INTRODUÇÃOA orelha contralateral na otite média crônica colesteatomatosa (OMCC) parece ser pouco estudada, uma vez que encontramos poucos trabalhos na literatura mundial sobre o assunto. Os estudos epidemiológicos são raros e uma apreciação da freqüência do colesteatoma é difícil. O risco de desenvolver um colesteatoma contralateral será multiplicado por 100 ou até 1000 vezes (1). Portanto, o achado anormal de uma membrana timpânica contralateral não é surpresa. O objetivo deste trabalho é identificar uma possí- vel relação entre o colesteatoma da orelha média e a orelha contralateral em pacientes com OMCC, considerando- se os achados do óstio da tuba auditiva (TA), a pneumatizaçao das células da mastóide e as doenças rinossinusais.
CASUÍSTICA E MÉTODOSForam incluídas nesta amostra as orelhas contralaterais de todos os pacientes atendidos com diagn óstico de colesteatoma adquirido unilateral no período de 2002 a 2003, independente de sexo ou idade. Os achados foram confirmados pela otoscopia ou pelo microscópio cirúrgico nos casos de dúvida na otoscopia. Para o exame da tuba auditiva, usamos a nasofibrolaringoscopia para visualização do óstio faríngeo da tuba com nasofibroscópio Olimpus ENF tipo P3 fibroscópio Pentax CE0197 com luz de xenônio para iluminação (VS-5600) e câmara de vídeo (450-B-VHS) para documentação. Para o estudo da pneumatização das células da mastóide, utilizamos a tomografia computadorizada (TC) e para o exame dos seios paranasais, o RX simples.
RESULTADOSA amostra foi composta por 51 orelhas contralaterais de pacientes com colesteatoma, sendo formada por 14 (27,5%) crianças com idades entre 4 e 14 anos e por 37 (72,5%) adultos com idades entre 18 e 76 anos. Na Tabela 1 encontra-se a distribuição dos pacientes em relação à idade e sexo e no Gráfico 1, a distribuição dos 51 pacientes com OMCC em função da idade. Nessa amostra, 18 (35,3%) orelhas eram normais e 33 (64,7%) apresentavam alguma anormalidade, sendo que 5 (9,8%) apresentavam colesteatoma também na orelha contralateral. A distribuição das anormalidades encontradas nas 51 orelhas contralaterais avaliadas encontra- se no Gráfico 2. Na avaliação da tuba auditiva, 21 (41,2%) orelhas tiveram a tuba normal e 30 (58,8%) tiveram algum achado anormal.
A distribuição dos tipos de óstios encontrados nas tubas das 51 orelhas contralaterais avaliadas encontrase no Gráfico 3. Na avaliação da pneumatização das células da mastóide, 18 (35,3%) orelhas apresentaram mastóides normais e 33 (64,7%) apresentaram mastóides com pobre pneumatização. Das 51 orelhas contralaterais avaliadas, 41 (80,4%) eram de pacientes que apresentavam rinossinusite.
Foi encontrada associação estatisticamente significante entre a presença de anormalidades nas orelhas contralaterais e a presença de rinossinusite (p < 0,001), pois 50% das orelhas normais e 97% das orelhas com anormalidades eram de pacientes com rinossinusite (Gráfico 4). Na presente amostra, 16 orelhas (31,4%) apresentavam boa pneumatização da mastóide e eram de pacientes sem presença de sinusite e 35 (68,6%) apresentavam pneumatização da mastóide pobre e eram de pacientes com presença de sinusite.
DISCUSSÃOA observação da orelha contralateral em casos de OMCC é interessante porque permite considerar o modo de desenvolvimento sempre controverso do colesteatoma e compreender melhor o seu mecanismo patogênico.
O colesteatoma da orelha média é bilateral, em geral, em mais de 10% dos casos (2-5). A orelha contralateral parece predisposta a desenvolver este tipo de lesão quando a sua incidência é comparada à incidência de colesteatoma de uma população normal. Segundo as características étnicas ou níveis sócioecon ômicos, a freqüência do colesteatoma para uma população normal varia de 1:1000 a 1:10000. Isto nos leva a crer que a orelha contralateral deve ser considerada uma orelha de risco.
As chances de aparecer um colesteatoma e particularmente de se observar os estados precursores, são multiplicados por 100 ou por 1000 (6). Com relação ao sexo, encontramos preponderância masculina (58,8%). Sadé (7) encontrou uma preponder ância nos homens de 55,7% e nas mulheres de 43,3%. Palomar e col (5) encontraram 59,7% e 40,3%, respectivamente. A orelha contralateral normal (35,3%), isto é, livre de doenças foi encontrada por nós na proporção de 1:2. DEGUINE e DEGUINE (4) encontraram 1/3 de orelhas contralaterais normais; NAKAMURA e col (8) encontraram 34% e PALOMAR e col (5) encontraram 46,1% de tímpanos normais contralaterais. A porcentagem elevada de lesões da otite média crônica ativa ou seqüela que se observa ao nível da orelha contralateral (64,7%) constitui não somente uma presun- ção, mas pode ser considerada como uma prova formal da filiação que existe entre as diferentes lesões. A otite serosa foi a primeira manifestação clínica a aparecer (13,7%).
