Title
Search
All Issues
7
Ano: 2004  Vol. 8   Num. 4  - Out/Dez Print:
Critérios de Seleção e Avaliação Médica e Audiológica dos Candidatos ao Implante Coclear: Protocolo HC-FMUSP.
Medical and Audiological Selection Criteria and Evaluation for Cochlear Implants Candidates: HC-FMUSP Protocol.
Author(s):
Maria Valéria S. Goffi Gomez*, Mariana Cardoso Guedes**, Sandra B. Giorgi Sant.Anna***, Cristina G. Ornelas Peralta****, Robinson Koji Tsuji *****, Arthur Menino Castilho ******, Rubens V. Brito Neto ******, Ricardo Ferreira Bento *******.
Palavras-chave:
implante coclear, protocolo de avaliação.
Resumo:

Introdução: Atualmente, não só os indivíduos com perda de audição profunda bilateral, mas também aqueles com perda de audição severa e profunda bilateral são considerados possíveis candidatos ao implante coclear. Esta abrangência maior levou a um aumento significativo dos possíveis candidatos à cirurgia do implante coclear e, assim, a avaliação audiológica e médica no pré-operatório ganhou maior especificidade e importância. Objetivo: Descrever detalhadamente o protocolo de avaliação pré-operatório da área médica e audiológica utilizado no HC-FMUSP. Conclusão: Os exames realizados pela equipe visam determinar de forma mais precisa possível o indivíduo que irá se beneficiar com o implante coclear, reunindo a maior quantidade de informação sobre o uso efetivo da audição. Acreditamos na importância da padronização dos testes realizados com os poss íveis candidatos ao implante coclear, uma vez que a normatização permite maior desenvolvimento técnico e científico.

INTRODUÇÃO

A perda de audição, independentemente do grau, pode levar a uma série de comprometimentos perceptuais e alterações na fala, prejudicando a comunicação do indivíduo e podendo causar deficiências secundárias envolvendo os aspectos cognitivos, emocionais, sociais e educacionais. Visando minimizar esses comprometimentos, o diagnóstico e a intervenção precoce eficiente, com a indicação e adaptação de próteses auditivas adequadas, bem como o acompanhamento terapêutico especializado, faz-se necessária. Em indivíduos com perda auditiva de grau severo e/ ou profundo, congênitas ou adquiridas na infância, o diagnóstico e intervenção precoces são ainda mais importantes, porque podem possibilitar a aquisição e o desenvolvimento das habilidades auditivas e da linguagem de maneira mais efetiva, diminuindo o impacto da surdez na vida do indivíduo. Entretanto, muitas vezes estes indiví- duos não obtêm, com a prótese auditiva convencional, a amplificação necessária para desenvolver estas habilidades. Neste caso, ele pode ser considerado como possível candidato ao Implante Coclear. Os implantes cocleares tradicionalmente são indicados para os pacientes cuja perda auditiva não permite um ganho funcional suficiente para percepção de fala com as próteses auditivas convencionais (amplificadores).

Dessa forma, pacientes com perda sensorioneural bilateral de grau severo a profundo poderiam obter melhores resultados na percepção sonora com a utilização do implante coclear (1). Na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) as pesquisas com implante coclear iniciaram-se em 1989.

No início era implantado um modelo de implante monocanal, FMUSP-1, desenvolvido em parceria com a Divisão de Bio-Engenharia do HC-FMUSP (2,3). A partir da publicação da portaria 1278 pelo Minist ério da Saúde (4) que regulamentou a indicação do Implante Coclear no Brasil e as Normas para o Credenciamento de Centros e Núcleos para a Indicação e Reabilitação de Implante Coclear, em 20 de Outubro de 1999, se iniciaram as cirurgias com os modelos de implante coclear multicanal. Embora a prática cirúrgica já esteja bem estabelecida para a surdez profunda bilateral, o desenvolvimento tecnológico está permitindo ampliação de sua indicação para indivíduos com surdez severa bilateral ou até mesmo para perda sensorioneural profunda em freqüências agudas, nas quais se introduz o eletrodo somente na espira basal da cóclea, dessa forma é cada vez maior o número de pacientes com resíduos auditivos encaminhados para a avaliação a fim de verificar a possibilidade de colocação do implante coclear. Além disso, por se tratar de uma cirurgia funcional, médicos e pacientes devem estar bastante cientes das possíveis complicações decorrentes do ato cirúrgico propriamente dito ou de procedimentos relacionados (5), fazendo-se necessária uma avaliação e uma orientação bem criteriosa. O Grupo do Implante Coclear do HC-FMUSP conta com uma equipe multidisciplinar formada por médicos otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, psicólogos e uma assistente social.

