INTRODUÇÃOAs Emissões Otoacústicas (EOA) são sons que emergem do canal auditivo quando (paradoxalmente) a membrana timpânica recebe vibrações vindas da cóclea transmitidas pela orelha média (KEMP, 2002). Essas vibrações ocorrem como um subproduto de um mecanismo coclear específico e vulnerável que se tornou conhecido como "amplificador coclear" e que contribui enormemente para a sensibilidade auditiva e a discriminação de frequências (KEMP, 1978; KEMP, 2002). Este exame participa em qualquer circunstância clínica em que o objetivo da avaliação seja observar o funcionamento da cóclea (KEMP, 1997; KEMP, 2002) (10,12).
Na prática clínica as emissões podem ser registradas de maneira espontânea ou evocada por estimulação acústica, sendo está última dividida em Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes (EOAT), eliciadas por sinais acústicos de curta duração (clicks) e Emissões Otoacústicas Evocadas por Produto de Distorção (EOADP), evocadas por 2 tons puros de diferentes freqüências apresentados simultaneamente (GATTAZ e CERRUTI, 1994) (5).
Na grande maioria das orelhas saudáveis, as EOA estão presentes, podendo ser registradas quando os limiares forem melhores que 25dBNA nas freqüências de 250Hz a 8KHz nas EOAT e nas EOADP, melhores que 45dBNA nas mesmas freqüências (KEMP e col., 1986; HARRIS et al., 1991, HARRIS e PROBST, 1997; LOPES FO. e CARLOS, 2005). Quando a cóclea é afetada por exposição a ruido, trauma acústico, administração de drogas, cirurgia, idade e estimulação contralateral, as EOAT podem sofrer alteração, tanto na composição de frequências como na amplitude (HARRIS et al., 1991), sendo por esse motivo uma técnica sensível para identificar mudanças na função coclear ao longo do tempo (KEMP, 2002) (7,8,10,11,15).
Pelo fato de que a ototoxicidade associada à administração da cisplatina geralmente se apresenta com perda auditiva e zumbido, alguns autores avaliaram o uso das EOA em estudos experimentais (SIE e NORTON, 1997; SOCKALINGAM et al., 2000) enquanto outros preconizam o uso das EOAT como método de monitorização da audição de indivíduos em tratamento envolvendo a Cisplatina (CDDP) (ZOROWKA et al., 1993; ALLEN et al., 1998). Entretanto a maioria não fornece qual o critério objetivo ou preciso de perda de amplitude das EOAT que identifica ou que determina o início do sofrimento da cóclea. Portanto, são necessários estudos para a obtenção da variação das EOAT em indivíduos normais para posterior comparação e monitorização da audição em pacientes oncológicos (1,17,18,19).
Este estudo pretende analisar as variações da amplitude relativa das EOAT encontradas em indivíduos normais entre três sessões distintas.
CASUÍSTICA E MÉTODO Este trabalho foi apresentado e aprovado no Comitê de Ética sob o protocolo número 00-11054-4.
Foram convidados a participar deste estudo indivíduos normais de ambos os sexos, selecionados a partir dos critérios abaixo:
-ausência de queixa de audição;
-ausência de alteração de orelha média ou passado otológico;
-ausência de exposição a ruído ocupacional; e
-ausência de tratamentos com drogas ototóxicas.
Para participar deste estudo, todos os indivíduos deveriam apresentar limiares tonais normais em todas as freqüências testadas de 0,25 a 8 kHz e integridade da orelha média, com presença de curva timpanométrica do tipo A em ambas as orelhas. A avaliação do sistema tímpano-ossicular foi realizada com o Analisador de Orelha média Mini Timp Interacoustics MT10 e repetida em todas as sessões de registro das EOAT.
Foram incluídos 35 indivíduos, sendo 28 deles do sexo feminino, com idade variando entre 21 e 40 anos. Cada indivíduo foi submetido a 3 registros das EOAT com intervalo de pelo menos 1 semana entre cada avaliação, realizados em sala com revestimento acústico, usando o equipamento ILO 292 - Analisador de Emissões Otoacústicas (Otodynamics Ltda. Versão 92), acoplado a um microcomputador portátil Toshiba.
