INTRODUÇÃOOs processos infecciosos dos seios esfenoidal e etmoidal posterior apresentam um grande potencial de morbimortalidade em decorrência de sua proximidade com estruturas orbitárias, seio cavernoso, nervo óptico e parênquima cerebral (1). A fissura orbitária superior é uma fenda que se comunica com a fossa média do crânio e localiza-se entre a asa maior e menor do esfenóide, na região posterior da órbita. Apresenta íntima relação com diversas estruturas anatômicas, como o forame óptico os II, III, IV, V e VI pares cranianos e os seios esfenoidal e etmoidal.
O envolvimento da região posterior da órbita pode resultar na síndrome da fissura orbitária superior (SFOS) ou na síndrome do ápice orbitário (2). A síndrome da fissura orbitária superior é resultante da compressão de estruturas que passam nessa região, resultando na paralisia dos pares cranianos III, IV e VI.
O globo torna-se imóvel, as pupilas dilatadas e não reagentes à luz, ptose, hipoestesia palpebral, córnea, conjuntiva. A síndrome do ápex orbitário é similar a da fissura orbitária superior, mas inclui estruturas do forame óptico.
Esta síndrome manifesta-se por amaurose, oftalmoplegia, dor ocular intensa e distúrbios sensitivos no território do nervo oftálmico, que pode variar de anestesia a nevralgia (3).
O reconhecimento precoce desta síndrome é imperativo. O atraso do tratamento adequado pode ocasionar amaurose (4). O objetivo deste trabalho é apresentar dois casos de síndrome da fissura orbitária superior incompleta decorrentes de processos infecciosos e um caso decorrente de tumor nasossinusal.
RELATO DOS CASOSCaso 1BSS, 12 anos de idade, sexo feminino, branca, procurou atendimento médico pediátrico por diplopia e cefaléia frontal acompanhada de rinorréia hialina há um dia. À avaliação neurológica a paciente apresentava-se com preservação do nível de consciência, bom estado geral e afebril.
Além disso, apresentava ptose palpebral e dificuldade de medianização de olho direito, descartandose qualquer acometimento central. Foi submetida à avaliação oftalmológica que evidenciou paresia de III e IV nervo craniano à direita, com alteração da percepção de cores deste mesmo lado, mas com preservação da acuidade visual bilateralmente.
O fundo de olho era normal. Os exames laboratoriais de entrada, incluindo leucograma, glicemia de jejum, função renal e eletrólitos séricos encontravam-se normais. As análises citológicas e bioquímicas do líquido cefalorraquidiano (LCR) também não apresentavam alterações e tanto a baciloscopia quanto a pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente eram negativas. Ainda sob investigação neurológica, realizou tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais, que revelou hipoatenuação bilateral de seios maxilares e etmoidais e espessamento mucoso de seios esfenoidais (Figura 1).
O seio frontal estava livre. Em vista desta alteração tomográfica, foi solicitada avaliação otorrinolaringol ógica da paciente, já no quinto dia de evolução. Clinicamente, a paciente apresentava piora da cefaléia frontal à direita, náuseas e alguns episódios de vômitos. Ao exame físico, mantinha-se afebril e em bom estado geral. A rinoscopia anterior mostrava edema generalizado de mucosa, com presença de secreção purulenta proveniente do meato médio bilateralmente. Tanto a otoscopia como a oroscopia eram normais.
Pelos dados da história, exame otorrinolaringológico, avaliação oftalmol ógica, neurológica e pelas alterações tomográficas foi levantada a hipótese diagnóstica de Síndrome da Fissura Orbitária Superior Incompleta. Diante deste quadro foi iniciada antibioticoterapia com Clindamicina 300mg ev 6/6hs, Ceftriaxone 1g ev 12/12hs e Hidrocortisona 200mg ev 8/8hs. A paciente foi submetida etmoidectomia anterior e posterior, antrostomia maxilar e abertura de esfenóide e da lâmina papirácea bilateralmente, por via endoscópica.
