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Ano: 2005  Vol. 9   Num. 4  - Out/Dez Print:
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Prevalência do Desvio de Septo Nasal em Curitiba, Brasil
Prevalence of Deviated Nasal Septum in Curitiba, Brazil
Author(s):
Adriana Kosma Pires de Oliveira*, Erivaldo Elias Júnior*, Luciana Vieira dos Santos*,
Silvio Gomes Bettega**, Marcos Mocellin***.
Palavras-chave:
septo nasal, deformidade, obstrução nasal, prevalência
Resumo:

Introdução: A obstrução nasal freqüentemente tem como causa algum tipo de deformidade do septo nasal. Dados sobre a prevalência do desvio do septo nasal são raros e quando encontrados, muitas vezes são discrepantes. Objetivo: Determinar a prevalência do desvio do septo nasal em Curitiba, Brasil. Método: Neste estudo transversal, foram avaliados 534 voluntários, 322 do sexo feminino (60,3%) e 212 homens do sexo masculino (39,7%), participantes do Programa de Qualidade de Vida da Universidade Federal do Paraná e transeuntes da Feira do Largo da Ordem de Curitiba, de fevereiro a julho de 2004. A avaliação constou da marcação subjetiva da percepção da respiração nasal pelo voluntário em Escala Visual Analógica (EVA) de 0 a 100mm, de um questionário sobre a presença ou não de rinites e de exame de rinoscopia anterior. Resultados: Dos 534 voluntários, 60,3% apresentaram desvio do septo nasal e destes, 59,9 % referiram obstrução nasal. Foi mais freqüente em homens (25%) do que em mulheres (23,6%). O valor médio do escore EVA, que se aproximou de 100mm (respiro mal pelo nariz), foi de 38,10mm nos indivíduos com desvio do septo nasal enquanto o valor médio que se aproximou de 0mm (respiro bem pelo nariz) ocorreu no grupo sem desvio do septo nasal, 21,14 mm (p<0,0001%). Conclusão: Desvio do septo nasal é uma alteração anatômica comum, na maioria das vezes é sintomático e é mais comum em homens.

INTRODUÇÃO

O septo nasal é a estrutura ósteo-cartilaginosa que divide o nariz em duas metades, orienta o fluxo aéreo, faz parte da área da válvula nasal (1) e, por conseqüência, auxilia o nariz na execução de suas funções de aquecer, umidificar, filtrar, auxiliar na olfação e participar da fonação.

Quando ele é tortuoso, pode coexistir a obstrução nasal, que por sua vez é uma queixa freqüente nos pacientes que procuram o otorrinolaringologista. Muitas vezes seu diagnóstico é feito apenas pela anamnese e o exame otorrinolaringológico, que inclui rinoscopia anterior com espéculo nasal.

A via aérea obstruída por uma deformidade do septo nasal (seja ela um desvio, esporão ou crista) pode ser sintomática (com obstrução nasal) ou assintomática (sem obstrução nasal). Apesar de caracterizar um distúrbio do trato respiratório, a avaliação desta alteração anatômica não possui classificação quanto ao seu grau de obstrução nasal, por vezes determinada pela subjetividade das queixas do paciente e a sua correlação com os achados de rinoscopia (2). A classificação dos tipos de desvio do septo nasal (DSN), como as de COTTLE e de MLADINA (3) são diferentes; não existe um exame padrão ouro que avalie a permeabilidade nasal e, além disso, as publicações sobre a prevalência de DSN são escassas.

Isso se deve, provavelmente, ao fato de que até hoje não se pode afirmar com certeza se existe uma relação do DSN com a obstrução nasal, e suas conseqüências como alterações na qualidade de vida; alterações do sono, como ronco e apnéia; alterações ortodônticas; rinossinusites; seqüelas de crescimento e deformidades crâniofaciais, pois indivíduos com DSN podem ou não possuir essas alterações, principalmente nos casos de diminuição parcial da permeabilidade nasal (4).

