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Ano: 2005  Vol. 9   Num. 2  - Abr/Jun Print:
Original Article
Reativação do Olfato em Laringectomizados Totais
Olfaction Reactivation After Total Laryngectomy
Author(s):
Maria Lúcia Cleto*, Lívia Maria Pedalini**, João Ferreira de Mello Júnior***.
Palavras-chave:
laringectomia total, anosmia, olfato, voz esofageana.
Resumo:

Introdução: Após a laringectomia total, a corrente aérea nasal é transferida definitivamente para o traqueostoma, causando a perda da acuidade olfatória e produzindo a anosmia. Objetivo: O objetivo de nosso trabalho foi comprovar a possibilidade da reativação do olfato em laringectomizados totais. Método: Este foi um estudo prospectivo, onde se avaliou a olfação de 12 pacientes laringectomizados totais (10 do sexo masculino e 2 do sexo feminino) com idades entre 45 e 72 anos (média de 58.5 anos), todos com voz esofageana. Como grupo controle, foram avaliados 12 sujeitos sem queixas nasais, não fumantes. Os pacientes foram orientados a criar uma pressão negativa na cavidade oral e transmiti-la à rinofaringe e fossas nasais formando assim, um fluxo aéreo para o interior da cavidade. Bem próximo às narinas eram colocados aromas variados excetuando-se voláteis, nas formas líquida, desidratada e sólida. Resultados: A apresentação na forma líquida foi a que apresentou maior índice de detecção e identificação. Os pacientes do grupo controle apresentaram um índice de detecção maior que 50% dos aromas. Nenhum paciente laringectomizado foi capaz de detectar mais de 75%, sendo que 2 pacientes não detectaram nenhum aroma. Conclusão: Através de uma manobra simples de ser realizada, verificamos a possibilidade da reativação do olfato em laringectomizados totais.

INTRODUÇÃO

Pacientes laringectomizados totais apresentam, além da ausência de voz, a perda do olfato em decorrência da interrupção do fluxo aéreo nasal. A anosmia do laringectomizado descrita por HENKIN e HOYE, (1968), é conseqüência do comprometimento da chegada das moléculas odoríferas à área olfativa pelo desvio do fluxo aéreo para o traqueostoma, embora a mesma e suas vias estejam preservadas (1). Segundo WELGE-LUESSEN e KOBAL (1999), o fato ocorre devido à perda da habilidade de aspirar o ar (2) e, de acordo com KHAROUBI (2001), essa alteração ocorre pela completa desconexão do nariz, boca e faringe com traquéia e pulmões (3). Tentativas para “cheirar” da forma convencional provocarão movimentos anômalos orofaciais e maxilares, mas o ar continuará entrando somente pelo traqueostoma (4). Reativar a olfação desses pacientes visa a sua segurança contra prejuízos e riscos que possam ser causados pela não percepção de cheiros como o de gás escapando, de ferro de passar esquecido ligado, de alimentos esquecidos no fogo ou deteriorados. Por outro lado, propicia também a possibilidade de sentir aromas prazerosos. O objetivo deste estudo é avaliar a possibilidade de reativação do olfato nos pacientes laringectomizados totais, visando oferecer ao laringectomizado uma melhor qualidade de vida.

MATERIAL E MÉTODO

Este é um estudo piloto prospectivo que foi desenvolvido na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com projeto de pesquisa previamente aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) do Hospital das Clínicas (protocolo 405/03), bem como o respectivo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de inclusão foram pacientes laringectomizados totais reabilitados com voz esofageana, que se dispusessem a realizar o estudo, assinando Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de exclusão foram a presença de qualquer anormalidade anatômica, funcional ou inflamatória das fossas nasais. A amostra foi composta por 12 pacientes, 10 do sexo masculino (idades entre 45 e 72 anos, média de 58,5 anos) e 2 do sexo feminino (idades de 47 e 65 anos, média de 56 anos).

Integrou também a casuística, um grupo-controle com 10 sujeitos do sexo masculino (idades entre 41 e 63 anos, média de 56 anos) e 2 do sexo feminino (47 e 65 anos, média de 56 anos), todos não fumantes e sem doenças clínicas de vias aéreas. Previamente ao início da pesquisa, todos os pacientes foram submetidos a exame naso-fibroscópico, para avaliação do calibre das fossas nasais, aspecto da mucosa, desvios de septo existentes, presença e tipo de secreções, bem como seqüelas de traumas. Foi utilizado como modelo o método proposto por LE HUCHE (1964), que consiste na criação de uma pressão negativa na cavidade oral que, sendo transmitida à rinofaringe e às fossas nasais, causa a entrada de pequena quantidade de ar no nariz e permite que as moléculas odoríferas atinjam a área olfatória, através de duas manobras (5).

