INTRODUÇÃONa otorrinolaringologia, existem diversas modalidades de infecções agudas e crônicas responsáveis por quadros de maior ou menor gravidade em decorrência de fatores, como virulência do agente infeccioso, seu número de partículas e o estado do hospedeiro. Entre estas infecções, destacam-se por sua freqüência e potencial gravidade as rinossinusites, que permanecem com elevados índices de morbidade e mortalidade, sendo ainda hoje prevalentes em populações carentes, mas com incidência considerável mesmo em países desenvolvidos e com bom nível de assistência à saúde (1).
A rinossinusite pode ser descrita como inflamação da mucosa nasossinusal em resposta à ação de eventos infecciosos, traumáticos, químicos ou mesmo ação de alérgenos desencadeando um estado inflamatório da mucosa. Tal evento inicialmente tem características agudas que podem ser resolvidas espontaneamente ou por meio da ação de medicamentos que irão interagir para normalizar a mucosa do nariz e dos seios paranasais. Entretanto, em alguns casos, isso não ocorre e a persistência de tais alterações leva a um estado de cronificação (2).
O advento de diversos antimicrobianos eficazes contra os agentes etiológicos das infecções nasossinusais contribuiu significativamente para diminuir a incidência de suas complicações. Entretanto, em virtude do uso amplo e inadequado destas medicações, vêm surgindo diversas cepas bacterianas resistentes, com o conseqüente reaparecimento de casos complicados destas afecções. Somando-se a este fato, podemos citar o crescente aumento de pacientes imunodeprimidos como, por exemplo, AIDS e transplantados (3).
Dentre as complicações infecciosas intracranianas de origem nasossinusal, existem aquelas que ocupam espaço: abscesso intracraniano (AIC), empiema subdural (ESD) e abscesso epidural (AED). A finalidade do presente estudo foi analisar retrospectivamente as complicações infecciosas intracranianas decorrentes de rinossinusites, em pacientes internados no serviço de Neurocirurgia do Hospital Governador João Alves Filho-HGJAF, em Aracaju-SE, no período de janeiro de 1995 a setembro de 2004.
CASUÍSTICA E MÉTODOSForam estudados, retrospectivamente, 21 pacientes de ambos os gêneros, portadores de complicações intracranianas secundárias a infecções nasossinusais, atendidos no serviço de neurocirurgia do Hospital Governador João Alves Filho (Aracaju - Sergipe), durante o período de janeiro de 1995 a setembro de 2004.
Foram incluídos no referido estudo pacientes que possuíam prontuários com descrição de evidências de infecção de origem nasossinusal com complicação intracraniana, comprovada através de exames de tomografia computadorizada e/ou ressonância magnética. Os pacientes foram analisados segundo o gênero, idade, quadro clínico, tipo de complicação intracraniana, exames de neuroimagem, tratamento, prognóstico e seqüelas, sendo os dados catalogados em formulário individual. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, sob o protocolo no 105/04.
RESULTADOSVerifica-se que do total de 21 pacientes que apresentaram complicações intracranianas decorrentes de rinossinusites, 13 (61,9%) eram do gênero masculino e 8 (38,1%) do gênero feminino (Tabela 1).
As idades variaram entre 5 e 29 anos, sendo a média de 15,8 anos. Houve 16 (76,2%) pacientes com idades entre 11 e 20 anos, três (14,3%) de até dez anos, e dois (9,5%) de 21 a 30 anos (Tabela 2).
Quanto à freqüência das complicações, tem-se o ESD com uma freqüência de 52,4% dos pacientes em estudo, enquanto o AIC foi diagnosticado em 42,8% dos casos e um paciente (4,8%) apresentou AED (Tabela 3).
A sintomatologia apresentada foi associação de síndrome de hipertensão intracraniana e síndrome infeccio¬sa. O sintoma mais comum foi cefaléia em 19 casos (90,5%), seguida de alteração do nível de consciência em 17 casos (81%). Febre e vômito estavam presentes em 16 (76,2%), hemiparesia em 13 (61,9%), convulsões e rigidez de nuca em 10 casos (47,6%) (Tabela 4).
Quanto à distribuição topográfica das lesões, em 11 casos de ESD, seis foram na convexidade cerebral, quatro inter-hemisféricos e em um caso houve associação destas duas localizações (Tabela 5).
