INTRODUÇÃO
A síndrome da Apnéia-Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) é uma doença crônica, evolutiva, com alta taxa de morbidade e mortalidade, apresentando um cortejo sintomático polimorfo que vai desde o ronco até a sonolência excessiva diurna, com graves repercussões gerais hemodinâmicas, neurológicas e comportamentais (1). Atinge 9% dos homens e 4% das mulheres na faixa etária entre 30 e 60 anos. Estima-se um número de 14 milhões de pessoas atingidas somente nos Estados Unidos, a maioria não diagnosticada e não tratada (2). A SAHOS é caracterizada por eventos repetitivos de apnéia e hipopnéia durante o sono, causadas pelo relaxamento dos músculos da faringe e seu estreitamento.
Estas paradas respiratórias produzem hipóxia, hipercapnia e microdespertares, podendo ocorrer centenas de vezes durante a noite, determinando a severidade da doença. Os exames endoscópicos destes pacientes demonstram múltiplas áreas de colapso da faringe, em especial nas paredes laterais e na base da língua (3). Muitas opções de tratamento são propostas, variando desde comportamentais, físicos (aparelhos intraorais, CPAP) e/ou cirúrgicos.
Os aparelhos de pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP) são efetivos nas formas moderada e grave, porém são pouco tolerados pelos pacientes, o que diminui a adesão ao tratamento (4), semelhante ao que ocorre com os aparelhos intraorais (5). As várias opções cirúrgicas não têm mostrado resultados satisfatórios devido às suas indicações inconsistentes, com procedimentos envolvendo somente uma área da obstrução, deixando áreas colapsáveis como a base da língua e as paredes laterais da faringe sem tratamento.
Dentre os procedimentos cirúrgicos, somente o avançamento maxilomandibular tem apresentado resultados satisfatórios (6), porém ainda está limitado a poucos centros no mundo por ser uma intervenção mais complexa. Procedimentos menos invasivos têm sido tentados nos últimos anos, como a radiofreqüência para a redução volumétrica de tecidos (7) e a sutura em suspensão da língua (8), porém ambos com resultados inconclusivos. Em razão de 85% dos casos de SAHOS terem obstrução de vias áreas (VA) em múltiplos níveis, técnicas que se propõem a corrigir o colapso faríngeo como um todo seriam as ideais (3). O objetivo deste trabalho é estudar a colapsabilidade das vias aéreas em modelo de animal canino e o implante de magnetos (ímãs) nas paredes laterais da faringe, com a finalidade de manter a permeabilidade da VA induzida ao colapso.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Dois cães com peso de 12 kg e 13 kg foram submetidos a procedimento cirúrgico para comparação do fechamento da via aérea canina com e sem implantes magnéticos.
Tais implantes são confeccionados com tiras finas de magnetos (ímãs) repelentes, flexíveis, encapados com silicone reforçado biocompatível, medindo aproximadamente 19 mm de comprimento por 10 mm de largura por 2 mm de espessura.
A força repelente entre dois ou mais implantes é uma função da polaridade, tamanho, proximidade e distribuição dos magnetos individuais. Adaptando o modelo experimental usado por TUCK e REMMERS (9), os cães foram colocados em posição supina e submetidos à anestesia geral com ketamina na dosagem de 1mg/kg de peso.
A traquéia foi seccionada na altura do segundo anel e uma sonda foi colocada na traquéia caudal para ventilação e outra na traquéia cranial rostral às pregas vocais para produzir pressão negativa (vácuo) nas vias aéreas superiores e induzir o colapso. Um bloco foi colocado na boca, após a epiglote, para manter a posição da língua. Os lados do bloco eram abertos para permitir o livre movimento das paredes laterais. Uma máscara de anestesia foi mantida para fechar a boca e o nariz do animal e criar total vedamento. Um manômetro foi acoplado à mascara e à porção distal da VA para medir a quantidade de vácuo através do sistema (Figura 1). Com um selamento completo, foi mantida uma pressão uniforme através do sistema, obtendo-se um fechamento dos tecidos da VA com 9 “ H2O (22,5 cm H20) à fluoroscopia.
Um dos animais foi submetido à colocação de grampos radiopacos nas paredes laterais e diferentes pressões foram testadas (de 0 a 15” de H2O).
O outro cão foi submetido à sutura de um implante nas paredes laterais direita e esquerda da faringe, sendo testadas as mesmas pressões com ambos implantes em posição.
RESULTADOS
No animal submetido à colocação de grampos, houve colapso quase completo na pressão de 15\" H20 (Figuras 2 e 3). Por outro lado, no animal submetido à colocação de implantes magnéticos, as paredes moveramse com o aumento da pressão, porém uma abertura foi mantida pelos implantes em pressões negativas até 13\" H2O (32.5 cm H2O) (Figura 4). Assim, os implantes magnéticos preveniram o fechamento da via aérea em vácuos experimentais, o que não ocorreu na ausência do implante.