A história médica e otológica identifica as condições gerais do paciente e tem como objetivos determinar a etiologia da perda auditiva, identificar as características radiológicas da orelha interna e estabelecer se existem condições que impeçam a cirurgia ou a implantação do dispositivo.

O estudo radiológico é definitivo para a eleição da orelha a implantar. A avaliação audiológica tem como objetivos determinar ou confirmar o tipo e grau da perda auditiva e definir por meio de provas de percepção de fala o beneficio obtido com a prótese auditiva convencional.

Seus resultados são determinantes para a indicação da cirurgia do implante coclear e para auxiliar a eleição da orelha a implantar.

É necessário também orientação para que a motivação do paciente e as expectativas da família sejam apropriadas e realistas. A avaliação psicológica tem a finalidade de verificar as reais expectativas da família e do paciente candidato ao implante coclear, orientar sobre os aspectos psico-sociais da audição e avaliar o desenvolvimento emocional e cognitivo do paciente, bem como a sua disponibilidade e motivação para a aprendizagem e se há ou não outros comprometimentos associados à surdez (6,7). Alguns pacientes, bem como suas famílias, são avaliados também pela assistente social, com o objetivo de delinear a situação econômica e social que tem influência nos cuidados e manutenção de todo o equipamento do implante coclear. Com o progresso tecnológico dos implantes cocleares, cada vez mais pacientes com audição residual útil são candidatos em potencial ao implante coclear. Sendo assim, a indicação do implante coclear estendeu-se aos adultos com perdas auditivas severas e crianças com perdas auditivas severa a profunda, aumentando o número de indivíduos com resíduos auditivos na audiometria pré- operatória.

Acredita-se inclusive que o aproveitamento do implante coclear nesses pacientes seja melhor (8-10). Contudo, nem todos os indivíduos com surdez severa a profunda bilateral são candidatos ao Implante Coclear.

Para a realização da cirurgia é necessário determinar se ele realmente é apto a tal procedimento, uma tarefa delicada e que exige o trabalho de uma equipe multidisciplinar, considerando o indivíduo em todos os seus aspectos, desde os critérios médicos e audiológicos até os psicoemocionais, lingüísticos, sociais e culturais (4,8).

Os critérios para a indicação do implante podem variar em diferentes centros, pois estão baseados na experiência e no preparo de cada equipe. Devido à necessidade de constante atualização dos critérios de indicação dos candidatos adultos, adolescentes e crianças, este artigo tem o objetivo de descrever detalhadamente a avaliação pré-operatória médica e fonoaudiológica realizada no HC-FMUSP, discutindo os critérios atualmente adotados pela equipe.

AVALIAÇÃO MÉDICA PRÉ-OPERATÓRIA

A anamnese e a história clínica investigam a causa da surdez e norteiam as possibilidades terapêuticas além do implante coclear. São solicitados os seguintes exames:

 Exames de audição: audiometria tonal e vocal, imitanciometria, audiometria de tronco cerebral (BERA), emissões otoacústicas.

 Exames de imagem: tomografia computadorizada e ressonância magnética tridimensional (3D) com reconstrução e medida da luz coclear. Os exames de imagem são importantes para a determinação das condições da orelha interna e identifica- ção de possíveis anomalias como malformações ou ossificação da cóclea, aspectos muito importantes para determinar, juntamente com os critérios audiológicos, o lado a ser implantado. Além disso, o modelo do implante pode ser decidido a partir da avaliação radiológica, já que cócleas ossificadas requerem aparelhos e técnicas cirúrgicas diferenciadas (11). Após o parecer médico, o paciente apto é encaminhado para a avaliação fonoaudiológica, psicológica e social.

AVALIAÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

O processo de avaliação fonoaudiológica consta de várias etapas:

 Anamnese.

 Avaliação do aproveitamento auditivo e da percepção de fala.

 Avaliação da comunicação, linguagem, fala e voz.

 Avaliação e orientação das expectativas.

 Avaliação da motivação para ouvir e fazer parte do mundo ouvinte. A anamnese enfoca dados relativos à experiência auditiva em cada orelha, reabilitação e tipo de comunicação predominante.

A experiência auditiva supõe que o paciente seja usuário ou tenha feito uso recente e efetivo de prótese auditiva adequada e com tecnologia atual.

A experiência auditiva mínima é imprescindível para todos os candidatos, mesmo para aqueles que referem nenhuma contribuição com a amplificação, considerando-se que ouvir e tirar proveito das pistas auditivas envolve adapta- ção e aprendizado.