Em relação aos AIC, foram 9 casos, sendo seis localizados no lobo frontal, um no lobo parietal, um na região fronto-parietal e um caso de AIC múltiplos (Tabela 6). O único caso de AED em nossa série estava localizado na região frontal.
A abordagem cirúrgica foi instituída em 18 pacientes (85,7%) enquanto os outros três pacientes (14,3%) foram tratados clinicamente. No grupo cirúrgico, a mortalidade foi de 16,7%, enquanto no grupo tratado de maneira conservadora, esta taxa foi de 66,7% (Tabela 7). Entre os 11 casos de ESD, 10 foram submetidos a tratamento cirúrgico, dos quais oito (80%) sobreviveram. Apenas um paciente foi tratado conservadoramente, indo a óbito (Tabela 8). Em relação aos nove casos de AIC, sete pacientes foram submetidos à cirurgia, com uma taxa de sobrevivência de 85,7%, enquanto que entre os dois pacientes tratados clinicamente, um (50%) foi a óbito (Tabela 9). O paciente com AED foi submetido a tratamento cirúrgico e sobreviveu.
No momento da alta, sete pacientes apresentavam-se sem seqüelas, enquanto 9 estavam seqüelados. As seqüelas apresentadas foram: hemiparesia (7 casos), hipoacusia (1 caso) e paralisia do sexto par craniano (1 caso) (Tabela 10).
DISCUSSÃOEm nosso trabalho houve um predomínio do gênero masculino com 13 casos e 8 do gênero feminino, o que está de acordo com vários autores (4-8), não havendo, entretanto, explicação para este fato (9,10).
A distribuição dos pacientes pela idade revelou uma maior incidência na segunda década de vida, dado também encontrado em diversos estudos (6,9,11,12). Segundo KERR et al. (1958) (13), este fato pode ser atribuído à maior freqüência de infecções dos seios paranasais nesta faixa etária. KAPLAN (1976) (14) sugeriu que o pico de complicações intracranianas na adolescência ocorra por conta do maior fluxo sangüíneo no sistema diplóico avalvular e pelo crescimento contínuo do seio frontal, tornando sua parede posterior uma tênue barreira a infecções nasossinusais. Entretanto, outros autores encontraram uma incidência elevada em pacientes com idades mais avançadas (4,5,7).
Entre as complicações intracranianas estudadas neste trabalho, observamos predomínio dos ESD (52,4%), seguidos pelos AIC (42,8%) e AED (4,8%). A literatura médica diverge quanto à complicação intracraniana mais freqüente no curso das rinossinusites. Para alguns autores é o AIC (9,11), enquanto para outros é o AED (5) ou ESD (6,12). Todavia, as rinossinusites são bastante citadas na literatura como sendo a principal causa dos ESD (15-17).
Em nosso trabalho, não se estudou a presença do microorganismo causal, pois a casuística abrange pacientes internados desde 1995, quando a cultura das secreções não era realizada rotineiramente no serviço. Além disto, ainda hoje temos dificuldade para a realização de cultura para microorganismos anaeróbios. Entre as culturas realizadas nos casos do presente trabalho, não houve crescimento de microorganismos, provavelmente pelo uso prévio e prolongado de antibióticos, fato este observado também por outros autores (5,9,18).
O sintoma mais freqüente em nossa casuística foi cefaléia, seguida de alterações no nível de consciência, febre e vômito. Hemiparesia, convulsões e rigidez de nuca foram menos freqüentes. Como amplamente relatado na literatura, a sintomatologia das complicações intracranianas decorrentes de rinossinusites costuma ser uma associação de síndrome infecciosa, síndrome de hipertensão intracraniana e alterações neurológicas focais, que podem manifestar-se simultaneamente, com sobreposição dos seus sinais e sintomas (3-5,7-9,11,19-21). Não há concordância na literatura quanto ao sintoma mais freqüente, entretanto diversos autores citam cefaléia e febre como as manifestações clínicas mais comuns, porém são inespecíficas, devendo os pacientes ser avaliados quanto à rigidez de nuca, presença de sinais neurológicos focais e alterações no nível de consciência (9).
Em relação à localização dos ESD, seis (54,5%) localizaram-se na convexidade, seguido dos inter-hemisféricos, com quatro casos (36,4%), o que foi também relatado por outros autores (10,15,19,22,23). Segundo FONSECA e RODRIGUES (1993) (15), isto ocorre porque o espaço subdural é livre nessas regiões e restrito na base do crânio.
