Title
Search
All Issues
6
Ano: 2005  Vol. 9   Num. 4  - Out/Dez Print:
Original Article
Versão em PDF PDF em Português Versão em PDF PDF em Inglês TextoTexto em Inglês
Avaliação do Emprego do Subgalato de Bismuto no Tamponamento Nasal Anterior após Cirurgia Nasal
Evaluation of Bismuth Subgalate in Nasal Packing after Nasal Surgery
Author(s):
Lucas Gomes Patrocínio*, Joslei dos Santos Paro**, José Antônio Patrocínio***.
Palavras-chave:
turbinectomia, septoplastia, tampão nasal, subgalato de bismuto.
Resumo:

Introdução: Para a cirurgia nasal, o tamponamento nasal de gaze é o método classicamente utilizado para o controle do sangramento. A aplicação do subgalato de bismuto como agente hemostásico já foi demonstrada em vários estudos experimentais e na cirurgia de adenoamigdalectomia. O seu emprego como agente hemostático no nariz ainda não foi demonstrado na literatura. Objetivo: Avaliar o emprego do subgalato de bismuto no tamponamento nasal anterior após cirurgia nasal, comparando a evolução pós-operatória quanto ao sangramento e às possíveis complicações, com acompanhamento de 30 dias. Métodos: Foram operados 18 pacientes atendidos consecutivamente com diagnóstico de desvio de septo nasal e rinite crônica hipertrófica. O emprego do subgalato de bismuto no tamponamento foi randomizado para cada fossa nasal de cada paciente. Este foi avaliado com 0, 1, 7, 14 e 30 dias de pós-operatório, quanto ao quadro clínico (dor, ardência, prurido, epífora, epistaxe, hiposmia, obstrução nasal) e à rinoscopia anterior (edema, crostas, sinéquia) por um outro otorrinolaringologista ("cego"). Resultados: Na comparação pós-operatória, houve predomínio das seguintes queixas subjetivas pelos pacientes na fossa nasal em que o subgalato de bismuto foi empregado: dor, prurido, edema, obstrução, crostas e sinéquia (com significância estatística nos últimos três). Não houve diferença com relação ao sangramento após a retirada do tampão anterior. Conclusão: O emprego do subgalato de bismuto no tampão nasal anterior após cirurgia nasal, em 30 dias de acompanhamento, apresentou mais complicações, sem aumentar o benefício, sendo desencorajado o seu uso.

INTRODUÇÃO

O sangramento pós-operatório é uma das mais temidas complicações nos procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos e, provavelmente, a principal causa de atendimento de urgência após a cirurgia (1).

A adenoamigalectomia e a septoplastia associada a turbinectomia parcial inferior bilateral são atualmente as cirurgias mais realizadas pelo otorrinolaringologista (2). Apresentam resultados altamente satisfatórios, porém podem apresentar o sangramento como complicação importante no pós-operatório.

A aplicação do subgalato de bismuto como agente hemostásico já foi demonstrada em vários estudos experimentais e na cirurgia de adenoamigdalectomia (3,4). Para a cirurgia nasal, o tamponamento nasal de gaze é o método classicamente utilizado para o controle do sangramento (1,5).

Portanto, objetivamos avaliar o emprego do subgalato de bismuto no tamponamento nasal anterior após cirurgia nasal, comparando a evolução pós-operatória quanto ao sangramento e às possíveis complicações, com acompanhamento de 30 dias.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes

Em setembro de 2001, foram operados 18 pacientes atendidos consecutivamente no Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia com diagnóstico de desvio de septo nasal e rinite crônica hipertrófica. Foram critérios de inclusão: obstrução nasal crônica, ausência de tratamento cirúrgico nasal anterior, tratamento clínico exaustivo insatisfatório, rinofaringe livre. Foram critérios de exclusão: pólipo nasal, hipertrofia de adenóide, tumores nasossinusais e de nasofaringe.

Método

Na consulta pré-operatória, o paciente foi examinado por um otorrinolaringologista, que colheu a história clínica e realizou o exame físico otorrinolaringológico e a videonasofibroscopia.