Qualquer experiência com pistas acústicas, ainda que de traços supra-segmentais, favorecerá a ativação de vias do sistema auditivo. É de suma importância haver um nível adequado de comunicação, seja por leitura orofacial (LOF) ou por meio de sinais, pois o paciente receberá muitas informa- ções e orientações que precisam ser compreendidas e bem assimiladas. Quando necessário, os pacientes são encaminhados para adequação da adaptação da prótese e/ou da comunica ção antes de prosseguirem o processo de avaliação. O protocolo de avaliação utilizado no HC-FMUSP segue as sugestões do Protocolo Latino Americano para Implantes Cocleares (12).

1. Avaliação de Adultos com surdez de severa a profunda bilateral pós-lingual: Protocolo HC-FMUSP.

A anamnese (Anexo 1) abrange o registro do histórico clínico do paciente, etiologia e data da perda de audição em cada orelha separadamente, resultados dos exames de audição e dos tratamentos realizados anteriormente (indicação e adaptação e uso de prótese auditiva em cada orelha, e terapia fonoaudiológica até então realizada). É realizada audiometria em campo livre em cabine acusticamente tratada, sem e com a prótese auditiva, determinando-se o ganho funcional.

O teste com prótese é realizado com amplificação monoaural, de um lado e de outro, visando determinar as diferenças no aproveitamento auditivo, que influenciará na escolha da orelha a ser implantada. Tanto o ganho funcional como os testes de percep- ção de fala são realizados com a prótese do próprio paciente e com as próteses disponíveis no setor de Fonoaudiologia do Ambulatório de ORL do HC-FMUSP e que sejam compatíveis com a perda de audição apresentada. De acordo com o objetivo da prova aplicada, a forma de apresentação do material de fala pode ser feita:

 Com pista auditiva exclusiva (A): quando somente o canal auditivo estiver sendo avaliado.

 Com pista visual exclusiva (V): para a avaliação da leitura orofacial e familiaridade com o material verbal.

 Com pista auditiva associada à visual (A + V): para a avaliação da contribuição da pista auditiva à pista visual (somente pode ser usada quando o desempenho da pista visual for inferior a 90%). Com relação à dificuldade do teste, a apresentação do material de fala pode ser feita:

 Em apresentação fechada: quando o conteúdo da prova é apresentado ao paciente na forma de alternativas de múltipla escolha.

 Em apresentação aberta: o conteúdo não é mostrado ou conhecido pelo paciente. Segue o protocolo utilizado no Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP e sugerido para a avaliação dos deficientes auditivos adultos com perda pós-lingual:

 Four Choice (Anexo 2): teste em apresentação fechada, em que são apresentadas quatro palavras, retiradas do teste TACAM (13), as quais o paciente deve discriminar com e sem o apoio da LOF.

 Identificação de Sentenças (Anexo 3): lista de senten- ças padronizadas (14) apresentadas em contexto fechado e aberto, nas modalidades auditivo-visual e auditivo. Para o teste em contexto fechado, as senten- ças são apresentadas por escrito.

 Detecção e Discriminação de Vogais (Anexo 4): as vogais são apresentadas na combinação consoante/ vogal/consoante (15) no modo somente auditivo.

 Reconhecimento de Trissílabos (Anexo 5): teste de apresentação aberta, em que uma lista de 25 trissílabos balanceados (16) é apresentada na modalidade auditivo- visual, auditivo e somente visual.

 Reconhecimento de Monossílabos (Anexo 6): lista de monossílabos balanceados (17), apresentada na modalidade auditivo-visual, auditivo e somente visual.

 Fala Encadeada (Speech Tracking) (Anexo 07): leitura, pelo fonoaudiólogo, de um texto que o paciente desconheça; o paciente, somente pela pista visual, deve repetir o que compreender e é então calculado o número de palavras reconhecidas por minuto (18). Recomendamos a realização dos testes de percepção auditiva a 70dB NPS, com materiais gravados em CD sempre que disponíveis. Os testes apresentados com pista visual exclusiva, juntamente com perguntas dirigidas, são utilizados para a avaliação da LOF. Nos pacientes que não apresentam discriminação de fala são avaliados os aspectos supra-segmentais, como tonicidade e duração, através de testes de extensão vocabular e sentenças (Anexo 8).

Para aqueles que não detectam voz os aspectos supra-segmentais são avaliados através de contagem de estímulo com sons instrumentais (Anexo 9).

2. Avaliação de crianças até seis anos com surdez severa a profunda bilateral pré, peri ou pós-lingual: Protocolo HC-FMUSP.

