - Jul/Set Print:
Case Report
Tumor de Células Granulares da Laringe: Relato de Caso e Revisão de Literatura
Granular Cell Tumor of the Larynx: Case Report and Review of the Literature
Author(s):
Giordania Gomes Campos*, Luzia Abhrão El Hadj**, Marcelo Lodi de Araújo**, Paulo Pires de Mello**, Nilcimar Lourenço Miranda***, Luiz Fernando Pires de Mello****.
Palavras-chave:
mioblastoma, tumor de Abrikossoff, tumor subglótico.
Resumo:

Introdução: Os tumores de células granulares são incomuns e provavelmente têm origem neuroectodérmica. Foram primeiramente relatados por Abrikossof em 1926 que os denominou de mioblastoma. Desde então, aproximadamente 1200 casos foram descritos, sendo que 50% destes são encontrados na região da cabeça e pescoço. Apenas 10% têm localização laríngea. Objetivo: Descrever um caso de uma paciente com um tumor de células granulares na região subglótica. Relato do caso: Paciente do sexo feminino, 34 anos, apresentou massa cervical como sinal inicial. A laringoscopia com óptica rígida demonstrou uma lesão hipertrófica, irregular e avermelhada na porção posterior da subglote. O tratamento foi realizado com sucesso através da laringectomia total. Conclusão: Os tumores de células granulares podem se apresentar clinicamente como lesões inócuas na laringe e o diagnóstico será feito pelo estudo histopatológico. O diagnóstico diferencial deve ser feito com os carcinomas de células escamosas.

INTRODUÇÃO

Descritos por ABRIKOSSOF como tumores de origem muscular (mioblastoma) pela similaridade histológica com o tecido muscular em certas técnicas de coloração, atualmente admite-se que sua origem seja na célula de SCHWANN (1). Todo organismo pode ser afetado, com predomínio no sexo feminino 2:1 e na raça negra (2), relação que se inverte quando se trata de tumores localizados na laringe.

Acometem em 50% dos casos a região cervicofacial, sendo a língua o órgão mais acometido em 33%(1,6). As lesões laríngeas correspondem a aproximadamente 3% dos casos publicados e a 0,4% dos tumores benignos da laringe. O envolvimento da hipofaringe é extremamente raro com menos de quatro casos relatados na literatura mundial (3). Geralmente o tumor se manifesta entre os 30 e 60 anos, porém há formas pediátricas descritas na literatura(4,5). O objetivo deste estudo é apresentar um caso de tumor de células granulares da laringe e fazer uma revisão da literatura correlata.

RELATO DO CASO

MFFL, 34 anos, feminino, branca, nascida em João Pessoa, PB e residente no Rio de Janeiro desde a infância, do lar. Procurou atendimento na Clínica de Endocrinologia do Hospital Geral de Bonsucesso em abril de 2001 com queixa principal de “caroço no pescoço”. Ao exame apresentava glândula tireóide aumentada às custas do lobo direito, dolorosa, móvel à deglutição, tendo inicialmente o diagnóstico de nódulo tireoidiano.

Naquela época, foi solicitado ultrassonografia da glândula tireóide que evidenciou tireóide de volume aumentado às custas de nódulo hipoecogênico com áreas mistas de permeio, medindo 3,3 cm em seu maior diâmetro, no terço inferior do lobo direito; istmo e lobo esquerdo sem alterações e glândula móvel a deglutição. A dosagem dos hormônios tireoidianos estava normal (T4 livre = 1,2 e TSH = 3,05). Em junho de 2001 foi realizada punção aspirativa por agulha fina (PAAF) que se mostrou inconclusiva.

A seguir, a paciente foi encaminhada ao Serviço de Cirurgia Geral com suspeita de bócio tireoidiano, sendo então indicada tireoidectomia parcial. Em dezembro de 2001, foi submetida à cirurgia onde foi evidenciada tumoração em região cervical direita de consistência endurecida envolvendo lobo tireoidiano direito, cartilagens tireóide e cricóide.

Foi realizada remo- ção do lobo tireoidiano direito e encaminhado para estudo anátomo-patológico, para posterior decisão terapêutica quanto à extensão tumoral. A paciente foi, então, encaminhada à Clínica de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço com diagnóstico de Tumor de Células Granulares (TCG) dado pela peça cirúrgica removida. Naquele momento, a paciente apresentava disfonia, dispnéia aos médios e grandes esforços, sem queixas álgicas. Negava hemoptise e disfagia.