DISCUSSÃO
A fisiopatologia da SAHOS tem sido melhor compreendida recentemente e seu conhecimento continua em desenvolvimento, especialmente o importante papel do colapso das paredes faríngeas (10). Estudos demonstram que a SAHOS é causada por obstruções ao longo de diversas localizações na faringe e requer, conseqüentemente, soluções que envolvam todo o trato faríngeo (3). A VAS em pacientes portadores de SAHOS é mais colapsável do que em pacientes normais quando a mesma quantidade de pressão negativa e sucção é aplicada.
A VA pode ser comparada a um modelo de balança, com a atividade muscular da VAS sendo contrabalançada pela pressão da VA, com o fulcro sendo as propriedades mecânicas intrínsecas da VA. No paciente apneico, o fulcro está deslocado, alterando o equilíbrio normal e levando a uma VA obstruída (11). Na SAHOS, quando a faringe está comprometida por tecido redundante e assim estreitada, a VAS é sujeita a colapso.
Isto ocorre quando as forças dilatadoras produzidas pelos músculos faríngeos são superadas pela pressão negativa da VAS gerada pelos músculos respiratórios durante a inspiração (10). Durante o sono, os músculos dilatadores da VAS relaxam e a faringe torna-se altamente complacente.
Em indivíduos normais, o tônus muscular é ainda suficiente para manter a permeabilidade da VA. Os tratamentos cirúrgicos da SAHOS têm mostrado resultados inconsistentes devido a procedimentos envolvendo somente uma área de obstrução. Técnicas cirúrgicas mais complexas têm sido efetivas (6), porém, sendo mais invasivas, apresentam taxa de aderência menor.
A procura de métodos que atinjam regiões específicas da faringe com menor morbidade ainda não estão disponíveis. Em modelo animal canino, implantes magnéticos foram suturados à superfície das paredes laterais da faringe e diversas pressões foram testadas para demonstrar a força repelente dos magnetos para manter um mínimo de permeabilidade da via aérea.
Este modelo animal foi comparado a outro sem os implantes, apenas usando marcadores tipo grampo radiopaco. Não existem valores definitivos na literatura sobre o mínimo de pressão necessária para manter a via aérea permeável. Por exemplo, apnéias obstrutivas, hipopnéias e dessaturações desaparecem com uma média de pressão de 6 cm de H20 (12). Contudo, níveis com Auto-CPAP estão um terço abaixo que o CPAP Standard (13). Em contraste, a pressão crítica de fechamento para 95% dos apneicos é de 2.3 cm H20 (14). Enquanto existem dados sobre o tamanho das VA sob diferentes condições, não há ainda definição da dimensão mínima da VA fisiológica.
A média mínima de área seccional para um humano normal durante o sono é de 33 +- 25 mm2, enquanto a média mínima de área seccional para um apneico acordado é 29.3 +- 24.1 (15). Isto indica um diâmetro mínimo de 6 mm (15). A impedância da VA com respeito ao fluxo depende da área seccional da VA. Quando o fluxo aumenta na inspiração, criando um efeito de vácuo maior e a pressão luminal diminui. Isto reduz a área luminal e aumenta a resistência ao fluxo.
Mantendo um mínimo de via aérea reduziremos a resistência da mesma (16). A colocação de implantes magnéticos na faringe de pacientes apneicos poderia manter uma permeabilidade mínima, corrigindo assim os fenômenos obstrutivos.
A experimentação em modelo animal canino foi usada para demonstrar o conceito de que implantes magnéticos são capazes de manter uma via aérea permeável sob colapso induzido. Estudos em animais caninos estão sendo desenvolvidos para estabelecer a segurança e a tolerância de implantes magnéticos na faringe, assim como suas eventuais complicações e impactos na deglutição, na manutenção do peso, na infecção, extrusão ou migração do implante.
CONCLUSÃO
O tratamento cirúrgico da Síndrome da Apnéia- Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) constitui ainda um desafio para o Otorrinolaringologista.
Diversas técnicas descritas para a correção do colapso faríngeo produzem sucessos variáveis por não envolverem toda a área de obstrução.
Em experiência animal, implantes magnetizados colocados nas paredes laterais da faringe do cão geram forças repelentes criando um verdadeiro “splint”
dinâmico da VA. Este modelo animal comprova que implantes magnetizados podem manter a VA permeável sob colapso simulado.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem aos professores Dr. José Antonio A. de Oliveira e Dr. Lionel Nelson pelo apoio científico recebido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Diretor do Núcleo de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço de São Paulo.
** Médico Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Dr. José Antonio Pinto . Al. dos Nhambiquaras, 159 . São Paulo . SP . 04090-010 . Telefone: (11) 5573-1970 . Email: japorl@uol.com.br
Artigo recebido em 19 de outubro de 2004. Artigo aceito em 26 de novembro de 2004.