Estudos consistentes sobre a prevalência das deformidades septais e das outras doenças obstrutivas que se associam freqüentemente ao DSN, como as rinites, podem ajudar a determinar diretrizes quanto ao seu diagnóstico e tratamento.

MIN et al em 1995 (5) realizaram um estudo multicên¬trico com 9284 voluntários na Coréia, mostrando a prevalência do DSN em 22,38% da população, com predominância na população masculina. TOCIK em 1989 (6) referiu a ocorrência do DSN 3 a 4 vezes maior em homens.

Em 1978, a prevalência do DSN foi estudada por GRAY e FRACS em 2112 crânios de adultos, que mostrou 21% de septos nasais retos e 79% com algum tipo de desvio (7). Os autores referem que, em estudo semelhante, MACKENZIE (1880) encontrou 23% de septos retos e 77% com desvio.

Em 2002, na Turquia, UYGUR et al. (8) relataram que 15,6 % dos recém-natos de partos normais tinham DSN e 3,4 % possuíam deslocamento do septo nasal; já entre os recém-natos de partos cesareanas, 15,1% tinham DSN e nenhum deslocamento do septo.

Obstrução nasal freqüentemente tem como causa algum tipo de deformidade do septo nasal (9). Dados sobre a prevalência do DSN são raros e muitas vezes discrepantes (10,11). Assim, nosso objetivo é determinar a prevalência de indivíduos em nosso meio com desvio do septo nasal.

CASUÍSTICA

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná.

Foram avaliados 534 indivíduos em Curitiba / PR, Brasil, caucasianos, de 2 a 83 anos de idade, transeuntes voluntários da Feira do Largo da Ordem em Curitiba, que eram convidados aleatoriamente por acadêmicos de medicina para se submeterem a uma avaliação do septo nasal, evitando, desta forma, a procura específica por parte daqueles que possuíam alterações da função nasal e aproveitariam a oportunidade para se consultarem (evitando desta maneira o vício de seleção), e funcionários que procuraram espontaneamente por participarem do Programa Institucional de Qualidade de Vida da Universidade Federal do Paraná.

MÉTODO

Primeiramente, cada voluntário respondeu a um questionário quanto a presença ou não de obstrução nasal, prurido, rinorréia aquosa e espirros, e fez a marcação de sua sensação subjetiva de respirar pelo nariz em uma Escala Visual Analógica de zero a 100 mm, sendo o valor zero correspondente a "respiro bem pelo nariz (meu nariz é desobstruído)"; 50 corresponde a "respiro mais ou menos pelo nariz" e 100 quer dizer "respiro mal pelo nariz (meu nariz é obstruído)" (Tabela 1).



Após esta marcação, cada voluntário foi examinado pelo mesmo profissional, em posição sentada, sendo realizada a rinoscopia anterior com espéculo nasal descartável e avaliação quanto à presença ou não de desvio do septo nasal, hipertrofia de conchas nasais, hiperemia, palidez, cianose da mucosa nasal ou degeneração da concha nasal, que levassem ao diagnóstico clínico de rinite, excluindo as infecciosas. O critério de constatação de retificação do septo nasal foi denominado septo reto, e a presença de tortuosidade do septo nasal foi denominado desvio do septo nasal, não importando sua localização ou tipo (em C, em S, caudal, esporão, crista, posterior, superior, área 1, área 2, etc) (3). A existência eventual de cirurgia nasal pregressa nos voluntários foi anotada e considerada durante avaliação da amostragem.

Para a avaliação estatística das variáveis do sintoma obstrução nasal considerou-se o teste exato de Fisher. Para avaliação do percentual de respiração, adotou-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Em todos os testes, um valor de p<0,05 foi considerado como estatisticamente significante.

RESULTADOS

Dos 534 voluntários, 60,3% eram do sexo feminino e 39,7% do masculino. A média de idade foi de 35,93 anos, com um desvio-padrão de 17,48 (Tabela 2). Entre eles, 322 apresentaram DSN (60,3%) sendo que 190 eram do sexo feminino (59 %) e 132 do masculino (41%). A prevalência corrigida da amostragem (em razão da diferença em número absoluto de indivíduos de cada sexo) foi de 25% de DSN para o sexo masculino e 23,6% com DSN no sexo feminino.

