IntroduçãoA rinite é uma importante questão de saúde pública, acometendo milhões de pessoas no mundo todo. Seu melhor entendimento é importante para a melhoria da prática clínica. Estima-se que bilhões de dólares são gastos todo ano no controle dessa doença ou desperdiçados em queda de produtividade (1).
Métodos tais como a rinometria acústica (RNMA) e o "peak flow" nasal inspiratório (PFNI) são utilizados na prática clínica para avaliar alterações funcionais e morfológicas da cavidade nasal frente à rinite. Esses testes são úteis para o diagnóstico e monitoramento do tratamento farmacológico e imunológico da rinite.
A RNMA é um método introduzido por Hilberg et. al. que se baseia na análise de ondas sonoras refletidas dentro da cavidade nasal. Pulsos acústicos passam ao longo da cavidade nasal, sendo o som refletido à medida que as ondas se chocam com estruturas ao longo da passagem. As ondas refletidas são detectadas por um microfone e então amplificadas, filtradas e digitalizadas, sendo convertidas em um gráfico de área versus distância. É um método que precisa ainda de algumas padronizações (2,3), mas cujo uso é corrente na prática do Grupo de Rinite do Ambulatório de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP, auxiliando na avaliação objetiva da função nasal (4).
O PFNI é uma técnica simples que mede o fluxo de ar na cavidade nasal durante a inspiração rápida e forçada pelo nariz. A inspiração deve ser realizada com o paciente em posição ortostática, sedo o resultado mais seguro obtido através da média de três inspirações. Essa técnica vem sido utilizada há muitos anos na Pneumologia e mais recentemente na Rinologia, com boa correlação clínica entre suas medidas e a sintomatologia referida pelo paciente (5).
Apesar de ambos serem testes aceitos e utilizados, não há estudos que realizem uma comparação da sua eficiência na avaliação das alterações clínicas da obstrução nasal e sintomatologia associada em pacientes com rinite. Embora a RNMA forneça informações importantes como a reatividade da obstrução ao uso de vasoconstritores, apresenta limitações importantes, como maior chance de erro de medida em válvulas nasais estreitas (6,7) e a ausência de valor de corte que permita a utilização do método de forma objetiva. Evidências mostram grande relação entre o PFNI e a sintomatologia clínica (5). Isso torna ainda menos preciso a importância de cada um desses métodos na prática clínica. O conhecimento dessas limitações forneceria melhor compreensão da importância relativa de cada um desses métodos na avaliação de pacientes com rinite.
Os objetivos deste estudo são: 1. comparar os métodos de RNMA e PFNI na avaliação do status da mucosa e da cavidade nasal; 2. estabelecer correlação entre esses métodos e os sinais e sintomas de rinite apresentados.
Casuística e MétodosEste é um estudo piloto no qual foram selecionados 32 pacientes com idade superior a 16 anos da Liga de "Prevenção à Obstrução Nasal" do Ambulatório da Divisão de Otorrinolaringologia do HCFMUSP que apresentaram sintomatologia acompanhada com diagnóstico de rinite crônica.
O critério de inclusão de pacientes com rinite crônica foi a presença de pelo menos dois dos sintomas a seguir por mais de quatro dias por semana, por mais de quatro semanas: coriza serosa ou seromucosa, espirros e/ou obstrução nasal. Foram excluídos os pacientes com idade inferior a 16 anos. A escolha dos pacientes não levou em conta sexo, etnia, grupo social, doença de base ou medicações utilizadas na época do procedimento.
Cada paciente teve suas fossas nasais avaliadas pelos métodos de RNMA (Ecco Vision Acoustic Diagnostic Imaging - Eprex-Hood Laboratories) e PFNI (Clement Clarcke International - modelo CE0120).
