INTRODUÇÃO
Não há dúvida, ninguém questiona as dificuldades que um indivíduo com perda de audição profunda bilateral deve vivenciar. Não há necessidade de comparar deficiências para justificar a validade de qualquer tentativa de permitir-lhes que vivam em um mundo semelhante aos demais. Tanto o cego, como o surdo, como o deficiente físico, infelizmente são considerados incapazes por muitas pessoas. Um paciente comentou um dia, "Minha família quer resolver os problemas por mim; eles não entendem que eu posso pensar, só não ouço bem".
Devolver-lhes a sensação de que fazem parte de um mundo sonoro não deixa de ser parte da tentativa de situá-los no mundo sonoro. Não há ciência nisso. A ciência está em como fazer isso, já que para muitos, mesmo as mais potentes próteses auditivas não são suficientes para vencerem a barreira coclear. O implante coclear é uma alternativa para aqueles deficientes auditivos que não se beneficiam com as próteses auditivas convencionais mais potentes.
O alto custo do Implante Coclear fez com que o HCFMUSP em associação com o setor de Bioengenharia do INCOR aceitassem o desafio de desenvolver uma unidade nacional, que atendesse às necessidades do deficiente auditivo profundo bilateral e da realidade brasileira.
O papel dos audiologistas inicia-se com a avaliação das características audiológicas do candidato a implante, antes da cirurgia. É feita a avaliação do aproveitamento auditivo da prótese convencional (Quadro 1) para determinarmos até que ponto o paciente pode perceber sons ambientais e/ou de fala, e se o implante poderá fornecer melhor percepção do som.
Nessa fase é muito importante a orientação quanto aos reais benefícios e limitações do implante, para que eventuais frustrações não interfiram no aproveitamento do aparelho. Na adequação das expectativas é importante salientar que o implante coclear não vai torná-lo um ouvinte da noite para o dia, como a maioria gostaria. Ele continuará a ter as dificuldades de um indivíduo surdo, porém minimizadas pelo uso do implante. O aspecto cirúrgico do Implante Coclear atua psicologicamente como uma "solução" ao problema, e não é. É um recurso. O implante permitirá uma leitura de fala mais efetiva, já que nem todos os sons são visíveis. O paciente poderá obter pistas auditivas desses sons, favorecendo a comunicação. Por exemplo, nas frases "Maria, vem jantar!" e "Maria vem jantar?", a leitura labial é muito semelhante; se o indivíduo puder perceber o ritmo e as pausas das duas frases, poderá facilmente diferenciá-las.
Além disso, ele será capaz de controlar sua própria voz, melhorando a qualidade vocal e adequando a intensidade. A possibilidade de perceber os sons de alerta, como campainha, batida de porta, soar do telefone, buzinas, permitem ao paciente sentir-se novamente fazendo parte do mundo sonoro em que vivemos.
Tanto o paciente, a família, como o audiologista devem estar muito cientes das limitações do aparelho, de tal forma que os objetivos do trabalho sejam realistas.
Percebemos com os primeiros pacientes, que não era viável "bombardeá-los" com treinamento auditivo exigindo discriminação auditiva sem apoio visual, ou esperando o pronto reconhecimento de traços segmentais da fala (como a diferenciação de fonemas parecidos), pois fugiam totalmente do alcance das possibilidades do aparelho monocanal.
As limitações de cada tipo de aparelho são diferentes, cada paciente é diferente, cada programa enfatiza diferentes parâmetros. Portanto, conhecer o funcionamento de cada equipamento é primordial para sabermos o que esperar e como chegar lá, enfim, estabelecermos os objetivos do trabalho fonoaudiológico.