Das 190 voluntárias com DSN, 60% referiram obstrução nasal; dos 132 voluntários com DSN, 60% também referiram obstrução nasal.

Entre os 534 voluntários, 212 não apresentaram DSN (39,7%) sendo 132 do sexo feminino (62,3%). Destas, 24 (18%) referiram obstrução nasal. Já no sexo masculino, 80 (37,7%) não apresentavam DSN e, destes, 15 (19%) referiram obstrução nasal (Tabela 3).

A aplicação da Escala Visual Analógica mostrou que o grupo de indivíduos com DSN obteve o escore 38,10, com desvio-padrão 33,06; e o grupo de indivíduos sem DSN obteve o escore 21,14, com desvio-padrão 26,43; (p< 0,0001). (Tabela 4).

Dos 534 indivíduos estudados, 18,3% apresentaram queixas e exame compatível com rinite; 24,4% com DSN e 18,9 % sem DSN.









De todos os 534 voluntários, 9 (1,7%) realizaram cirurgia nasal prévia (septoplastia), sendo que 6 apresentaram DSN residual. Destes últimos, 4 (67%) com obstrução nasal e 2 (33,4%) sem obstrução nasal. Entre os 3 que realizaram cirurgia e não apresentaram DSN, 100% estava sem obstrução nasal (Tabela 6).





DISCUSSÃO

"A insuficiência respiratória nasal determinada pelas malformações do septo nasal, desperta situações clínicas embaraçosas no sentido da oportunidade ou não de indicação cirúrgica" (12). Estas citações em artigos científicos e livros-texto se repetem constantemente. É comum encontrarmos deflexões do septo nasal em pacientes que não referem obstrução nasal (4), lembrando que 40% dos voluntários deste estudo tinham DSN e eram assintomáticos.

Encontramos a prevalência de DSN de 60,3%, maior no sexo masculino (25%) em comparação com o sexo feminino (23,6%), resultado este que concorda com a literatura. A etiologia mais freqüente de DSN é o traumatismo nasal e ocorre mais nos homens.

A porcentagem de voluntários com a associação de DSN e obstrução nasal foi de 60%, tanto no sexo feminino quanto no masculino. Nota-se que esta prevalência de DSN se aproxima das estatísticas de GRAY (7) que são de 79%, e ficam longe dos números de MIN et al. (22,3%) (5). O primeiro autor avaliou crânios, portanto foram vistos só os desvios ósseos. Como não foram vistos os desvios do septo cartilaginoso, supõe-se que sua prevalência seria maior. O segundo realizou um estudo multicêntrico e utilizou "equipes" de médicos para examinar 9284 voluntários, e possivelmente os critérios para a determinação de presença e ausência do DSN foram variados.

Os escores na Escala Visual Analógica demonstraram que os indivíduos que afirmaram respirar bem pelo nariz se aproximaram da marca 21,14 mm e aqueles que afirmaram respirar mal pelo nariz se aproximaram da marca 38,10 mm (Tabela 4), correspondendo aos voluntários sem DSN e com DSN respectivamente (p<0,0001). Ë uma indicação de que subjetivamente a maioria dos voluntários marcou corretamente a sensação de respiração.

A prevalência de rinite coincide com a da literatura, 18,3% (sem especificação para algum tipo de rinite) (p<0,0001). Aqueles que possuíam DSN em associação com rinite somaram 24%, enquanto que os indivíduos que não possuíam DSN em associação com rinite somaram 18,9% (Tabela 5). As rinites causam alterações na permeabilidade nasal, portanto este diagnóstico tinha que ser levado em conta na apreciação do sintoma obstrução nasal, mas não interferiu nos achados da prevalência do DSN.