Durante o intra-operatório, especialmente durante a abertura de seio etmóide posterior direito, houve saída de secreção purulenta. A evolução já no primeiro dia de pós-operatório foi bastante favorável, com melhora completa de alteração de percepção de cor e melhora significativa da paresia do III par craniano à direita. A paciente recebeu alta hospitalar no 12º pós-operatório, persistindo ainda discreta paresia à direita (Figura 2). Não foi possível isolar nenhum microorganismo na cultura da secreção colhida durante a cirurgia. Após 2 meses de acompanhamento ambulatorial, houve uma regressão total da alteração da motricidade ocular extrínseca (MOE). No terceiro mês pós-operatório, a paciente recebeu alta do acompanhamento oftalmológico, uma vez que a paresia da motricidade ocular extrínseca já havia regredido completamente.
Caso 2MLS, 15 anos, feminina, branca apresentando obstru ção nasal cefaléia frontal, pior à direita, de caráter latejante há 30 dias. Nos 7 dias anteriores à internação houve intensificação do quadro álgico, sendo que nos últimos dois dias evoluiu com diplopia e ptose palpebral à direita. Neste momento, a paciente procurou atendimento médico. A paciente referia uso de Amoxicilina 500mg vo 8/8hs por 3 dias sem melhora do quadro.
Negava antecedentes de sinusites de repetição, trauma ou qualquer outra doença associada. Ao exame físico de entrada apresentava-se febril e em bom estado geral. À rinoscopia anterior, visualizava-se rinorréia purulenta, edema e hiperemia de mucosa em ambas fossas nasais. A otoscopia, oroscopia e palpação cervical encontravam-se normais.
Apresentava também alteração de motricidade ocular extrínseca à direita, com paresia de reto medial e ptose palpebral do mesmo lado. Não havia sinais de quemose ou hiperemia conjuntival e, segundo avaliação oftalmológica, a acuidade visual estava preservada. Os exames laboratoriais de entrada, hemograma e o coagulograma não apresentavam alterações.
A tomografia computadorizada revelava velamento de seio maxilar, esfenoidal e etmoidal posterior à direita (Figuras 3 e 4). A história de um quadro sinusal levando a diplopia, ptose palpebral, diminuição da motricidade ocular associada às alterações do exame físico e da tomografia computadorizada, sugeriu a hipótese diagnóstica de Síndrome da Fissura Orbitária Superior Incompleta. Em vista deste quadro clínico iniciou-se antibioticoterapia endovenosa com Ceftriaxone 1g ev 12/12hs associado a Oxacilina 2g ev 6/6hs.
A paciente foi submetida à drenagem cirúrgica endoscópica, sendo realizada etmoidectomia anterior e posterior e antrostomia maxilar bilateral e esfenoidectomia à direita. Não foi realizada abertura da lâmina papirácea. A paciente evoluiu com melhora do quadro clínico, persistindo ainda discreta paresia de reto medial à direita e recebeu alta após 14 dias de antibioticoterapia.
No primeiro mês de seguimento ambulatorial já houve uma regress ão completa da alteração da motricidade ocular extrínseca à direita.
Caso 3JAO, 47 anos, masculino, branco, com antecedente de sorologia positiva para HIV, em uso de esquema antiretroviral com efavirenz, lamivudina e estavudina há 3 anos, apresentando contagem de linfócitos CD4 em 525 cels/106L, iniciou quadro de diplopia há 20 dias, evoluindo com dificuldade de medialização do olho direito e ptose palpebral, ipsilateral após 15 dias do inicio do quadro.
Não havia apresentado queixas nasais em nenhum momento da história. Negava antecedentes de sinusites de repetição, trauma ou qualquer outra doença associada. Ao exame físico de entrada apresentava-se afebril e em bom estado geral. A rinoscopia anterior apresentava-se normal, assim como a otoscopia, oroscopia e palpação cervical. Segundo avaliação oftalmológica, apresentava alteração de motricidade ocular extrínseca à direita, com paresia de reto medial, ptose palpebral e pupila dilatada não reagente à luz.
Não havia sinais de quemose ou hiperemia conjuntival e, segundo avaliação oftalmológica, a acuidade visual estava preservada. Os exames laboratoriais de entrada, hemograma e coagulograma não apresentavam alterações.
A tomografia computadorizada revelava lesão hipoatenuante preenchendo totalmente o seio esfenoidal direito e parcialmente o seio esfenoidal esquerdo.