Quanto à localização dos AIC, 66,7% dos nossos casos apresentaram-se no lobo frontal, o que concorda com a literatura, que coloca esta localização como preferencial, independentemente de quais cavidades paranasais estão comprometidas (5,6,9,12).
Quanto ao caso de AED, a TC mostrou hipodensidade subdural na fissura inter-hemisférica associada a hipodensidade epidural frontal, que a RM com gadolíneo mostrou tratar-se de AED localizado na convexidade, insinuando-se através de foice cerebral, o que demonstra a fidedignidade deste exame no diagnóstico das lesões, como já demonstrado por outros autores (3,5).
Em relação ao tratamento instituído, três pacientes foram tratados conservadoramente. Em um caso devido ao reduzido tamanho da coleção purulenta e, em dois, por conta do precário estado geral do paciente. Estes últimos foram a óbito, determinando uma taxa de mortalidade de 66,7% neste grupo. Como evidenciado por outros autores, pequenas coleções podem ser tratadas clinicamente com resultados satisfatórios (3,4,24). Em 18 pacientes foi realizado procedimento cirúrgico, sendo a trépano-punção instituída em nove casos e a craniotomia com drenagem da lesão nos nove restantes, ocorrendo três óbitos (16,7%) neste grupo. Entre os casos de óbito, dois haviam sido submetidos a trépano-punção e um a craniotomia. Como relatado em outros estudos, não houve diferenças marcantes no prognóstico entre os pacientes submetidos a uma destas técnicas cirúrgicas (25). Analisando-se separadamente as complicações intracranianas, percebemos que dois dos três pacientes submetidos ao tratamento conservador apresentavam AIC. Entre estes, um não foi submetido à cirurgia devido às más condições clínicas, evoluindo para óbito. Apenas um caso de ESD foi tratado conservadoramente, devido ao péssimo estado geral, também evoluindo para óbito. O paciente com AED apresentava boas condições clínicas, sendo submetido à cirurgia com sucesso. Desta maneira, infere-se que não foi a ausência do tratamento cirúrgico que influenciou a alta mortalidade no grupo tratado conservadoramente, mas sim o mau estado geral no momento da admissão hospitalar, o que já foi relatado por BORRÁS et al.(2002) (4). O elevado número de pacientes em más condições clínicas em nossa casuística pode ser explicado pelo fato de o HGJAF absorver grande parte da população carente de Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco, a qual dispõe de nível precário de assistência à saúde, sendo encaminhada tardiamente ao nosso serviço.
Dentre os sobreviventes, nove (56,25%) apresentaram seqüelas, sendo esta taxa considerada alta quando comparada aos resultados de outros autores (3,4,7,21). Entretanto, nestes trabalhos foi realizado um seguimento destes pacientes, o que pode ter contribuído para uma recuperação gradual das seqüelas, enquanto no presente estudo, não foi possível acompanhar os pacientes em nível ambulatorial, portanto, avaliamos as seqüelas apenas no momento da alta. Dentre estas, hemiparesia foi a mais freqüente, ocorrendo em sete casos, o que já foi demonstrado (9,16). Para outros autores (3,6), as crises convulsivas apresentam maior incidência. Outras seqüelas observadas em nossa série foram a hipoacusia e paralisia facial, ambas com um caso.
CONCLUSÕES1. A complicação intracraniana decorrente de rinossinusites que apresentou maior incidência foi o ESD (52,4%), seguido pelo AIC (42,8%) e pelo AED (4,8%).
2. As complicações intracranianas infecciosas de origem nasossinusal foram mais freqüentes no gênero masculino (61,9%).
3. A segunda década de vida foi a mais acometida (76,2%).
4. O AIC localizou-se no lobo frontal em seis casos (66,7%).
5. Os ESD localizaram-se mais freqüentemente na convexidade cerebral (54,5%).
6. O sintoma mais comum foi cefaléia (90,5%), seguida das alterações do nível de consciência (81%), febre (76,2%) e vômitos (76,2%).
7. Os pacientes submetidos a tratamento cirúrgico apresentaram melhor prognóstico independentemente do tipo de complicação.
8. Dentre as seqüelas, a hemiparesia foi mais freqüente (77,8 %), seguida de hipoacusia (11,1%) e paralisia do VI par craniano (11,1%).
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