Foi realizada a cirurgia (septoplastia associada a turbinectomia parcial inferior bilateral) com colocação de tampão nasal anterior por 24 horas. Em uma das fossas nasais, aleatoriamente, foi posicionado um tampão no qual havia subgalato de bismuto.

O paciente foi avaliado com 0, 1, 7, 14 e 30 dias de pós-operatório (PO), quanto ao quadro clínico (dor, ardência, prurido, epífora, epistaxe, hiposmia, obstrução nasal) e à rinoscopia anterior (edema, crostas, sinéquia) por um outro otorrinolaringologista, cego quanto a qual fossa nasal foi empregado o tampão com subgalato de bismuto.

Técnica cirúrgica

Todos os procedimentos cirúrgicos foram realizados sob anestesia local: sedação e analgesia; anestesia tópica com tetracaína 2% + oximetazolina 0,5%; anestesia infiltrativa extravascular com bipuvacaína 0,5% + epinefrina 1:80.000 no forame infra-orbital, canto interno do olho, vestíbulo nasal, teto etmoidal e ao longo do septo nasal e da concha nasal inferior (6).

A septoplastia foi realizada do seguinte modo: exposição da região caudal da cartilagem quadrangular com auxílio do espéculo nasal do lado côncavo do desvio; incisão de mucosa pré-septal; descolamento submuco¬pericondral; retirada de fita de cartilagem quadrangular perpendicular ao assoalho com cerca de 2 a 3 mm de largura ao nível do assoalho e 1mm no teto nasal, no local onde ocorria a deflexão máxima do desvio; retirada de outras fitas de cartilagem quadrangular caso fosse necessário; retirada do esporão ósteo-cartilaginoso do assoalho com cinzel de 3 mm; retirada da porção da lâmina perpendicular do etmóide que se encontrava desviada; sutura com categute simples 4-0 (7).

A turbinectomia parcial inferior foi realizada do seguinte modo: marcação e secção longitudinal parcial da concha nasal inferior com tesoura de Knight; retirada da porção seccionada (incluindo cabeça, corpo e cauda) com pinça de Takahashi; eletrocauterização com alta freqüência do leito sangrante; fratura lateral da porção restante da concha nasal inferior (2).

Após o procedimento cirúrgico, foi feito tampona¬mento nasal anterior por 24 horas com gaze montada com pomada de neomicina. Foi associado, aleatoriamente, o subgalato de bismuto no tampão de uma das fossas nasais.

Análise estatística

Para verificar a significância estatística da diferença entre os dois métodos cirúrgicos, foi realizado o teste de 2 ou o teste exato de Fisher. Foi considerado estatisticamente significante quando p<0,05.



Aspectos éticos

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da nossa instituição. Uma autorização esclarecida e informada foi assinada por todos pacientes.

RESULTADOS

Foram operados 18 pacientes, sendo 9 (50,0%) do sexo feminino e 9 (50,0%) do sexo masculino. A idade dos pacientes variou de 15 a 48 anos (com média de 28,7 anos).

Na comparação pós-operatória, houve predomínio das queixas subjetivas pelos pacientes na fossa nasal em que o subgalato de bismuto foi empregado no tampão nasal nos seguintes sintomas: dor, prurido, obstrução (com significância estatística no 14º PO) e ardência (sendo que este último foi estatisticamente significante no PO imediato, 1º PO e no total geral das avaliações). Não houve diferença com relação ao sangramento PO após a retirada do tampão anterior (Tabela 1).

Com relação à avaliação subjetiva pelo otorrinolaringologista, na fossa nasal em que foi empregado o subgalato de bismuto, houve maior incidência de edema, crostas (com significância estatística no 30º PO) e sinéquia (com significância estatística no 14º PO) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

A cirurgia de turbinectomia parcial bilateral das conchas nasais inferiores é hoje uma das mais executadas na rotina da Otorrinolaringologia. Sua eficácia e segurança têm sido demonstradas por vários estudos (2,8-11). Pode ser indicada como procedimento isolado ou associado a outras cirurgias em diversas afecções das cavidades nasais, notadamente nas de caráter obstrutivo. Apresenta como complicações mais freqüentes o sangramento pós-operatório, as infecções, as crostas, as sinéquias e a dor (2,12).

