INTRODUÇÃO
O hemangiopericitoma foi inicialmente descrito em 1942 como uma neoplasia de origem incerta. Seu comportamento clínico varia de um tumor totalmente benigno até uma neoplasia metastática agressiva, capaz de induzir hipertensão e hipoglicemia (1). Acredita-se que o hemangiopericitoma é originado de células vasculares denominadas pericitos de Zimmerman. Estes pericitos são encontrados por todo o corpo espiralado que envolve capilares e vênulas pós-capilares. A função destas células é incerta.
Alguns autores acreditam que sejam responsáveis pelo controle do fluxo sanguíneo (2) ou pelo suporte mecânico dos capilares e pela regulação do tamanho da luz dos vasos (3). Os hemangiopericitomas podem surgir em qualquer faixa etária, sendo mais freqüentes em pacientes na primeira e segunda década de vida (4). Este tumor representa menos de 1% de todas as neoplasias vasculares, podendo aparecer em qualquer parte do corpo, porém 15 a 30% destes tumores são encontrados na região da cabeça e pescoço (5).
Nesta região, a localização mais freqüente é motivo de controvérsia, pois alguns estudos afirmam que os seios paranasais são os sítios de maior incidência (6), enquanto outros afirmam que a incidência de hemangiopericitomas em seios paranasais é rara (7, 8).
Dentre os seios paranasais, os seios maxilares são os mais acometidos por este tumor (9). O objetivo deste estudo é descrever o caso de uma paciente com hemangiopericitoma em seio esfenoidal, cujo diagnóstico foi feito por análise histopatológica após a cirurgia.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 51 anos de idade, procurou o Ambulatório da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P. com queixa de obstrução nasal mais importante à esquerda, de piora progressiva, há aproximadamente dois anos. Referia um episódio de epistaxe há um ano.
Não tinha outras queixas ou antecedentes pessoais ou familiares de patologias relevantes. Ao exame físico apresentava, na rinoscopia anterior, uma massa de aspecto mucoso obstruindo parcialmente a fossa nasal esquerda e uma discreta hipertrofia de cornetos e desvio septal anterior em fossa nasal direita.
O restante do exame físico apresentava-se sem alterações. Na endoscopia nasal, observou-se uma massa em fossa nasal esquerda, originando-se do recesso esfenoetmoidal, com meatos médios livres (Figura 1). A tomografia computadorizada de seios paranasais sem contraste mostrou velamento de seio esfenóide esquerdo com uma massa alargando o óstio esfenoidal, sem erosão óssea (Figura 2 e 3). Com a hipótese diagnóstica de pólipo esfenocoanal, a paciente foi submetida aos exames pré-operatórios de rotina para a realização de exérese do pólipo por cirurgia endoscópica nasal. Durante a cirurgia, foi visualizada massa vinhosa no recesso esfenoetmoidal, inserindo-se dentro do seio esfenoidal, em região inferior (Figura 4). Após exérese da massa (Figura 5), que se apresentou pouco sangrante, houve saída de secreção espessa do seio esfenoidal (Figura 6). A paciente permaneceu internada no pós-operató- rio imediato por 12 horas, recebendo alta hospitalar com orientação de usar amoxacilina até 10 dias após a cirurgia. Como procedimento de rotina neste serviço, a massa foi enviada para exame anatomopatológico, cujo resultado foi compatível com tumor de origem vascular, sugestivo de hemangiopericitoma (Figura 8). Nos retornos ambulatoriais com dez dias, um mês e três meses (Figura 7) após a cirurgia, a paciente referiu melhora significante da obstrução nasal, e não apresentou sinais de recidiva do tumor pela telescopia nasal.
Figura 1. Imagem da massa tumoral em fossa nasal esquerda pela telescopia.
Figura 2. Tomografia computadorizada de seios paranasais em corte axial mostrando massa alargando o óstio do seio esfenoidal esquerdo.
Figura 3. Tomografia computadorizada de seios paranasais em corte axial inferior ao da figura anterior, mostrando massa alargando o óstio do seio esfenoidal esquerdo.
Figura 4. Imagem intra-operatória mostrando massa proveniente do seio esfenoidal esquerdo.
Figura 5. Imagem comparativa das dimensões da massa retirada.
Figura 6. Secreção espessa vinda do seio esfenoidal esquerdo, logo após a exérese do tumor.
Figura 7. Imagem do óstio do seio esfenoidal esquerdo após três meses de cirurgia.
Figura 8. Imagem microscópica da lesão, em aumento de 40x, visualizado células arredondadas ovaladas, justapostas, envolvendo estruturas vasculares dispostas em fendas, por vezes mielinizadas. As células neoplásicas e os vasos sanguíneos são envolvidos por abundante rede de fibras reticulares.