O fator mais importante antes do início do processo de avaliação de uma criança pequena como candidata ao implante coclear é o diagnóstico preciso da perda auditiva. É realizada uma anamnese semelhante à dos pacientes adultos, porém dirigindo atenção especial à reabilitação auditiva previamente realizada (experiência mínima de 06 meses com prótese auditiva, treinamento auditivo e terapia de linguagem). Assim como nos adultos, é feita audiometria em campo livre sem e com prótese (testando-se as orelhas separadamente) e testes de percepção de fala com amplifica ção monoaural de um lado e de outro.

Da mesma forma, recomendamos a realização dos testes a uma intensidade de 70dB NPS. O protocolo utilizado pelo Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP para a avaliação de crianças compreende:

 Avaliação Instrumental: realizada com e sem amplifica ção sonora.

 Reação à Voz e Detecção do Nome.

 Detecção / Discriminação dos Sons do Ling (19) (Anexo 10)

 Escala de Integração Auditiva Significativa: MAIS (Meaningful auditory integration scale) (20, 21) (Anexo 11) ou Escala de Integração Auditiva Significativa para Crianças Pequenas: IT-MAIS (Infant-toddler meaningful auditory integration scale) (22) (Anexo 12). São roteiros de entrevista com os pais que abordam informações relativas à freqüência com que a criança demonstra comportamentos auditivos significativos no seu dia a dia.

 Questionário de Avaliação da Linguagem Oral: MUSS (Meaningful use of speech scales) (23) (Anexo 13). Roteiro de entrevista com os pais que aborda informa- ções relativas à freqüência com que a criança demonstra comportamentos de linguagem oral significativos no seu dia a dia.

 Teste de Avaliação da Capacidade Auditiva Mínima: TACAM (11) (Anexo 14), adaptado do Early Speech Perception Test (ESP) (24,25).

 Identificação e Discriminação de Vogais.

 Reconhecimento de palavras em apresentação auditivo e visual e somente auditivo (14,26) (Anexo 15).

 Identificação de sentenças com ou sem apoio de figura (criadas pela equipe de implante coclear do HC-FMUSP, não publicadas) (Anexo 16).

 A LOF é avaliada por meio de atividades lúdicas direcionadas, ordens simples e, baseando-se no teste Evaluacion Cualitativa de Lectura Labial (27), através do reconhecimento de vogais, palavras e sentenças simples.

 Avaliação de aspectos supra-segmentais (duração, freq üência e amplitude): contagem de estímulo com sons instrumentais, palavras de extensão diferentes; identificação de sons de fala contínuos e intermitentes, diferenciação entre instrumentos.

3. Avaliação de crianças acima de seis anos e adolescentes com surdez severamente profunda a profunda bilateral pré, peri ou pós-lingual.

O material utilizado para avaliação destes casos depende diretamente do desenvolvimento auditivo e de linguagem oral de cada paciente. Para as crianças acima de seis anos utiliza-se o mesmo protocolo das crianças pequenas, dando-se maior ênfase para a avaliação de frases e ordens simples.

Para os adolescentes é feita uma adaptação do protocolo dos adultos utilizando as sentenças em contexto fechado quando necessário. Para que crianças maiores de seis anos e adolescentes sejam considerados candidatos ao implante coclear, é imprescindível que tenham feito terapia fonoaudiológica e utilizado prótese auditiva desde o diagnóstico da surdez. Para os adolescentes é preciso também que tenham código lingüístico estabelecido e estejam conscientemente motivados ao implante.

PREPARAÇÃO DO CANDIDATO E DA FAMÍLIA

É de grande importância a orientação sobre o funcionamento do aparelho e a colocação dos benefícios e limitações do Implante (28). Sempre que necessário, o paciente e sua família são apresentados a outras pessoas já implantadas e suas famílias para que entre eles discutam suas dúvidas e vivenciem conquistas. Além de motivado e compreendendo o que é o implante coclear, é necessário conhecer o que o candidato espera do implante. É aplicado, com o paciente adulto e um membro da família (no caso de crianças com os pais) um questionário enfocando as expectativas quanto aos resultados com implante coclear. Essas respostas são exaustivamente discutidas durante o processo de avaliação fonoaudiológica (Anexo 17).

Os resultados do PERFIL IC (Patrón Especial de Referencias para Facilitar la Indicación de Los Implantes Cocleares) (Anexo 18) contribuem para estabelecer um prognóstico global do caso, permitindo trabalhar expectativas mais realistas.