O protocolo foi organizado da seguinte maneira:
1. Foi realizado exame otorrinolaringológico completo e preenchido questionário para descrever o grau da sintomatologia habitual do paciente, a sintomatologia no momento da avaliação, alterações de septo nasal (presença, intensidade e localização de desvios, presença de cristas e/ou esporões), da mucosa nasal (edema, coloração) e alterações de palato e mordida do paciente. Para alguns dos parâmetros avaliados são dados pontos, baseando-se no mesmo sistema utilizado pela Liga de Prevenção à Obstrução Nasal, dando ênfase ao sinal edema e ao sintoma congestão, cuja pontuação é:
Edema:
0 - Ausente.
1 - Hipertrofia de corneto inferior ou médio e pequeno bloqueio nasal.
2 - Respiração comprometida em uma ou ambas fossas nasais.
3 - Respiração impossibilitada em uma ou ambas fossas nasais.
Congestão:
0 - Ausente.
1 - Pequena e não atrapalha.
2 - Respiração bucal na maior parte do dia.
3 - Não respira pelo nariz, interfere com sono, olfato ou voz.
Figura 1. Posicionamento do paciente e do aparelho para a realização do peak-flow nasal inspiratório.
2. Medida com o PFNI; cada paciente realizou em posição ortostática uma inspiração rápida e forçada pelo nariz, com o bocal acoplado ao aparelho medidor do fluxo nasal vedando a cavidade nasal (Figura 1). Foram registrados os valores de três inspirações.
3. Medida com a RNMA; aplica-se delgado filme de gel no adaptador nasal (com objetivo de melhor vedar o encaixe entre o adaptador e a narina). O paciente é, então, sentado com a cabeça apoiada em superfície vertical, não devendo respirar durante a medição. O adaptador é encostado suavemente de forma a vedar a narina do paciente e logo em seguida o aparelho produz pulsos sonoros, por cerca de dez segundos. O computador analisa cada um dos pulsos refletidos, o que permite a produção de um gráfico de área e distância que é interpretado como resultado do exame. O mesmo procedimento foi repetido três vezes para cada narina, de modo a obtermos uma medida mais representativa da realidade da morfologia da cavidade nasal do paciente.
4. Após as medidas serem registradas, foram aplicadas duas instilações de vasoconstritor tópico (cloridrato de nafazolina 0,5mg/ml) em cada narina. Quinze minutos após a aplicação do vasoconstritor repetimos os passos 1, 2 e 3.
As informações foram obtidas isoladamente para cada um dos dois métodos, passando posteriormente por uma análise comparativa e em conjunto com os dados clínicos.
O presente estudo foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética do HC-FMUSP.
Análise estatísticaPor se tratar de dados sem distribuição normal, foram utilizados métodos de análise não paramétricos, como o Kendall e a correlação de Spearman, sendo os resultados obtidos semelhantes em ambos os testes. A análise foi realizada utilizando-se o programa SPSS 10.
ResultadosA idade dos pacientes variou de 17 a 63 anos, com média de 36,7. Dos 32 pacientes, 17 (53,1%) eram do sexo feminino e 15 (46,9%) eram do sexo masculino.
A comparação dos resultados dos sinais e sintomas (edema e congestão, respectivamente) obtidos em cada narina antes e após a utilização do vasoconstritor nasal mostrou correlação proporcional e estatisticamente significante entre ambos os índices (p < 0.05), o que permitiu a criação de um "índice clínico" (Tabela 1), obtido através da média dos valores dos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes.
A partir deste índice clínico, criamos gráficos de dispersão de pontos que permitem a comparação dos valores obtidos em cada um dos exames estudados (PFNI e RNMA) para cada um dos pacientes. Devido à íntima semelhança entre os resultados das fossas nasais direita e esquerda, optamos aleatoriamente por exibir os gráficos sempre referentes à fossa nasal esquerda.
Como o PFNI não permite a análise das narinas de forma independente, utilizamos a média do índice clínico entre as duas narinas, comparando o resultado antes e depois do uso de vasoconstritores (Tabela 2).
No caso da RNMA, os dados foram medidos pelo computador desde a narina até cinco centímetros adentro da fossa nasal. Foram utilizados os parâmetros volume e área de secção mínima para comparação com o índice clínico, em cada narina, antes e após o uso do vasoconstritor nasal (Tabela 3). Ampliamos o estudo nesse caso observando a correlação entre o índice clínico e o volume e área de secção mínima em cada narina medidos apenas até três centímetros e dois centímetros a partir da narina (Tabelas 4 e 5).