Em ambas há necessidade do correto posicionamento dos lábios fechados sem esforço, língua em repouso no assoalho da boca, seguidos da projeção mandibular para baixo e retornando à posição inicial de forma rítmica. No momento da projeção da mandíbula para baixo, deve ser executada a aspiração de veículo aromático colocado pelo examinador junto a uma das narinas e ali mantido por ele para a obtenção do resultado pretendido (Figura 1). A outra forma, semelhante à anterior, é acrescida de um rápido e leve pinçamento da ponta do nariz pelo próprio paciente com os dedos polegar e indicador quando do afastamento dos maxilares, o que provocará uma entrada mais brusca de ar pelo nariz em direção à parte posterior da boca liberado no momento da aspiração. Assim, estando a boca fechada, o ar entrará pelo nariz a cada movimento de separação dos maxilares, sendo que a boca executará o papel de bomba que aspirará e liberará o ar pela parte posterior do nariz. A primeira forma foi a escolhida de comum acordo com os pacientes, por ser de execução mais simples e também atingir a finalidade proposta. Uma vez automatizados os movimentos, procedeu- se a um treinamento prévio à apresentação dos aromas, executado com o auxílio de uma bureta contendo água um pouco acima da metade de sua capacidade e uma sonda de silicone nº 18, introduzida na mesma por uma de suas extremidades enquanto que a outra, com um adaptador rijo, era colocada na entrada de uma das narinas com a finalidade de provocar movimentação do líquido, indicando haver pressão negativa no momento da execução da manobra (Figura 1).

Na apresentação dos aromas propriamente ditos, essa pressão negativa permitirá a sua penetração na cavidade nasal, possibilitando a percepção do aroma e a alternância das narinas. Como observação importante, o uso de luvas de plástico pelo examinador evitará a interferência de aromas outros que possam estar contidos em suas mãos. Os aromas utilizados, excluídos os voláteis ou contendo substâncias que pudessem irritar a mucosa nasal, foram selecionados dentre os mais comuns em nosso país, para facilitar a sua identificação, sendo apresentados nas formas líquida, desidratada e sólida:

1) Forma líquida: abacaxi, alho, anis, banana, baunilha, cacau, cânfora, cebola, erva cidreira, hortelã, jasmim, limão, maçã verde, manga, maracujá, mexerica, óleo de cravo e controle (água pura).

2) Forma desidratada: alecrim, arruda, café em grão, canela em pó, cravo da Índia, eucalipto, louro, orégano.

3) Forma sólida: pequenas frutas de madeira previamente embebidas em líquidos contendo aromas de abacaxi, maçã, laranja e morango.

As formas líquidas foram apresentadas em frascos escuros de 10 ml e em frascos claros de 100 ml com tampa de borracha contendo 2 sondas nº 18, com adaptador de plástico rijo em uma delas e uma seringa de 50 cc na outra (6) (Figuras 2 e 3). As formas desidratadas foram acondicionadas em pequenos sacos medindo 10x15cm, feitos com tecido do tipo TNT, material bastante semelhante ao de guardanapos de papel de boa qualidade, lisos e fechados com amarrilho na parte superior para impedir a visualização prévia de seu conteúdo pelo paciente. As formas sólidas foram apresentadas em pequenas peças esculpidas em madeira representando as frutas escolhidas, previamente embebidas no aroma correspondente à cada uma e somente apresentadas para a testagem após estarem completamente secas. Dois pequenos sabonetes com aromas diferentes (floral e cítrico) também faziam parte da mostra. (CLETO, 2002) (7). Independentemente do número de aromas selecionados para a testagem, somente três deles eram utilizados a cada treinamento, alternando as narinas e observando-se um intervalo de 10 segundos entre cada apresentação, para evitar saturação.

A análise dos dados foi feita de maneira descritiva por ser um estudo piloto com amostra pequena.

RESULTADOS

As Tabelas 1 e 2 mostram quantos aromas foram detectados e identificados nos grupos de pacientes laringectomizados e controle. Para uma avaliação global dos resultados e compara ção entre os mesmos, dividimos os pacientes em 4 grupos segundo a porcentagem de aromas detectados (Figura 4). Todos os pacientes do grupo controle apresentaram um índice de detecção maior que 50% dos odores, ao passo que no grupo de laringectomizados nenhum foi capaz de detectar mais de 75%. Além disto 2 pacientes não foram capazes de detectar nenhum aroma. Quanto à forma de apresentação dos mesmos, observamos os seguintes resultados:

Grupo laringectomizados:

• Detectados e identificados: 26% dos aromas líquidos, 11% dos desidratados e 3% dos sólidos.
• Somente detectados, mas não identificados: 20% dentre todas as formas.
• Não detectados: 40% dentre todas as formas.

Grupo controle:

• Detectados: 100% de todas as formas.
• Somente detectados, mas não identificados: 20% dos líquidos, 9% dos desidratados e 6% dos sólidos.


Figura 1. Equipamento para treinamento inicial da manobra (com água).


Figura 2. Equipamento para a realização da manobra (com aromas).


Figura 3. Outro tipo de equipamento para a realização da manobra (com aromas).








DISCUSSÃO

Após a laringectomia, devido à modificação do trajeto da corrente aérea, resta ao paciente a anosmia definitiva ou a discreta olfação, muito embora tal distúrbio possa ser referido por pessoas que sofreram traumas cranianos que comprometeram esse órgão. Dois de nossos pacientes não foram capazes de detectar nenhum aroma.