O PERFIL IC apresenta uma forma de reunir as características do candidato nas áreas médica, audiológica e psicopedagógica, e pontuá-las para auxiliar a visualização do quadro (29,30). Os dados a respeito da disponibilidade de reabilita- ção formal, com abordagem auditiva e oral, são fundamentais. Crianças envolvidas em programas com linguagem de sinais formal podem ser candidatas ao implante coclear, desde que haja disponibilidade para a transição progressiva de abordagem terapêutica e tenham sido estimuladas auditivamente (com uso efetivo de prótese auditiva associada) e treino de LOF. Durante todo o processo de avaliação, tanto do adulto como da criança, é fundamental o contato com o fonoaudiólogo que o está acompanhando e que irá reabilitar o paciente após o implante.

Além da obtenção de dados evolutivos e de aproveitamento real do uso da prótese, a adesão ao processo de reabilitação é imprescindível.

INDICAÇÕES

Do ponto de vista audiológico, o adulto com surdez pós-lingual é candidato ao implante coclear quando apresenta 40% ou menos de reconhecimento de sentenças com o uso do aparelho auditivo, sem LOF, em apresentação aberta, sendo que o aproveitamento auditivo de cada paciente é avaliado levando-se em consideração todos os demais testes.

Nos casos em que a perda auditiva foi desenvolvida por meningite, o implante está indicado quando a percepção auditiva da fala com amplificação for inferior a 20%. Para os candidatos com perda severa à profunda pré-lingual, sejam adultos ou adolescentes, além do desempenho pobre com a prótese auditiva, são analisados em conjunto todos os testes, tipos de comunicação, motiva ção, adesão ao tratamento fonoaudiológico e interesse em participar do mundo sonoro. A criança candidata ao implante coclear que pode ser submetida a uma avaliação formal da contribuição da amplificação é aquela que pode ser classificada nas categorias 0, 1, 2 e 3 de GEERS (25) ou menos de 30% de percepção de palavras.

Para crianças menores, a falta de desenvolvimento de habilidades auditivas com estimulação e amplifica ção adequadas associada aos resultados do IT-MAIS (quando com valores iguais ou inferiores a 18 pontos), são suficientes para a indicação.

LADO A SER IMPLANTADO

Quando o aspecto radiológico e as condições médicas e etiológicas forem semelhantes, os critérios audiológicos para a escolha do lado a ser implantado podem ser aplicados. Nos casos em que ambas as orelhas apresentarem resíduos auditivos úteis geralmente será indicado implante para a pior orelha.

Nos casos em que ambas as orelhas apresentarem desempenho pobre será indicado o implante para a melhor orelha, a mais estimulada com uso de amplificação ou aquela com perda auditiva mais recente.


































DISCUSSÃO

No que se refere à avaliação médica, o aspecto mais relevante é a condição anatômica da cóclea, que pode dificultar e até impedir a colocação do feixe de eletrodos (3,11,28).

Em decorrência deste fato, todos os pacientes realizam o exame de ressonância magnética 3D. A avaliação da percepção de fala, por sua vez, é uma importante etapa da avaliação pré-operatória, pois identifica qual o benefício da amplificação sonora para a comunica ção (31).

A prática clínica mostra que indivíduos com o mesmo ganho funcional podem usar de maneira diferente as informações acústicas fornecidas pela prótese auditiva. Além disso, indivíduos que, com a prótese auditiva, alcançam níveis de reconhecimento de fala superior à média alcançada pelos atuais usuários de Implante Coclear não são considerados candidatos (10). Alguns pacientes não têm resíduos auditivos suficientes para a realização dos testes de percepção de fala, não detectando inclusive a voz.

Nesses casos é realizada a audiometria em campo livre e a avaliação de traços suprasegmentais (como discriminação de padrões longo x curto, contínuo x interrompido, contagem de estímulo e ritmo) com sons instrumentais (31). A evolução dos critérios de indicação do implante coclear se deve não somente à tecnologia em constante desenvolvimento, mas aos resultados alcançados com os pacientes implantados. FRAYSSE et al. (1998) (32) adotavam como critério de indicação do implante apenas benefícios marginais com a amplificação.

Ao encontrarem 95% dos seus pacientes implantados apresentando percep ção de fala com o implante superior a 60% de percepção de sentenças em contexto aberto, consideraram justificável a extensão do critério de seleção para adultos com 30% de reconhecimento de fala com amplificação. Atualmente, é possível acreditar que um número maior de indivíduos se beneficiará do implante coclear, considerando que a média da percepção auditiva de sentenças em apresentação aberta para os adultos após o implante estão em torno de 75% (33) e que mais de 60% das crianças implantadas até os 05 anos de idade alcançam mais de 50% de reconhecimento em contexto aberto após 05 anos de uso do implante (34).

