INTRODUÇÃOO rabdomioma é considerado um tumor benigno, raro, que se origina das células musculares estriadas (1,2). O tumor pode apresentar-se de duas formas: a cardíaca, forma mais freqüente, preferencialmente em crianças, e freqüentemente associada a outras malformações como a esclerose tuberosa (em até 50% dos casos), facomatose ou distúrbios do metabolismo do glicogênio, e a extra-cardíaca, forma mais rara, com poucos casos relatados na literatura (3,4).
O rabdomioma extra-cardíaco pode ser classificado histologicamente em três variantes: adulto, fetal e genital. As duas primeiras apresentam predileção pela região de cabeça e pescoço (aproximadamente 90% dos casos), especialmente o trato aerodigestivo (faringe, laringe e cavidade oral) ou tecidos moles, embora possa ocorrer mais raramente em outros sítios como a órbita, bexiga, esôfago, tronco e extremidades. As formas fetal e adulta diferem em relação à faixa etária acometida: o fetal, ocorrendo em crianças com faixa etária geralmente abaixo dos três anos e o adulto mais comum na quinta década, mostrando predileção pelo sexo masculino (4:1) (1,4,5).
Apresentamos a seguir o caso de um paciente com rabdomioma do tipo adulto acometendo a musculatura extrínseca da laringe, os achados de imagem, citológicos (punção aspirativa), acesso cirúrgico, assim como aspectos histopatológicos relacionados ao tumor.
RELATO DE CASOPaciente do sexo masculino, 34 anos, hígido, apresentou-se com queixa de nódulo no pescoço percebido ao fazer a barba. Negava outras queixas, emagrecimento, história de tabagismo ou etilismo. Ao exame físico apresentava massa indolor, consistência fibroelástica, em região submandibular e cervical média esquerda (nível III), com aproximadamente 2 a 3 centímetros de diâmetro.
Na ocasião foi solicitado ultrassonografia cervical que evidenciou formação nodular sólida em região submandibular esquerda, medindo 3,3 x 3,1 x 3,0 cm. Realizada punção aspirativa com agulha fina (PAAF) cujo resultado foi inconclusivo. A repunção realizada no mesmo serviço foi compatível com aspecto citológico de tecido linfóide reacional. Foram solicitados hemograma, sorologias para toxoplasmose e citomegalovírus, com resultados normais. Nesse momento, foi orientada observação clínica do caso e retorno em três meses para reavaliação.
Após seis meses o paciente retornou com queixa de aumento do abaulamento cervical, sem outra sintomatologia. Ao exame físico, notava-se aumento da massa cervical descrita (aproximadamente 4 cm no maior diâmetro, níveis II - III), sendo a oroscopia e nasofibroscopia normais. Foi solicitado exame de tomografia computadorizada que mostrou nódulo sólido, de contornos nítidos, atenuação homogênea, com captação de contraste, anteriormente a artéria carótida comum e veia jugular, medindo aproximadamente 3,8 X 3,7 X 2,5 cm. A lesão desloca superiormente a glândula submandibular esquerda, não apresentando plano de clivagem nítido com a mesma, e atinge o espaço parafaríngeo esquerdo, com impressão sobre a laringe, apagando a prega ariepiglótica esquerda, e associando-se a foco de rarefação da cartilagem tireóide. Também se observam linfonodos aumentados em região submandibular, com até 1,5 cm em nível II bilateralmente (Figura 1).
A seguir, o paciente realizou exame de ressonância magnética que mostrou lesão em espaço submandibular esquerdo, medindo cerca de 5 cm em seus maiores diâmetros, que desloca a glândula submandibular superiormente, sem apresentar plano de clivagem nítido com seu pólo inferior. Observa-se também que a lesão insinua-se profundamente ao osso hióide, chegando até a submucosa hipofaringe, deformando a parede lateral do seio piriforme (Figura 2).
Diante do quadro, realizou-se nova PAAF, em outro serviço, cujo resultado citológico foi de neoplasia de células musculares esqueléticas, sugestivo de rabdomioma (do tipo adulto) (Figura 3).
O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico com remoção completa da lesão tumoral (Figuras 4 e 5). O resultado histopatológico final foi de rabdomioma do tipo adulto (Figura 6). Exames imunocito e histoquímico foram realizados, apresentando positividade para HHF-35 (actina muscular) em ambos, positividade para mioglobina na citologia e negatividade na histologia e negatividade para citoqueratinas (AE1+AE3) em ambos preparados (Figura 7).