Dos 9 indivíduos (1,7%) com cirurgia nasal prévia (septoplastia) (Tabela 6), 6 deles apresentavam DSN residual sendo 4 (67%) com obstrução nasal e 2 ( 33,4%) sem obstrução nasal. A análise estatística com relação à idade e sexo mostrou que ambos não influenciaram o sintoma, com p = 0,3609 e p = 0,6478, respectivamente (Tabela 7).

A falta de exames complementares padrão-ouro e a recomendação de que o autor da pesquisa seja o examinador (a subjetividade no exame das fossas nasais varia de médico para médico) certamente diminuem a produção de pesquisas para se determinar permeabilidade nasal (13,14).

A marcação da sensação subjetiva de respiração na escala visual analógica, o questionamento sobre sintomas de rinite (excluindo as virais e bacterianas) e sobre tratamentos anteriores para alergia, testes alérgicos, história de cirurgia nasal pregressa precediam a rinoscopia anterior.

Determinar se este ou aquele desvio do septo traz algum tipo de alteração respiratória ao paciente, usando-se da subjetividade e do bom senso de que alguns tipos de DSN visualmente interferem na respiração nasal, são usados como critérios de tratamento do DSN.

O nariz possui mecanismos fisiológicos que também interferem na permeabilidade nasal (ex: ciclo nasal) (15), e a indicação cirúrgica pode se tornar uma dúvida visível para o médico e para o paciente.

Determinar a prevalência do desvio do septo nasal em múltiplas populações certamente direcionaria as atenções para a necessidade de se criar mecanismos mais efetivos, que permitam auxiliar na indicação do tratamento cirúrgico quando o profissional estiver frente a um paciente com um desvio do septo nasal.

CONCLUSÃO

O desvio do septo nasal é uma alteração anatômica comum (60%), na maioria das vezes é sintomático (60%) e é mais comum em homens.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Roithmann R. Estudos de estrutura e função da área da válvula nasal [dissertação]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1997.

2. Bettega, SG. Eletromiografia de contacto dos músculos da parede lateral do nariz no pré e pós-operatório de septoplastia e turbinectomia [dissertação]. Curitiba (PR): Universidade Federal do Paraná; 2002.

3. Mladina R. The role of maxillar morphology in the development of pathologic septal deformities. Rhinology 1987; 25:199-205.

4. Roblin DG, Eccles R. What, if any, is the value of septal surgery? Clin Otolaryngol 2002; 27:77-80.

5. Min Y, Jung H W, Kim C S. Prevalence study of nasal septal deformities in Korea: Results of a nation-wide survey. Rhinology 1995; 33:61-65.

6. Tocik J. Relation between deviation of the nasal septum and diseases of the paranasal sinuses. Cesk Otolaringol 1989; 38:41-4.

7. Gray LP, Fracs MB. Deviated nasal septum - incidence and etiology. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol. Suppl. 1978; 87:3-20.

8. Uygur K, Yariktas M, Tuz M, Doner F, Ozgan A. The incidence of septal deviation in newborns. Kulag Burun Bogaz Ihtis Derg. 2002; 9(2):117-20.

9. Connel D, Fregosi R. Influence of nasal airflow and resistance on nasal dilator muscle during exercise. J Appl Physiol 1993; 74: 2529-36.

10. Elwany S, Thabet H. Obstruction of the nasal valve. J Laryngol Otol.1996; 110:221-4.

11. Vainio-Mattila J. Correlations of nasal symptoms and signs in random sampling study. Acta Otolaryngol Suppl. 1974; 318:1-48.

12. Hungria H. Malformações do septo nasal. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995; 86 - 89.

13. Hardcastle PF, Von Haacke N, Murray JAM. Observer variation in clinical examination of the nasal airway. Clin Otolaryngol. 1985; 10;3-7.

14. Melon J. Physiopathologie générale de la muqueuse nasale. La ventilation nasale. Acta Oto Rhino Laryngol. Belg.1964; 18:148-155.

15. Hasegawa M, Kern EB. The human nasal cycle. Mayo Clin Proc. 1977; 52:28.
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