Em nossa casuística com 70 adultos usuários de implante coclear por mais de um ano, obtivemos uma média de 68% de percepção de sentenças em apresentação aberta para os pacientes implantados com Nucleus 22 e uma média de 77% de percepção de sentenças para os pacientes implantados com Nucleus 24 (35).

Entretanto, quando se consideram os casos de surdez após meningite, esse índice de percepção de fala cai para uma média de 35% após 06 meses de uso do implante (dados coletados pelo grupo de implante coclear do HC-FMUSP, não publicados). BREDBERG et al. (2003) (36) observaram em uma casuística de 21 casos, que existe uma grande variação de percep- ção de fala entre os indivíduos com cóclea ossificada.

Os autores encontraram percepção de fala para sentenças entre zero e 60% nos primeiros 06 meses de uso do implante, e entre zero e 86% após 18 meses de uso do implante. Sobretudo no caso das crianças, a família precisa estar consciente da necessidade da reabilitação fonoaudiológica pós-operatória, sendo que a cirurgia só é realizada depois que este atendimento é iniciado. Na fase pré-operatória, mesmo crianças muito pequenas devem estar familiarizadas com estratégias de condicionamento e resposta a estímulos, sobretudo auditivos.

Isso auxiliará não somente a programação do processador de fala após a cirurgia, mas garante a atenção ao som e a percepção de que se espera uma resposta a cada estímulo dado. O fato de a criança estar condicionada seja por meio de encaixes, de tarefas de procura da fonte sonora ou de olhar ao ser chamada pelo nome é, em termos gerais, a base da comunicação. E isso pode ser feito antes da cirurgia, mesmo com pista visual. DETTMAN et al. (2004) (9) apontaram como variáveis que levam ao melhor aproveitamento do implante: a menor idade à implantação, menor duração da perda auditiva, maior audição residual pré-implante, uso de tecnologia atual de processamento de fala e modo de comunicação enfatizando a abordagem aural/oral. O PERFIL IC (29) apontou como candidatos de bom prognóstico pacientes que atinjam entre 80 e 100 pontos. DOWELL et al. (2004) (10) comentaram que é necessário saber qual será o resultado para os diferentes categorias de pacientes, para poder orientar e permitir que os pacientes e as famílias tomem decisões informadas e conscientes das possibilidades. Entre os fatores prognósticos estão: a idade do paciente quando apresentou a perda auditiva, o tempo transcorrido desde a perda até o implante, a etiologia, a idade do paciente na data do implante, o tipo de comunica ção e de reabilitação, e o envolvimento familiar. GEERS (2004) (37), estudando 181 crianças implantadas antes dos 05 anos de idade, encontrou que a correlação entre a idade e a duração da surdez não alcançaram níveis de significância estatística com as habilidades auditivas pósimplante. Entretanto, 43% de crianças implantadas aos 02 anos de idade alcançaram habilidades auditivas e de linguagem comparáveis aos seus pares ouvintes em relação a 16% das crianças implantadas aos 04 anos de idade.

Por outro lado, a implantação precoce não é uma garantia de bons resultados auditivos e de linguagem. QUARANTA et al. (2004) (38) consideraram que os adolescentes e adultos com surdez pré-lingual inicialmente não eram considerados candidatos ao implante coclear pelo longo tempo de duração da perda e a natureza e pequena experiência auditiva.

Entretanto, os autores mostraram estudos recentes que, apesar da grande variabilidade de resultados nesses casos, comprovam a obtenção de percepção auditiva em formato aberto considerável nessa população.