Trata-se de um estado transitório que desaparece espontaneamente na maioria dos casos, mas pode deixar seqüelas, como bolsa de retração timpânica (29,4%), timpanosclerose ou perfuração timpânica na pars tensa (11,8%). A bolsa de retração com seu elevado aparecimento nos nossos achados (29,4%) mostra que essas lesões suspeitas poderão constituir o estádio precursor do colesteatoma. Infelizmente não existe até o momento nenhuma publicação a respeito de um teste fisiológico completamente satisfatório para o estudo da tuba auditiva, o que dificulta avaliar objetivamente os mecanismos da etiopatogenia do colesteatoma e relacionar isto a disfunção tubária, a qual desempenha um papel fundamental, em alguns casos, na patogenia do colesteatoma adquirido (9). Dados clínicos mostram que variações morfológicas do orifício parafaríngeo da tuba auditiva e estruturas ao seu redor são freqüentemente relatados como condições patológicas da orelha média, incluindo o colesteatoma. Os achados endoscópicos normais (41,2%) em nossa pesquisa revelaram uma alta incidência de mudanças patológicas nos pacientes com anormal aparência do óstio tubário (58,8%). Isto sugere que há uma contínua relação entre os achados nasofaríngeos e otológicos. POE (10) observou 57% de anormalidades dinâmicas e obstrutivas, NAKAMURA e col mostram a existência de uma disfunção tubária em mais de 50% das orelhas contralaterais examinadas, associadas a uma patologia nasossinusal em mais de 60% dos casos, para 18% de acometimentos nasossinusais em caso de otoscopia contralateral normal, enquanto que MANRIQUE e CERVERA-PAZ (11) encontraram 36% de acometimento da tuba auditiva em orelhas contra-laterais. O desenvolvimento primordial da disfunção tubária é compreendido devido ao elevado número de bolsas de retração encontrado no exame da orelha contralateral, uma vez que a bolsa de retração parece ser o desenvolvimento primordial no aparecimento do colesteatoma.
A disfunção tubária cria uma pressão endotimpânica negativa com acúmulo retrotimpânico de líquido sero-mucoso ou de “glue” (otite seromucosa), podendo dar origem ao colesteatoma. Com relação à pneumatização das células da mastóide, encontramos o grupo com orelha contralateral anormal, com pobre pneumatização. A pobre ou nenhuma pneumatização da orelha contralateral com inflamação dos seios paranasais (68,6%) sugere uma causa de diminuição da pneumatização das células da mastóide. Este achado também foi encontrado por ARS (12). Isto sugere que o exame da orelha contralateral e a condição do trato respiratório alto podem ser usados como parâmetros no estudo da patogenia do colesteatoma.
CONCLUSÕESO exame oto-microscópico não deve limitar-se apenas à orelha doente, pois a orelha contralateral deverá ser considerada sempre uma orelha de risco. Os achados endoscópios patológicos no orifício faríngeo e o óstio da tuba auditiva podem explicar o papel da disfunção da tuba auditiva no desenvolvimento do colesteatoma. As alterações no trato respiratório alto podem ser usadas como parâmetro no estudo da patogenia do colesteatoma.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Chalton RRA, Searns MP. The incidence of bilateral chronic otitis media. J Laryngol Otol, 1984,98:337-40.
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5. Palomar V, Fortuny JC. Donneés statistiques du cholestéatoma. Cahier.s ORL Tome XXIV,6,1989,439-43.
6. Deguine C. Aspects cliniques de la pathogénic du cholestéatoma. Les Cahiers dÓRL,1987,T XXII,631-40.
7. Sadé J. Treatment of retraction pockets and cholesteatoma. J Laryngol Otol, 1982,96:685-704.
8. Nakamura H, Fujita A, Sato H, Honjo I. Cholesteatoma in view of the contralateral ear. Cholesteatoma and Mastoid Surgery. Proceedings of III International Conference on Choleateatoma,1989,389-92.
9. Magnan J, Chais A, Cohen JM. Endoscopie de la trompe auditive. La trompe dÉustache, Lib.Arnette, 1966,29-49.
10. Poe DS. Opening and closure of the fibrocartilaginous Eustachian tube. Middle ear deft, 2003, pp.41-56. Kugler Publications, The Hague, The Netherlands.
11. Manrique M, Cervera Paz FJ. Fiber-endoscopic examination of the nasopharynx in patients with acquired Arq. Otorrinolaringol., São Paulo, v.9, n.2, p. 133-137, 2005. Aquino JEP Arq. Otorrinolaringol., São Paulo, v.9, n.2, p. 133-137, 2005. 137 Aquino JEP cholesteatoma. In pathogenesis in cholesteatoma,1999,119-130. Edited by ARS B. Kugler Publications.
12. Ars BMPJ. Pathogenesis of acquired cholesteatoma. In Pathogenesis in Cholesteatoma,1999,1-18.Edited by ARS B. Kugler Publications.
* Professor Titular de ORL da Faculdade de Medicina de Santo Amaro . UNISA.
** Preceptores de ORL da Faculdade de Medicina de Santo Amaro . UNISA.
*** Residente do 2º ano de ORL da Faculdade de Medicina de Santo Amaro . UNISA.
**** Interna do curso de Medicina da Universidade Nova Iguaçu . RJ.
Trabalho realizado pela Disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Santo Amaro . UNISA.
Endereço para correspondência: Dr. José Evandro Aquino - Alemada Ribeirão Preto, 410 / 1106 . São Paulo/SP . CEP: 01331-000 . E-mail: clinicaorlsp@uol.com.br
Artigo recebido em 9 de abril de 2005. Artigo aceito em 29 de abril de 2005.