Foi observada forte correlação, proporcional e estatisticamente significante (p < 0.05) entre os valores obtidos a partir da RNMA tais como volume e área de secção mínima. Essas correlações estão presentes nos valores obtidos antes e após o uso do vasoconstritor, tanto para a análise até cinco centímetros quanto para dois e três.
Legenda: IC - índice clínico; ASM - área de secção mínima; VOL - volume; IC x ASM: p = ns; IC x VOL: p = ns.
Legenda: IC = índice clínico; IC x PFNI (pré): p = ns; IC x PFNI (pós): p = ns.
Gráfico 1. Sinais x Sintomas - narina esquerda, prévasoconstritor. n = 32 ; p < 0.05
Gráfico 2. Sinais x Sintomas - narina esquerda, pósvasoconstritor. n = 32; p< 0.05
Legenda: IC - índice clínico, ASM - área de secção mínima, VOL - volume;
IC x ASM (pré-vasoconstritor): p < 0.05; IC x ASM (pós-vasoconstritor): p = ns;
IC x VOL (pré-vasoconstritor): p < 0.05; IC x ASM (pós-vasoconstritor): p = ns
Gráfico 3. Índice Clínico x PFNI - pré-vasoconstritor. n = 32; p = ns
Gráfico 4: Índice Clínico x PFNI - pós-vasoconstritor n = 32; p = ns
Legenda: IC - índice clínico, ASM - área de secção mínima, VOL - volume; IC x ASM: p = ns; IC x VOL: p = ns.
Gráfico 5. Índice Clínico x Volume - até 5cm, narina esquerda, pré-vasoconstritor. n = 32 p < 0.05.
Gráfico 6. Índice Clínico x Volume - até 5cm, narina esquerda, pós-vasoconstritor. n = 32; p < 0.05.
Legenda: IC - índice clínico, ASM - área de secção mínima, VOL - volume; IC x ASM: p = ns; IC x VOL: p = ns.
Gráfico 7. Índice Clínico x Área de secção mínima - até 5cm, narina esquerda, pré-vasoconstritor. n = 32; p< 0.05.
Gráfico 8. Índice Clínico x Área de secção mínima - até 5cm, narina esquerda, pós-vasoconstritor; n = 32; p < 0.05.
Quando realizada a comparação entre os resultados obtidos pela RNMA e os parâmetros clínicos, a análise dos dados revela uma forte correlação, estatisticamente significante (p < 0.05) e inversamente proporcional dos índices da RNMA (volume e área de secção mínima) com o índice clínico. Entretanto, tal correlação existiu apenas na análise realizada antes do uso de vasoconstritor, perdendo-se após o uso do mesmo.
Ainda quanto à RNMA, vale a pena destacar que tais correlações foram obtidas quando se analisou até cinco centímetros a partir das narinas . A correlação entre a clínica e os valores de volume e área de secção mínima se perdeu (p = ns) nas análises tanto de dois quanto de três centímetros adentro das fossas nasais .
Em relação aos resultados obtidos pelo PFNI, não foi observada nenhuma relação estatisticamente significante com a clínica apresentada pelo paciente, tanto para o edema quanto para a congestão. A única correlação estatisticamente significante (p<0.05) observada para o PFNI foi obtida ao se comparar seus resultados com a RNMA. Houve relação proporcional entre o volume observado pela RNMA e o fluxo observado pelo PFNI. Tal relação foi apenas um achado acidental e casual, não sendo um objetivo do estudo.