Henkin e cols afirmam que a interferência da cirurgia nos nervos sensoriais da laringe quando da sua remoção, pode alterar a acuidade olfativa, por interferir no sistema de projeção anatômico difuso da faringe e/ou laringe com o bulbo olfatório, sistema esse que nunca foi anatomicamente constatado (1). RITTER (1963), de início, indicou haver sensibilidade olfatória em laringectomizados, mas opiniões posteriores em trabalhos de HENKIN e cols.(1968), HOYE apud MOORE-GILLON (1985) e HENKIN e LARSON (1972) (1,4,8) verificaram que a olfação através do epitélio olfatório e I par craniano ficam completamente abolidos e que qualquer resíduo de sensibilidade a tais estímulos ocorrem pelas áreas acessórias da olfação, presentes na parede lateral nasal e orofaringe, supridas então pelo V, IX e X pares cranianos, sugerindo ainda a existência de conexões anatômicas entre os nervos laríngeos e a córtex (4). RITTER e ARBOR (1964) desenvolveram estudos verificando que as alterações da mucosa nasal tanto na mudança da coloração rósea para violácea ou pálida era devida à ausência do fluxo aéreo (6). Para MOORE-GILLON (1985), nesta maneira de “cheirar ”, a rápida alteração no volume do interior orofaríngeo infla o ar para dentro das fossas nasais causando um estímulo odorífero à mucosa olfatória e a associação com a habilidade para identificar os aromas, leva a uma olfação artificial (8). HILGERS e cols.

(1996) (9), assim como LE HUCHE (5), mostraram ser possível produzir fluxo aéreo nasal através da manobra por eles denominada de “polite yawning”, aumentando o volume da corrente aérea na cavidade oral e orofaringe através de movimentos da mandíbula, assoalho da boca, língua, base da língua e palato mole, com os lábios fechados, quando então uma pressão negativa é produzida, permitindo a penetração de moléculas odoríferas no epitélio olfatório. A extrema facilidade para automatização das manobras despertou nos pacientes um grande interesse, muito embora nem todos tenham conseguido atingir a meta proposta.

Por outro lado, curiosamente, alguns dos sujeitos do grupo-controle embora com capacidade total de detecção dos aromas, apresentaram ausência de identificação dos mesmos, seja confundindo, distorcendo ou mesmo errando a sua nomeação. Pudemos observar também não ter havido preju- ízo nos resultados positivos de alguns dos pacientes com idades mais avançadas ou com tempos cirúrgicos mais antigos, em relação aos com menos idade ou com menor tempo de cirurgia. Em nosso trabalho, procuramos incluir vários aromas, diversificando-os nas formas líquida, desidratada e sólida para verificar a maior facilidade na detecção e identificação ou somente na detecção dos mesmos nas diferentes formas, conduta essa que poderá oferecer maior facilidade para a obtenção da meta pretendida, através de uma gama maior de aromas.

Pudemos observar que a forma líquida foi aquela em os pacientes obtiveram maior número de aromas detectados e identificados e que a maioria deles achou o treinamento bom, fácil e necessário de continuidade.

CONCLUSÃO

Considerando-se que é possível recuperar a fala após a laringectomia total de forma fisiológica através do esôfago, também é possível reativar a olfação sem riscos ou ônus para os pacientes. Isso permite o retorno de importante sinal de alerta pela possibilidade de detectar cheiros que possam comprometê-lo e também favorece a percepção de aromas prazerosos, propiciando melhor qualidade de vida e completando de forma harmoniosa a sua reabilitação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Henkin R, Hoye R, Ketcham AS, Gould WJ. Hyposmia following laryngectomy. Lancet, 2(7566):479-81, 1968.
2. Welge-Luessen A, Kobal G, Wolfensberger M. Assessing olfactory function in laryngectomees using the Sniffin.sticks test battery and chemosensory evoked potentials. Laryngoscope, 110:303-7, 2000.
3. Kharoubi S. Troubles de l.odorat. Rev Laryngol Otol Rhinol, 122(1):43-9, 2001.
4. Henkin RI, Larson AL. On the mechanism of hyposmia following laryngectomy in man. Laryngoscope, 82(5):836-43, 1972.
5. Le Huche F. La voix sans larynx Cap.II. Paris, Maloine, 1974. p. 44-7, 1974.
6. Ritter FN, Arbor A. Fate of olfaction after laringectomy. Arch Otolaryngol, 79:169-71, 1963. Cleto ML Arq. Otorrinolaringol., São Paulo, v.9, n.2, p. 102-107, 2005. 107
7. Cleto ML. Viabilidade da reativação do olfato em laringectomizados totais. Trabalho apresentado no III Congresso Brasileiro de ORL da USP, São Paulo, 2003.
8. Moore-Gillon V. The nose after laryngectomy. J R Soc Med, 78(6):435-9, 1985.
9. Hilgers FJ, Jansen HA, Van As CH, Polak MF, Muller MJ, Van Dam FS. Long-term results of olfaction rehabilitation using the nasal airflow-inducing (polite yawning) maneuver after total laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 128(6):648-54, 2002.
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