À laringoscopia direta observava-se paralisia de corda vocal direita, sendo então solicitada tomografia computadorizada do pescoço que demonstrou massa homogênea em região subglótica direita, envolvendo a cricóide e ocupando parte da luz traqueal. Naquela oportunidade, a paciente foi submetida a laringo-traqueoesofagoscopia sob anestesia geral, demosntrando esôfago normal, lesão hiperplásica subglótica medindo aproximadamente 2,5cm situada a cerca de 1 cm das cordas vocais, na subglote e traquéia (Figuras 1 e 2).

Foi realizada biópsia da massa subglótica, que também confirmou um tumor de células granulares. Em março de 2002, foi submetida a laringectomia total com remoção de linfonodo satélite, que se mostrou livre de neoplasia à congelação.

A peça cirúrgica foi enviada a exame anátomo-patológico que concluiu se tratar de TCG. A macroscopia revelou presença de tumor na região posterior da laringe, em área infraglótica, com 3,4 x 1,0 cm, que abaulava e obstruía parcialmente o espaço subglótico. A neoplasia tinha superfície lisa, cor pardo-clara e distava 1,0 cm do limite inferior da peça cirúrgica. Aos cortes, a tumoração era de coloração esbranquiçada e pálida que se apresentava profundamente no espécime, constituindo massa que media 4,5 x 4,0 x 3,5 cm, que representava o limite posterior da peça removida.

O restante da laringe mostrava revestimento mucoso esbranquiçado, cordas vocais e epiglote sem alterações macroscópicas. O exame histopatológico revelou nas diversas amostras examinadas grupos de células com amplo citoplasma granular eosinofílico e pequenos núcleos, achados diagnósticos de tumor de células granulares benigno.

Não foram observadas figuras de mitose em número significativo ou caráter infiltrativo. Notou-se permeação da parte membranácea da traquéia, dos anéis cartilaginosos e a cartilagem cricóide mostrou-se envolvida pela tumoração, mantendo-se preservada. A imuno-histoquímica mostrou-se positiva para proteína S-100, NSE e vimentina, sendo negativa para marcadores epiteliais (AE1 e AE3) (Figuras 3 e 4). Atualmente, a paciente encontra-se assintomática e livre de doença, em acompanhamento ambulatorial semestral pela Clínica de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço.







DISCUSSÃO

O TCG usualmente é uma lesão benigna que ocorre na pele, tecido celular subcutâneo, mucosas superficiais e músculo esquelético. Pode ser confundido com outras neoplasias que contenham células granulares.

O diagnóstico diferencial inclui neoplasias musculares, vasculares, tumor fibrohistiocítico, histiocítico verdadeiro e melanocítico, sendo imprescindível à diferenciação para determinar o tratamento e o prognóstico (6,8). Entre 10 a 15% dos pacientes com TCG têm mais de uma lesão no mesmo órgão ou localizada em sítios diferentes. O TCG pulmonar, quando múltiplo, produz imagem semelhante a doenças metastáticas.

Dessa forma, é imperativa a realização de uma broncoscopia pela possibilidade de tumores múltiplos nas vias aéreas (8). O aspecto macroscópico dos TCG laríngeos é de uma massa polipóide branca, abaixo de uma mucosa normal situada tipicamente ao nível do terço posterior do plano glótico (50% dos casos dos adultos) ou ao nível da comissura posterior.

Nas formas pediátricas, a localização é subglótica na metade dos casos e anterior em 62% (1,2,5). O quadro clínico pode ser assintomático ou apresentar inicialmente disfonia, dispnéia e até hemoptise.

A grande maioria dos pacientes cursa com disfonia por ser a lesão mais comumente encontrada no terço posterior das cordas vocais (1,2,6,8). A origem histológica dos TCG ainda não é bem conhecida (5). Os achados radiológicos e endoscópicos são inespecíficos, sendo imprescindível o estudo anátomopatol ógico (3), que permite afirmar o diagnóstico ao evidenciar células de aspecto polimorfo com citoplasma granuloso e acidófilo (restos de mielina fagocitados).