Várias técnicas objetivando melhorar a recuperação pós-operatória e diminuir ou evitar estas complicações têm sido descritas na literatura, como por exemplo, tamponamento nasal, splint nasal, Gelfoam®, Merogel®, etc (8-13).

O subgalato de bismuto é um metal pesado, relativamente insolúvel, de pobre absorção e forte poder adstringente (3). Segundo estudos de THOKIDOTTIK e col (14), foi demonstrado que esse metal pesado atua na cascata da coagulação, por meio da via extrínseca, especificamente no fator XII, causando, assim, uma aceleração na atividade hemostática. Além dessa comprovação laboratorial, acredita-se em seu efeito adstringente sobre a área cruenta. Nenhum efeito colateral ou tóxico tem sido descrito na literatura como agente hemostático (15).

Em estudos realizados por outros autores, quanto à efetividade do método cirúrgico e a porcentagem de sangramento pós-operatório, foi demonstrado por MANIGLIA e col (1989) a extrema efetividade do subgalato de bismuto como agente coadjuvante na adenotonsilectomia, obtendo um índice de 0,28% de sangramento no período pós-operatório, num total de 1.428 casos (3). Em um estudo de MOLINA e col (2000), o índice de sangramento no período pós-operatório foi de 0,33% em um total de 307 casos operados, comparam-se satisfatoriamente com a literatura (16).

O uso do subgalato de bismuto no nariz como agente hemostático ainda não havia sido descrito na literatura. Diferentes tampões nasais e substâncias químicas foram descritos e aplicados no pós-operatório de cirurgia nasal: gaze embebida em furacin (17), rede de parafina ou gaze com vaselina (18), gazes com pomadas de antibióticos (19), "splints" internos que suportam fraturas de ossos nasais (20), a combinação de um suporte interno e externo, através de fixação transcutânea (21), molde plástico do frasco de soro (1), entre outros.

No presente estudo, apesar do baixo número de pacientes, evidenciamos um aumento das complicações como crostas, sinéquia e edema, e das queixas de dor, prurido e obstrução no emprego do subgalato de bismuto. Na avaliação estatística, a presença de ardência, obstrução, crostas e sinéquia foi superior quando utilizado o subgalato de bismuto (p<0,05).

Ao mesmo tempo, o uso do subgalato de bismuto não promoveu alteração na incidência de sangramento pós-operatório após a retirada do tampão anterior. Logo, não houve benefício na aplicação deste agente químico.

A eficácia do subgalato de bismuto como agente hemostático já foi questionada por alguns autores, principalmente HATTON (2000), que demonstrou que em todos trabalhos em que este agente foi eficaz havia associação de epinefrina na sua preparação (22). No presente estudo, não utilizamos epinefrina na preparação do subgalato de bismuto.

A utilização do tampão nasal anterior após cirurgias nasais já não faz mais parte da nossa rotina cirúrgica. Restringimos sua utilização apenas para casos de epistaxe posterior e/ou superior em que o paciente não apresenta condições clínicas para ser submetido a ligadura/cauterização cirúrgica do vaso sangrante. Entretanto, muitos otorrinola¬ringo¬logistas ainda defendem o uso do tampão após a cirurgia, portanto este trabalho tem sua importância ao demonstrar o efeito deletério do subgalato de bismuto e, assim, desencorajar sua utilização.

Apesar dos avanços tecnológicos experimentados pela Otorrinolaringologia desde a propedêutica até o tratamento cirúrgico, não se conseguiu estabelecer medidas efetivamente seguras e eficazes para a prevenção de hemorragias, sinéquias e crostas após cirurgias das conchas nasais inferiores, figurando como as principais complicações pós-operatórias (2).

CONCLUSÕES

A comparação entre a utilização do subgalato de bismuto no tampão nasal anterior após cirurgia nasal demonstrou um aumento das queixas de dor, prurido e obstrução e das complicações como crostas, sinéquia e edema, e, ao mesmo tempo, não promoveu alteração na incidência de sangramento pós-operatório.