Utilizou-se o estímulo não linear com espectro abrangendo as freqüências de 0.8 a 4kHz, com o registro de 260 clicks, ajustando-se o ganho do equipamento de forma a manter a intensidade do estímulo em valores entre 79 e 82 dB. Observou-se o espectro do estímulo, tentando-se mantê-lo homogêneo para que todas as bandas de freqüências recebessem energia uniforme, entretanto essa homogeneidade nem sempre foi alcançada.
O espectro da resposta (das EOAT) correspondeu às freqüências obtidas dentro da faixa do estímulo utilizado (LOPES FO. e CARLOS, 2005) e foi considerado em bandas de meia-oitava centralizadas em 1.0k, 2.0k, 3.0k e 4.0kHz (15).
O critério para a presença de respostas estabelecido foi uma correlação de, no mínimo, 50% de reprodutibilidade global e em cada banda de freqüência testada, e amplitude global e por bandas de no mínimo 3dB (S/R e" 3dB), já o ruído, não poderia exceder 40dB.
Foram analisadas as variações de amplitude relativa (S/R) entre cada avaliação em cada orelha testada em todas as bandas de freqüências, considerando-se separadamente as variações positivas (aumento de amplitude), negativas (diminuição de amplitude), e nulas (manutenção da amplitude).
Os dados foram submetidos a análises estatísticas utilizando-se ferramentas da estatística descritiva, de distribuição de freqüências central, de variabilidade e de medidas de tendência para descrever as freqüências e o Teste pareado de sinal de Wilcoxon (nível de significância de 5%).
RESULTADOSAs respostas à pesquisa das emissões otoacústicas puderam ser registradas em todas as orelhas testadas, embora algumas faixas de frequência para alguns indivíduos em algumas sessões não atingiram o critério de presença de respostas definido (SNR = 3dB), tendo sido individualmente excluídas.
A Tabela 1 mostra as médias e desvios-padrão da variação da amplitude das respostas da primeira para a segunda avaliação (S1), da segunda para a terceira avaliação (S2), e da primeira para a terceira avaliação (S3), obtidas nos indivíduos com audição normal avaliados.
As Tabelas 2, 3 e 4 mostram que a variação nula das amplitudes das respostas das EOA é a menos freqüente em todas as freqüências testadas nos diferentes intervalos de testagens.
A Tabela 5 mostra que não houve diferença significante dos valores das variações de amplitude entre as diferentes sessões de avaliação.
DISCUSSÃOAs emissões otoacústicas refletem a atividade de mecanismos biológicos ativo dentro da cóclea, responsáveis por uma sensibilidade única, pela precisa seletividade de freqüência e pela larga faixa dinâmica do sistema auditivo normal (NORTON et al., 1999) (16).
Se as emissões se alteram antes que a audição sofra alterações, é possível intervir antes que perdas auditivas definitivas se instalem. De fato, LAPSLEY MILLER et al. (2004) sugerem existir redundância no número de células ciliadas externas, portanto a lesão de um número considerável de células não resultaria em queda do limiar auditivo, mas sim da amplitude das emissões otoacústicas (13).
A monitorização auditiva pode resultar assim, na detecção precoce de perdas auditivas induzidas por drogas ototóxicas e ruídos ocupacionais, podendo gerar condutas profiláticas importantes.
Embora HARRIS et al. (1991), LITTMAN et al. (1998), entre outros, tenham observado a contribuição da pesquisa das emissões produto de distorção para a identificação do efeito ototóxico, GUEDES et al. (2002) observaram maior variabilidade das respostas da EOAPD, sobretudo nas freqüências acima de 4 kHz, do que da EOAT. Pela rapidez do registro, pela informação espectral disponível no software ILO 292 e por buscarmos variações mínimas de amplitude optou-se neste trabalho pela realização das EOAT. Por outro lado, não está provado que a presença do efeito ototóxico nas freqüências agudas se estenda às freqüências convencionais, mesmo após doses cumulativas. Na maioria dos casos, não se estuda a interrupção ou modificação da conduta terapêutica a não ser que a perda de audição interfira na percepção de fala, na comunicação ou no desenvolvimento de linguagem. Portanto a identificação precoce de efeitos ototóxicos nas freqüências até 4 kHz é absolutamente relevante (6, 8, 14).