DiscussãoOs resultados obtidos neste estudo piloto sugerem que a RNMA mostrou-se um método confiável para a avaliação das fossas nasais, devido à boa correlação do volume e da área de secção mínima da cavidade nasal com os sinais e sintomas de rinite referidos pelo paciente. Entretanto, a confiabilidade deste método só foi demonstrada antes do emprego do vasoconstritor tópico, perdendo sua eficácia após a medicação. Em outras palavras, a melhora clínica após o uso de vasoconstritor foi muito maior do que aquela demonstrada pela RNMA. Quatro hipóteses, atuando provavelmente em conjunto, explicam tal fato:
1. A primeira hipótese é a da subjetividade da melhora. Quanto pior a sintomatologia, maior a sensação de melhora para uma melhora específica. A sensibilidade humana não é linear, fazendo com que pequenas melhoras para os exames de análise objetiva sejam referidas como melhora importante para o paciente, principalmente em casos de congestão severa. Isso explica a desproporcional quantidade de notas zero ou um para a congestão observada após o uso de vasoconstritor.
2. Uma segunda hipótese é que a graduação das tabelas de sinais e sintomas não seja suficientemente sensível para manter uma correlação com a RNMA. Assim, quando um sinal ou sintoma recebe uma graduação de um ponto a menos após o vasoconstritor, o equivalente a vinte e cinco por cento de melhora, provavelmente a melhora detectada pela RNMA (a melhora real) não será tão intensa.
3. A terceira hipótese baseia-se em uma possível correlação da melhora clínica com valores não pesquisados nesse estudo, como por exemplo, a resistência ao fluxo de ar.
4. A quarta e última hipótese para explicar a falta de correlação entre os dados da RNMA e os parâmetros clínicos é a do viés de exame: a relação entre os valores de congestão e edema obtidos no estudo sugere que o resultado do exame físico de cada paciente possa estar enviesado, fazendo com que a melhora do exame físico esteja possivelmente condicionada à melhora da sintomatologia. Assim, deixando para realizar o exame físico após questionar o paciente sobre sua melhora sintomática, o examinador ficaria "predisposto" a superestimar a melhora observada em seu exame físico. Acreditamos não ser motivo esse para desqualificar o trabalho como um todo, pois em nossa prática temos como foco primário a melhora da sintomatologia dos pacientes, que é melhor refletida pela melhora da obstrução do que pela melhora do edema.
Em relação à ausência de correlação da RNMA com os parâmetros clínicos ao se avaliar dois e três centímetros a partir da narina, tem-se a seguinte explicação: a sensação de obstrução nasal resulta basicamente de dois fatores, o volume (inversamente proporcional) e a resistência (diretamente proporcional), que se expressa principalmente na região da válvula nasal. Dessa forma, ao deixarmos de analisar as regiões mais posteriores da cavidade nasal, como nos casos de dois e três centímetros, estamos não apenas retirando uma grande parte de variável volume como também valorizando a variável resistência, que se concentra mais anteriormente. Com isso, a correlação com os parâmetros clínicos fica comprometida.
Para o fato de não ter havido correlação significante entre os resultados do PFNI com os parâmetros clínicos, tanto antes quanto após o uso de vasoconstritor, uma explicação é proposta: o PFNI, apesar de ser um método bastante barato e simples de ser utilizado, não requerendo nenhum treinamento específico por parte de examinador, é um exame que depende bastante do paciente. Sendo assim, seus resultados estão sujeitos a grandes variações já que certos pacientes não entendem a técnica de realização do exame ou simplesmente não estão dispostos a colaborar com o mesmo.
Ressaltando que este é um estudo piloto, encorajamos a realização de futuros estudos que verifiquem a reprodutibilidade dos nossos resultados.
ConclusõesOs resultados obtidos neste estudo permitem as seguintes conclusões:
1. A RNMA apresentou correlação estatisticamente significante com os sinais e sintomas antes do uso de vasoconstritor, quando analisados cinco centímetros a partir das narinas.
2. Não houve correlação estatisticamente significante entre a RNMA e os sinais e sintomas quando foram analisados dois ou três centímetros a partir das narinas.
3. Não houve correlação da RNMA com os sinais e sintomas após o uso de vasoconstritor.
4. Não houve correlação do PFNI com os sinais e sintomas, tanto antes como após o uso de vasoconstritor.
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