Concluímos que o emprego do subgalato de bismuto no tampão nasal anterior após cirurgia nasal, em 30 dias de acompanhamento, apresentou mais complicações, sem aumentar o benefício, sendo desencorajado o seu uso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Patrocínio JA, Watanabe CM, Patrocínio LG. Tamponamento nasal anterior em turbinectomia parcial inferior: um novo método. Arq Otorrinolaringol, 2004, 8(4):270-4.

2. Patrocínio JA, Patrocínio LG, Paro JS, Alvarenga HA, Amaral PM, Reinhart RJY. Turbinectomia parcial inferior versus cauterização submucosa para hipertrofia da concha nasal inferior. Arq Otorrinolaringol, 2003, 7(3):225-30.

3. Maniglia AJ. Adenotonsillectomy: a safe outpatient procedure. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 1989, 115:92-4.

4. Nassif ACN, Patrocínio JA. O subgalato de bismuto nas amigdalectomias. RBM, 1978, 35(8):505-6.

5. Cortiss EH. Diagnosis and treatment of nasal airway obstruction due to inferior turbinate hypertrophy. Clin Plast Surg, 1988, 15(1): 1-3.

6. Patrocínio JA, Patrocínio LG, Ramin SL, Souza DD, Maniglia JV, Maniglia AJ. Anestesia. In: Maniglia AJ, Maniglia JJ, Maniglia JV (editores). Rinoplastia: estética, funcional e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2001, p. 62-8.

7. Mocellin M, Patrocínio JA. Septoplastia; Técnica de Metzembaum. Rev Bras Otorrinolaringol, 1990, 56:105-10.

8. Elwany S, Harrison R. Inferior turbinectomy: comparison of four techniques. J Laryngol Otol, 1990, 104:206-9.

9. Ophir D, Schindel D, Halperin D, Marshak G. Long-term follow-up of the effectiveness and safety of inferior turbinectomy. Plast Reconstr Surg, 1992, 90:980-7.

10. Fradis M, Golz A, Danino J. Inferior turbinectomy versus submucosal diathermy for inferior turbinate hypertrophy. Ann Otol Rhinol Laryngol, 2000, 109:1040-5.

11. Rakover Y, Rosen G. A comparison of partial inferior turbinectomy and cryosurgery for hypertrophic inferior turbinates. J Laryngol Otol, 1996, 110:732-5.

12. Hol MKS, Huizing EH. Treatment of inferior turbinate pathology: a review and critical evaluation of the different techniques. Rhinology, 2000, 38:157-66.

13. Patrocínio JA, Amaral PM, Garrote FIG, Reinhart RY, Patrocínio LG. Eficácia do ácido hialurônico (Merogel) na turbinectomia parcial inferior. Arq Otorrinolaringol, 2002, 6(3):211-4.

14. Thorisdottir H, Ratnoff O, Maniglia A. Activation of Hageman factor (Factor XII) by bismuth subgallate, a hemostatic agent. J Lab Clin Med, 1998, 112:481-6.

15. Lowe DL. Adverse Effects of Bismuth Subgallate: A further report from the Australian Drug Evaluation Committee. Med J Aust, 1974, 2:664-6.

16. Molina FD, Maniglia JV, Magalhães FP, Dafico SR, Rezende RS. A eficácia do subgalato de bismuto em tonsilectomias como agente hemostático. Rev Bras Otorrinolaringol, 2000, 66(3):194-7.

17. Loré JM. Atlas of Head and Neck Surgery. Philadelphia: Saunders Company; 1962.

18. Schultz LW. Nasal splints. Advantages, disadvantages and author's modifications. Am J Surg, 1957, 94: 897-9.

19. Huizing EH, Pirsig W, Wentges R, Hellmich S, Kern E, Olphen A. Unanimity and diversity in nasal surgery. Rhinology, 1989, 9:15-23.

20. Oldfield MC. Splints for fractured noses. Br Med J, 1947, 1:255.

21. Maliniac JW. The role of the septum in rhinoplasty. Arch Otolaryngol, 1948, 48:189-201.

22. Hatton RC. Bismuth subgallate epinephrine post in adeno-tonsillectomies. Ann Pharmacother, 2000, 34(4):522-5.
  Print:

 

All right reserved. Prohibited the reproduction of papers
without previous authorization of FORL © 1997- 2024