Esta lesão também estava presente nos seios etmoidais bilaterais, que segundo os médicos radiologistas, sugeriam uma sinusite (Fig. 5 e 6). O paciente foi internado, recebendo ceftriaxone intravenoso na dose de 2g/dia e submetido a cirurgia endoscópica endonasal de urgência, pelo risco de amaurose iminente, já que a nossa principal hipótese era de síndrome da fissura orbitária por sinusite complicada. No intraoperatório, foi vizualizada secreção amarelada em etmóide posterior direito e esfenóide bilateralmente.
Dentro do seio esfenóide foi visualizado uma massa de aspecto amolecido, friável, cuja análise microscopia por biópsia de congelação revelou linfoma de alto grau de malignidade, que foi confirmada pela análise anatomopatológica da peça como um linfoma de células B. O paciente evoluiu bem no pós-operatório, porém sem melhora do quadro ocular, sendo encaminhado para a Clínica de Hematologia do Hospital, para iniciar tratamento adequado.
Figura 1. Tomografia em corte coronal mostrando hipoatenuação bilateral de seios maxilares e etmoidais.
Figura 2. Paciente no 12o dia de pós-operatório.
Figura 3. Tomografia em corte coronal mostrando velamento de seio esfenoidal à direita.
Figura 4. Tomografia em corte coronal mostrando velamento de seio maxilar e etmoidal posterior à direita.
Figura 5. Tomografia em corte axial mostrando hipoatenuação preenchendo totalmente o seio esfenoidal direito e seios etmoidais bilaterais.
Figura 6. Tomografia em corte coronal revelando hipoatenuação preenchendo totalmente o seio esfenoidal direito e parcialmente o seio esfenoidal esquerdo.
DISCUSSÃOA síndrome da fissura orbitária superior (SFOS), inicialmente descrita em 1896 por ROCHON-DU VIGNEAUD, resulta do comprometimento das estruturas que atravessam esta região anatômica por diversas etiologias, inclusive infecções sinusais (4,5). O conteúdo desta fissura consiste no terceiro, quarto e sexto nervos cranianos, na primeira divisão do quinto nervo craniano e em veias oftálmicas superiores.
O ápice orbitário contém a fissura orbitária superior e o forame óptico. É de fundamental importância ressaltar que nestes casos não há presença de sinais inflamatórios orbitários ou, quando presentes, apresentamse como uma celulite localizada.
Esta é uma das características fundamentais que diferenciam estas entidades das demais complicações orbitárias comuns em casos de rinossinusite aguda.
Nos casos relatados, os pacientes apresentavam parte dos sintomas característicos de SFOS como ptose, oftalmoplegia e dor retroorbitária sem nenhum sinal de inflamação orbitária como quemose ou hiperemia conjuntival ocular. Numa revisão de 130 casos de SFOS o sintoma mais comum de apresentação foi dor local, ocorrendo em 87% dos indivíduos afetados (6). Nos dois primeiros casos relatados os pacientes também apresentavam dor frontal e orbitária no lado afetado.
Apesar de um dos pacientes relatar alteração da percepção de cor na visão do olho afetado, o que poderia ser indício de acometimento do II par craniano e, portanto direcionar o diagnóstico para a síndrome do ápice orbitário, em ambos os casos avaliação oftalmológica não demonstrou qualquer alteração na acuidade visual. O diagnóstico diferencial de SFOS é amplo e pode incluir causas infecciosas, inflamatórias (7), traumáticas ou neoplásicas.
Há casos na literatura secundários a Herpes ZOSTER (4), infecção por Aspergillus (2) e até invasão orbitária por carcinoma espinocelular. LENZI e FIESCHI (5) apontam as causas inflamatórias como as mais comuns (74%). Nos dois primeiros casos relatados o antecedente de sinusite crônica ou obstrução nasal de longa data associados ao achado tomográfico de velamento de seios etmoidais e velamento ou espessamento de mucosa do seio esfenoidal ipsilaterais, sem qualquer história de trauma ou achados que indicassem outras etiologias, demonstram que uma esfenoetmoidite é a causa do quadro apresentado pelos pacientes.