O grupo de adolescentes com perda pré e perilingual é, portanto, o grupo mais difícil para determinar se o implante é ou não indicado do ponto de vista audiológico. Para este grupo, além de qualquer resultado na avaliação, a consciência sobre o prognóstico pós-implante pelo paciente e pela família é fundamental para um bom resultado. Os adultos com perda auditiva pré-lingual geralmente não são considerados bons candidatos ao implante coclear, principalmente se não usarem uma comunicação aural/oral (39).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este protocolo foi desenvolvido para reunir o maior número de informações possíveis e necessárias para selecionar o candidato ao implante coclear adequadamente. Acreditamos na importância da padronização dos métodos de avaliação do indivíduo surdo e dos critérios de seleção dos candidatos ao implante para uma melhor caracterização dos pacientes tanto no pré como no pósoperat ório, bem como do seu aproveitamento. A normatização desses critérios também possibilita o desenvolvimento técnico-científico na área, inclusive auxiliando a traçar um perfil da população brasileira que utiliza este recurso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Costa Fº AO, Bevilacqua MC, Moret ALM. Critérios de seleção de crianças candidatas ao implante coclear do hospital de pesquisa e reabilitação de lesões lábios-palatais - USP. Rev. Bras. ORL, 62(4): 306-313, 1996.
2. Bento RF, Miniti A, Lerner A, Sanchez TG, Oshiro MS, Campos MI et al. O implante coclear FMUSP-1: apresentação de um programa brasileiro e seus resultados preliminares. Rev. Bras. ORL, 60 (Suplemento 1), 1994.
3. Bento RF, Sanchez TG, Brito Neto RV O. Implante Coclear FMUSP 1. Técnica Cirúrgica. Arq. Otorrinolaringol., 1(3): 80-83, 1997
4. Brasil. Portaria do Ministério da Saúde No. 1.278, de 20 de outubro de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, n. 202,21 out. 1999.
5. Bento RF, Brito Neto RV, Sanchez TG. Complicações da cirurgia do implante coclear. Arq. Otorrinolaringol 5(3), 2001.
6. Kutz W, Wright C, Krull KR, Manolidis S. Neuropsychological testing in the screening for cochlear implant candidacy. Laryngoscope, 113(4): 763-6, 2003.
7. Zenari CP, Moretto MLT, Nasralla HR, Gavião ACD, de Lucia MCS, Bento RF, Miniti A. Aspectos Psicológicos de indivíduos portadores de surdez profunda bilateral candidates ao implante coclear. Arq Otorrinolaringol 8(2):142-148, 2004.
8. Parra VM, Soares TCB, Iorio MCM, Chiari BM. Implante Coclear: protocolo/síntese pré-operatório e caracterização da população encaminhada. Pró-fono, 13 (1):30-36, 2001.
9. Dettman SJ, D´Costa WA, Dowell RC, Winton EJ, Hill KL, Williams S. Cochlear Implants for children with significant residual hearing. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 130 (May): 612-618, 2004.
10. Dowell RC, Hollow R, Winton E. Outcomes for Cochlear Implants users with significant residual hearing. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 130 (May): 575-581, 2004.
11. Bento RF, Brito Neto RV, Sanchez TG, Castilho AM. Técnica cirúrgica para implante coclear. Arq. Otorrinolaringol. 6(2), 2002.
12. Protocolo Latino Americano para Implantes Cocleares. Elaborado pelo Grupo de Pesquisas Latino-americano. Cochlear Américas, 2003.
13. Orlandi ACL, Bevilacqua MC. Deficiência auditiva profunda nos primeiros anos de vida: procedimento para a avaliação da percepção de fala. Pró-fono, 10(2): 87-91,1998.
14. Costa MJ, Iorio MCM, Mangabeira-Albernaz PL. Desenvolvimento de um teste para avaliar a habilidade de reconhecer a fala no silêncio e no ruído. Pró-fono, 12(2): 09-16, 2000.
15. Behlau MS, Pontes PAL, Ganança MM, Tosi O. Análise espectrográfica de formantes das vogais do português brasileiro. Acta AWHO, 7(2): 74-85, 1988.
16. Harris R, Goffi MVS, Pedalini MEB, Gygi MA, Merrill A. Palavras trissilábicas psicometricamente equivalentes faladas por indivíduos do sexo feminino e masculino. Pró-fono, 13(1): 37-53, 2001.
17. Pen MG, Mangabeira-Albernaz PL. Lista de monossílabos para discriminação vocal. In: Mangabeira-Albernaz PL, Ganança MM (ed.). Surdez Neuro-sensorial. São Paulo: Editora Moderna; 1976.
18. De Filippo CL, Scott BL. A method for training and evaluating the reception of ongoing speech. J Acoust Soc Am, 63(4): 1186-92, 1978.
19. Ling D. Foundation of spoken language for hearingimpaired children. Washington: Alexandre Grahm Bell, Association for the Deaf, 1989.
20. Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Escala de integração auditiva significativa: procedimento adaptado para a avaliação da percepção da fala. Rev Soc Brasileira de Fonoaudiologia, 6: 51-60, 2000.
21. Robbins AM, Renshaw JJ, Berry SW. Evaluating meaningful auditory integration in profoundly hearing-impaired children. Am J Otol, 12 (Suppl): 144-50, 1991.