Os núcleos são pequenos e as mitoses raras. O tumor não está geralmente encapsulado, porém é bem delimitado e, às vezes, emite digitações aos tecidos contíguos que faz pensar em um certo grau de invasão.

Em mais de 50% dos casos, o tumor está recoberto por hiperplasia epitelial pseudoepiteliomatosa, o que leva a pensar erroneamente em carcinoma epidermóide nas biópsias demasiadamente superficiais que não contenham células granulares típicas. A grande maioria dos TCG é benigna com pouca recorrência local após a excisão (8%).

Entretanto, já é descrita a forma maligna em 2% dos casos, sendo que 2 casos de localização laríngea foram descritos na literatura até 1999 (7). A análise histopatológica é suficiente para determinar o grau de malignidade dos TCG.

Um estudo realizado pelas Forças Armadas Norte-Americanas definiu seis crité- rios histológicos de malignidade que são: necrose, células tumorais alargadas, núcleos vesiculares com grande nucléolo, aumento do número de mitoses (> 2/campo), uma relação núcleo-citoplasma grande e o pleomorfismo celular (8). São necessários 3 ou mais dos critérios acima para considerar um TCG maligno. O estudo imuno-histoquímico pode ser utilizado no auxílio diagnóstico dos TCG.

Os marcadores mais utilizados são: vimentina e a proteína S-100 (9). A imunorreatividade ao CD68 é detectada na grande maioria das lesões benignas, enquanto que o CD57 pode aparecer nos TCG benignos, atípicos e malignos.

Já o Ki67 e P53 se apresentam mais freqüentemente nos TCG malignos. As características ultra-estruturais do complexo lisossomal, processo interdigital e lâmina externa podem ser encontrados nas três formas de TCG: benigno, atípico e maligno (10). O diagnóstico diferencial dos TCG deve ser feito com outras afecções que contenham células granulares como: carcinomas, lesões mieloblásticas, leiomiomas, leiomiossarcomas, dermatofibromas, dermatofibrossarcomas, histiocitoma fibroso maligno, tumor da bainha nervosa periférica, angiossarcoma e melanoma. Distinguir a hiperplasia epitelial (pseudo-epiteliomatosa) dos carcinomas espinocelulares é imprescindível para evitar um tratamento cirúrgico radical (11).

Os tumores da linhagem espinocelular são considerados neoplasias malignas de origem e clínica semelhantes aos schwannomas, porém de tratamento distintos, em que a exérese da lesão pode ser em muitos dos casos mutilante. Em casos de TCG malignos, o tamanho tumoral (>5cm) e a presença de metástases no momento do diagnóstico são os fatores prognósticos mais importantes (12).

Além disso, quando há níveis elevados dos marcadores Ki67 (>10%) e P53 também consideramos a possibilidade de evolução tumoral desfavorável. O tratamento dos TCG é baseado na exérese cirúrgica completa da lesão com margens de segurança de 2-3 cm, podendo ser utilizada a via cervical aberta (13) ou endoscópica (14), como também o uso do laser de CO2 (3) que reduz o sangramento intra-operatório, minimizando o dano tecidual local e o edema pós-operatório. A quimioterapia e radioterapia não são indicadas por se tratarem, na maioria das vezes, de lesões benignas.

Além disso, há pouca experiência nas respostas destas terapias nos TCG malignos. O importante é diagnosticar a presença de recorrências locais o mais precocemente possível, estando estas diretamente relacionadas a ressecções tumorais inadequadas.

CONCLUSÕES

Os TCG devem ser incluídos no diagnóstico diferencial das lesões submucosas da hipofaringe e laringe, não havendo achados endoscópicos ou radiológicos típicos sugestivos, o que torna o estudo anátomo-patológico imprescindível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Residente do Serviço de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso.
** Membro do staff do Serviço de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso.
*** Médica Patologista do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Geral de Bonsucesso.
**** Chefe do Serviço de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso.
Trabalho realizado no Serviço de Broncoesofagologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Bonsucesso - Rio de Janeiro, RJ.
Endereço para correspondência: Drª Giordania Gomes Campos . Rua Miguel José Mansur, 56 apto 102 . Juiz de Fora / MG . CEP: 36033-250 . Telefone: (21) 9241-2246. E-mail: giordaniagc@ig.com.br
Artigo recebido em 14 de julho de 2003. Artigo aceito com modificações em 30 de junho de 2004.
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