O aparelho monocanal FMUSP-1
A captação do som é feita por um mini-microfone ligado a um circuito amplificador e um banco de filtros, o qual decompõe o sinal elétrico em determinadas faixas de freqüências. A partir da freqüência mais alta para a mais baixa, ele busca a que primeiro ultrapassar o equivalente a um determinado nível de energia sonora, estabelecido em 50 dB (NPS). Portanto, nenhum som abaixo de 50 dB é percebido pelo paciente (ruído de fundo). O estímulo gerado é transmitido ao receptor implantado, uma bobina que funciona como antena, captando sinais em rádio-freqüência. Daí, o estímulo é levado ao eletrodo.
Pelo fato de ser um aparelho monocanal, somente algumas freqüências são transmitidas ao eletrodo, independente de cada som ter originalmente seu espectro. Isto leva a dificuldades de diferenciação entre os sons, principalmente entre aqueles que têm freqüências de maior amplitude semelhantes. Conseqüentemente, é muito difícil a discriminação de sons, sobretudo de fala, em open-set, sem o apoio visual. Isso porque o indivíduo só recebe uma pequena parte do espectro, às vezes correspondendo a freqüências que nem sempre são as mais importantes para o reconhecimento. Os sons complexos, por apresentarem outros parâmetros como percussão, sopro, impacto e tipo da fonte, permitem alguma discriminação.
O objetivo do trabalho fonoaudiológico não será, portanto, a discriminação de sons, mas a identificação da sua presença ou ausência e das pistas que eles possam fornecer.
Após a cirurgia do Implante, inicia-se o treinamento auditivo, com a identificação e atenção às pistas auditivas.
Acompanhamento pós-Implante
Seguindo os passos do treinamento auditivo tradicional, a identificação da presença e ausência de sons tem como finalidade dar ao paciente a nova característica do som pelo Implante, além de também "acordar" suas memórias auditivas. As principais etapas seguidas são:
1. Identificar a presença e ausência de um estímulo sonoro.
2. Reconhecer pistas dadas por sons complexos: é a construção de um banco de pistas que permitirá, posteriormente, a discriminação de alguns sons.
duração: sem dúvida, é a característica do som mais facilmente percebida por todos os pacientes (pausas, posição das pausas, duração do som e do silêncio).
- contínuo x interrompido
- longo x curto
- número de estímulos
- ritmo
freqüência: a identificação depende do espectro, da fonte, do som emitido ou gerado.
amplitude: alguns pacientes referem claramente a identificação da pista amplitude, podendo diferenciar sons de freqüências semelhantes através da pista mais forte, mais fraco.
3. Reconhecer pistas dadas por sons de fala: são usadas palavras e frases para o treinamento, tanto isoladas como associadas a som ou ruído de fundo, seja de outra fonte ou ruído ambiental. O treinamento é feito com e sem o apoio visual.
duração
- frase/palavra longa x curta
- número de sílabas de uma palavra ou palavras em uma frase
freqüência
amplitude
4. Diferenciar os sons como iguais ou diferentes baseando-se nas pistas levantadas no reconhecimento: são apresentados sons instrumentais e de fala para identificação da similaridade ou diferença, usando pistas auditivas sem apoio visual. O início do trabalho é feito em closed-set (instrumentos conhecidos e fala pré-determinada) e a seguir, em open-set (fala).
5. Utilização do telefone
início com percepção da presença do toque da campainha do telefone
percepção da presença da voz do outro ao telefone
percepção do número de estímulos da voz do outro pelo telefone
treino de códigos baseados no número de estímulos, por exemplo:
sim x não (Você pode vir me buscar às 7 horas (NÃO. Então, você pode vir às 8 horas (SIM/SIM)
Após três meses é feita a primeira avaliação da contribuição do implante para o reconhecimento de sons ambientais, leitura labial, controle de voz e para a comunicação (quadro 1). Os dados dessa avaliação são complementados por um questionário respondido pelo próprio paciente (avaliação da contribuição do Implante Coclear no dia-a-dia em casa, na rua e no trabalho).
O acompanhamento fonoaudiológico dos pacientes adultos, após a fase inicial, continua mensal e bimestralmente, adequando a atenção e percepção auditivas aos eventuais ajustes no processador de som, de acordo com as necessidades e aproveitamento de cada um.