A melhora clínica apresentada após institui ção de antibioticoterapia endovenosa e tratamento cir úrgico dos seios paranasais acometidos é mais um dado que corrobora fortemente esta hipótese. A fissura orbitária superior apresenta íntima relação com diversas estruturas anatômicas, inclusive o seio esfenoidal.
A extensão de sinusite esfenoidal pode ocorrer por invasão direta, hematogênica ou extensão através de deiscências ósseas adquiridas ou pré-existentes. A extens ão direta de infecções para a órbita é muito mais freqüente em etmoidites anteriores do que em esfenoidites ou etmoidites posteriores (3). O tratamento da síndrome é direcionado à causa de base e varia desde expectante em alguns casos de trauma, ao uso de antivirais naqueles secundários herpes zoster e cirurgia de urgência associado a antimicrobianos nos casos de infecção (3). Nos casos de sinusite complicada, a melhora do quadro clínico após tratamento combinado, cirúrgico e clínico, foi evidente. A extensão da infecção para a região orbitária determina edema local e conseqüentemente aumento da pressão sobre as estruturas anatômicas aí presentes.
A abertura da lâmina papirácea parece eliminar, ao menos em parte, este componente mecânico que determina disfunção do conteúdo da fissura orbitária superior e ápice orbitário. (5) Este alívio mecânico pode ser o mecanismo que explica a melhora precoce de alguns sintomas logo após a instituição do tratamento cirúrgico descompressivo.
Provavelmente pela raridade da SFOS secundária a sinusite, não foi possível encontrar um consenso sobre a abertura da lâmina papirácea nesses casos. No caso 1 optamos por tal abertura, o que não foi feito no caso 2. Porém, em ambos os casos tivemos ótima evolução. É importante realizar precocemente ao diagnóstico de SFOS e instituir de imediato a antibioticoterapia endovenosa e a cirurgia endoscópica endonasal. No caso 3, a principal hipótese pré-operatória também foi de uma sinusite complicada, pois como já citado, as causas inflamatórias são a principal causa de SFOS (5). Além disso, tratava-se de um paciente apenas soropositivo para HIV, sem AIDS, com uma tomografia sugestiva de processo inflamatório segundo os médicos radiologistas.
A suspeita de lesões tumorais deve ser reforçada apenas em pacientes com AIDS ou com contagem de CD4 abaixo de 200 células por microlitro, sendo o diagnóstico de linfoma realizado em pacientes com contagem média de CD4 em 140 células por microlitro (8,9). No pacientes com AIDS, o acometimento dos seios paranasais por linfomas é raro, sendo, nestes casos, os seios maxilares os mais comumente afetados(9).
O acometimento do seio esfenoidal por linfoma em pacientes HIV é raríssimo, tendo sido relatados poucos casos na literatura, principalmente relacionando-se com a SFOS. O linfoma de células B de alto grau de malignidade é o tipo histológico mais freqüentemente encontrado em pacientes com AIDS, tanto em Sistema Nervoso Central quanto nos seios paranasais. (10) ROBINSON et al. (8) descreve que, apesar de extremamente raro em seios paranasais, o linfoma pode ser confundido com uma sinusite bacteriana aguda em pacientes com HIV, pois tem evolução aguda, quadro clínico e aspecto radiológico semelhantes. O tratamento destas neoplasias ainda é controvertido. Radioterapia pode ser usada com bons resultados em casos de acometimento orbitário, porém em doses tóxicas. Já a quimioterapia apresenta bons resultados em pacientes com doença sistêmica e resultados variáveis em pacientes com acometimento de seios paranasais. A sobrevida média para esses pacientes é menor que um ano (9,10).
COMENTÁRIOS FINAISAinda que rara, a SFOS está mais comumente relacionada às sinusites esfenoetmoidais. No manejo da Síndrome da Fissura Orbitária Superior devemos estabelecer algumas prioridades como: estabelecer diagnóstico precoce da SFOS; tratamento com antibioticoterapia endovenosa e sinusectomia endoscópica. Tais procedimentos permitem bons resultados. Devemos lembrar das causas neoplásicas da SFOS, mesmo que estas sejam extremamente raras, especialmente em pacientes imunodeprimidos, cujo diferencial com sinusites pode ser ainda mais difícil.
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