DISCUSSÃO
Como o diagnóstico de certeza do hemangiopericitoma é feito pelo exame anatomopatológico (6), exames complementares como endoscopia nasal e tomografia computadorizada não são específicos para realizar um diagnóstico pré-operatório da lesão, tendo papel importante apenas no planejamento cirúrgico do paciente. Sabini et al. sugerem que a ressonância magnética pode auxiliar na hipótese diagnóstica pré-operatória por determinar o tecido de origem da lesão (2).
Em nosso caso, a ressonância não foi feita porque a imagem tomográfica sugeria apenas um pólipo esfenocoanal, não havendo características diferentes que nos sugerissem outra hipótese. Estudos retrospectivos comparando o tratamento deste tumor por completa excisão cirúrgica, quimioterapia e radioterapia, mostraram que a melhor forma de se evitar recidivas da doença é a completa excisão cirúrgica da lesão (10).
Desta forma, não foi necessária a instituição de qualquer outro tipo de tratamento para nosso paciente, que ainda não apresentou sinais de recidiva com um ano de pós-operatório. A radioterapia e a quimioterapia como tratamento exclusivo devem ser reservadas a casos cuja exérese cirúrgica apresenta um risco muito elevado. Em um estudo retrospectivo, CAREW et al. (3) relatam uma sobrevida de 87,5% de seus onze pacientes tratados com excisão cirúrgica total, sendo que quatro receberam radioterapia pós-operatória por possuírem tumores classificados como de alto grau. Recidivas e metástases à distância são raras em pacientes tratados com excisão cirúrgica completa, porém a maioria dos pacientes que apresentou metástases ou recidivas foi diagnosticada após mais de 40 meses de acompanhamento, sugerindo que o acompanhamento pós-operatório para todos os pacientes seja prolongado (11). Prado FAP Figura 8.
Imagem microscópica da lesão, em aumento de 40x, visualizado células arredondadas ovaladas, justapostas, envolvendo estruturas vasculares dispostas em fendas, por vezes mielinizadas. As células neoplásicas e os vasos sanguí- neos são envolvidos por abundante rede de fibras reticulares. Figura 7. Imagem do óstio do seio esfenoidal esquerdo após três meses de cirurgia.
CONCLUSÃO
Apesar de raro, o hemangiopericitoma nasossinusal deve ser lembrado no diagnóstico diferencial de massas nasais. Todas as massas retiradas cirurgicamente dos seios paranasais e fossas nasais devem ser submetidas à análise anatomopatológica, mesmo em casos cuja aparência macroscópica da lesão não apresente características alteradas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Benn JJ, Firth RGR, Sonksen PH. Metabolic effects of an insulin-like factor causing hypoglycemia in a patient with a haemangiopericytoma. Clin Endocrinol 32:769-780, 1990.
2. Sabini P, Josephson GD, Yung RT, Dolitsky JN. Hemangiopericytoma presenting as a congenital midline nasal mass. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 124:202-204, 1998.
3. Carew JF, Singh B, Kraus DH. Hemangiopericytoma of the head and neck. Laryngoscope 109(9);1409-1411, 1999.
4. Kyriakos ML. Tumors and tumor-like conditions of soft tissues. In: Kissane JN, ed. Anderson.s Pathology. St Louis, Mo: Mosby-Year Book Inc, 1680-1682, 1985.
5. Enzinger FM, Smith BH. Hemangiopericytoma: an analysis of 106 cases. Hum Pathol 7:61-82, 1976.248 Arq Otorrinolaringol, 8 (3), 2004
6. Daniels RL, Haller JR, Harnsberger HR. Hemangiopericytoma of the masticator space. Ann Otol Rhinol Laryngol. 105:162-165, 1996.
7. Gudrun R. Haemangiopericytoma in otolaryngology. J Laryngol Otol 93:477-494, 1979.
8. Batsakis JG, Jacobs JB, Templeton AC. Hemangiopericytoma of the nasal cavity: electron-optic study and clinical correlations. J Laryngol Otol 97:361-368, 1983.
9. Kanazawa T, Nishino H, Miyata M, Kuriki K, Abe K, Ichimura K. Haemangiopericytoma of infratemporal fossa. J Laryngol Otol 115(1):77-9, 2001.
10. Backwinkel KD, Diddams JA. Hemangiopericytoma. Cancer 25:896-901, 1970.
11. Walike JW, Bailey BJ. Head and neck hemangiopericytoma. Arch Otolaryngol. 93:345-352, 1971.
* Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
** Médico Pós-Graduando da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
*** Professor Associado da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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Artigo recebido em 9 de maio de 2003. Artigo aceito com modificações em 28 de abril de 2004.