DISCUSSÃOO rabdomioma extra-cardíaco do tipo adulto é um tumor extremamente raro, que apresenta predileção pela região de cabeça e pescoço, embora possa ocorrer em outras regiões como a vagina, bexiga, tronco e extremidades (1,6). O tumor é mais freqüentemente encontrado na musculatura derivada dos arcos faríngeos e, na região cervical, os locais mais freqüentemente acometidos são: laringe, região submandibular, espaço parafaríngeo, cavidade oral e rinofaringe (3,7).
Clinicamente o tumor costuma manifestar-se como uma massa cervical de crescimento lento e indolor, coincidindo com a natureza sua benigna, e estando sua sintomatologia associada a localização (7,8). Mais raramente o tumor pode apresentar-se como uma lesão multicêntrica, acometendo as regiões previamente citadas (3).
Embora sua histogênese esteja bem estabelecida, sua natureza precisa é discutível e incerta. Devido ao alto grau de diferenciação celular e seu crescimento lento, alguns autores sugerem que o rabdomioma do tipo adulto não seja uma neoplasia verdadeira, mas uma lesão tecidual reativa ou hamartoma (2,4). No entanto, estudos recentes demonstraram a ocorrência de anormalidade clonal cromossômica no tumor, reforçando a hipótese de tratar-se de uma neoplasia verdadeira (9).
O diagnóstico do tumor é anátomo-patológico, podendo geralmente ser facilmente definido. Poucos casos podem causar dificuldade diagnóstica e precisam ser diferenciados de outros tumores ou lesões reativas tais como o tumor de células granulares, hibernoma, rabdomioma do tipo fetal, rabdomiossarcoma, e o próprio tecido muscular esquelético normal (1). A imunohistoquímica foi realizada e confirmou a diferenciação de tecido muscular esquelético.
O diagnóstico através do exame citológico (PAAF) pode ser difícil, sendo importante para o patologista acesso aos dados clínico-radiológico, pois pelo seu alto grau de diferenciação o tumor pode assemelhar-se histologicamente ao tecido muscular esquelético normal (7,10).
No exame anatomopatológico da peça cirúrgica observam-se: células grandes, poligonais, com núcleo pequeno e redondo, localizado preferencialmente na região central, nucléolo abundante e proeminente, citoplasma eosinofílico e granular, com a presença de grandes vacúolos citoplasmáticos na periferia em algumas células (1,9,10).
O rabdomioma extra-cardíaco do tipo adulto não apresenta transformação maligna e seu tratamento é a excisão cirúrgica, sendo que geralmente a lesão tumoral apresenta um plano de clivagem com as estruturas adjacentes (11). É importante salientar a necessidade de excisão completa da lesão, pois este costuma apresentar caráter recidivante (em torno de 15% dos casos), geralmente secundária a excisão incompleta. A recorrência da lesão costuma ocorrer anos após sua retirada, devido a seu caráter de crescimento lento. Existem casos de recorrência relatados até 30 anos após a cirurgia (3,9).
Neste caso, logo após a cervicotomia, no plano subplastimal, observamos o aparecimento de uma massa lobulada, contorno regular, que apresentava plano de clivagem com as outras estruturas, sendo facilmente individualizada. O tumor estendia-se a região do seio piriforme, anteriormente a artéria carótida e veia jugular (Figuras 5). Profundamente, a lesão apresentava-se aderida à musculatura constritora da faringe, podendo-se individualizar o nervo laríngeo superior (Figura 6). Macroscopica¬mente o tumor apresentava-se como uma massa lobulada, consistência endurecida, e de aspecto homogêneo (Figura 7).
O paciente encontra-se no vigésimo mês pós-operatório, evoluindo bem e sem sinais clínicos de recidiva.
COMENTÁRIOS FINAISO rabdomioma extra-cardíaco do tipo adulto deve ser lembrado no diagnóstico diferencial de massas cervicais. No seu diagnóstico é importante a combinação dos dados clínico-radiológicos e histopatológicos para diferenciar do tecido esquelético normal e outras neoplasias (tumor de células granulares, hibernoma, rabdomiossarcoma). No tratamento deve-se garantir a exérese completa da lesão, evitando assim sua recorrência.
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