22. Castiquini, EAT. Escala de integração auditiva significativa: procedimento adaptado para a avaliação da percepção da fala [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 1998. Adaptado de: Zimmerman-Phillips S; Osberger MJ; Robbins AM. Infant-Toddler: Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS). Sylmar, Advanced Bionics Corporation, 1997.
23. Nascimento, LT. Uma proposta de avaliação da linguagem oral [monografia]. Bauru: Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões lábio-Palatais, 1997. Adaptado de: Robbins AM, Osberger MJ. Meaningful use of speech scales. Indianápolis: University of Indiana School of Medicine, 1990. Arq. Otorrinolaringol., São Paulo, v.8, n.4, p. 303-323, 2004. Gomez MVSG 323 Gomez MVSG
24. Moog JS, Geers AE. Early Speech Perception Test for Profoundly Hearing-impaired Children. St. Louis: Central Institute of Deaf; 1990;
25. Geers, AE. Techniques for assessing auditory speech perception and lipreading enhancement in young deaf children. In Geers A.E., Moog J.S. Volta Rewiew, 96: 85-96, 1994.
26. Delgado EMC, Bevilacqua MC. Lista de Palavras como Procedimento de Avaliação da Percepção dos Sons de Fala para Crianças Deficientes Auditivas. Pró-fono, 11: 59-64, 1999.
27. Garrido M, Matti M, Sanford D. Evaluacion cualitativa de lectura labial. 5Protocolo Latino Americano, 2001.
28. Bento RF, Sanchez TG, Brito RV. Critérios de indicação de implante coclear. Arq. Otorrinolaringol, 1(2): 66-7, 1997.
29. Berrruecos P. Towards a better cochlear implant candidates selection in Latin American Countries. XXV International Congress of Audiology (Abstract Book). The Hague. 27-31 August, 2000.
30. Peralta CGO, Nasralla H, Guedes MC, Sant.Anna SBG, Gomez MVSG, Bento RF, Berruecos P. Relacion entre el Valor del Perfil IC para Evaluar Candidatos al Implante Coclear i sus Posibilidades como Instrumento Predictivo. Anais do I Congresso Latino . Americano de Implante Coclear Pediátrico, Bueno Aires . Argentina, maio de 2002.
31. Goffi Gomez MVS. Programa de reabilitação fonoaudiológica no projeto implante coclear FMUSP -1. Arq. Otorrinolaringol 1(4): 134-7, 1997.
32. Fraysse B, Dillier N, Klenzner T, Laszig R, Manrique M, Morera Perez C, Morgon Ah, Müller-Deile J, Ramos Macias A. Cochlear implants for adults obtaining marginal benefit from acoustic amplification. A European Study. Am J Otol, 19: 591-597, 1998.
33. Francis HW, Chee N, Yeagle J, Cheng A, Niparko JK. Impact of Cochlear Implants on the functional health status of older adults. Laryngoscope, 112(8): 1482-88, August 2002.
34. Geers A, Brenner C, Davidson L. Factors associated with development of Speech perception skills in children implanted by age five. Ear Hear, 24(1):24S-35S, 2003.
35. Bento RF, Brito Neto RV, Castilho AM, Goffi Gomez MVS, Sant.anna SBG, Guedes MC. Resultados auditivos com implante coclear multicanal em pacientes submetidos à cirurgia no Hospital das Clínicas da FMUSP. Rev Bras de Otorrinolaringologia, 70(5) 632-634, 2004.
36. Bredberg G, Lindström B, Baumgartner WD, Farhadi M, Goldberg T, Gstöttner W, Pillsbury H, Skarzynski H, Sorri M, van de Heyning P, Zaghis A, Graham J, Williams G, D´Haese P. Open-set speech perception in adult cochlear implant users with ossified cochleae. Cochlear Implants International 4(2): 55-72, 2003.
37. Geers AE. Speech, Language and Reading Skills after early cochlear. Ear Hear, 24(1): 24S-35S, 2003.
38. Quaranta N, Bartoli R, Quaranta A. Cochlear Implants: indications in groups of patients with borderline indications, a review. Acta Otolaryngol (suppl) 552: 68-73, 2004.
39. Kirk KI. Cochlear implants. new developments and results. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg,8: 415-420,2000.

* Fonoaudióloga Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação pela UNIFESP-EPM.
** Especialista em Audiologia pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de SP.
*** Fonoaudióloga Mestre em Fisiopatologia Experimental pelo HC-FMUSP.
**** Fonoaudióloga Mestre em Fonoaudiologia pela PUC-SP.
***** Médico em Estágio de Complementação Especializada em Otologia e Cirurgia de Base de Crânio da Divisão de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
****** Médico Assistente da Divisão de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
******* Professor Associado da Disciplina de ORL da FMUSP.

Trabalho realizado no Grupo de Implante Coclear do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Maria Valéria S. Goffi Gomez . Rua Teodoro Sampaio, 417 . 5º andar, cj. 52 . Telefax: (11) 3898-2210 E-mail: forl@forl.org.br
Artigo recebido em 16 de setembro de 2004. Artigo aceito em 17 de outubro de 2004.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024