Os resultados mostram o mesmo padrão de variação em todas as bandas de freqüência, em todas as sessões de avaliação. Da mesma forma, as Tabelas de 2 a 4, mostram que as variações podem ser tanto para um aumento da amplitude na testagem subseqüente quanto para uma diminuição, havendo uma menor freqüência de variações nulas.
Para um adequado registro das EOA, além da verificação da colocação da sonda, do ruído do próprio paciente (respiração e deglutição) e do ambiente, existe a preocupação com a integridade do sistema tímpano-ossicular, pois em estados patológicos, os efeitos de massa e de rigidez apresentam um desequilíbrio de função, alterando o padrão de transmissão da onda sonora que pretende atingir a orelha interna e também interferindo na transmissão das emissões cocleares, que pretendem atingir a membrana timpânica (LOPES FO e CARLOS, 2005) (15).
A compreensão de como os fatores extrínsecos interferem nas EOAT é importante para a obtenção de resultados válidos e para a determinação de situações quando as mudanças podem ser atribuidas predominantemente a fatores cocleares (HARRIS et al., 1991). Fatores extrínsecos tais como situação do conduto auditivo externo e da orelha média, ruído ambiental e intensidade do estímulo foram controlados na medida do possível durante o estudo para que as variações encontradas pudessem ser consideradas como decorrentes de eventos cocleares. Todos os indivíduos apresentaram curvas timpanométricas normais e presença de reflexos estapedianos em todas as frequências testadas bilateralmente, em todas as sessões de avaliação. Para tornar as avaliações similares foram controladas as variáveis do ruído externo e do equipamento (artefato) (limitado a 40 dB), da intensidade do estímulo, que foi ajustada manualmente em torno de 80 dB, número de apresentações, embora KEMP (1997) tenha sugerido que 50 respostas captadas no silêncio (acima do nível de rejeição) seriam suficientes para considerar uma resposta presente aceitável e confiável, o registro foi mantido em 260 estímulos (8,9).
É esperado que qualquer mudança nas respostas de indivíduos submetidos a condições de risco para a audição deva ser maior do que a variação teste-reteste intra-indivíduos normais detectada (LAPSLEY MILLER et al., 2004). Ao mesmo tempo, a decisão se a variação foi devida ao sofrimento da cóclea exige que o especialista conheça a magnitude da diferença (BEATTIE et al., 2003). Entretanto observamos em nossa amostra que mesmo indivíduos com audição normal estão sujeitos a variações que excedem até mesmo o critério de presença e ausência (SNR > 3dB) (2,13).
Embora as amplitudes das EOA possam diferir enormemente entre orelhas normais, elas geralmente são muito similares entre as orelhas direita e esquerda (KEMP, 2002) e apesar da grande variabilidade de amplitude encontrada tanto em nossos resultados como na literatura, ZOROWKA et al. (1993) comentaram que as variações mantêm uma constância no mesmo indivíduo. De fato, apesar da variabilidade identificada em nossa casuística, não houve diferença significante entre as médias das três sessões registradas (10,19).
Entre os trabalhos que estudaram a reprodutibilidade das emissões, FRANKLIN et al. (1992) encontraram variação aproximada de 2dB na amplitude das EOAT em 12 indivíduos normais. A mesma variação foi encontrada em 10 indivíduos normais num estudo realizado em 3 sessões com intervalo de 3 dias entre cada uma (HARRIS et al., 1991). No estudo de GUEDES et al. (2002) a variação da amplitude global das emissões transientes evocadas encontrada foi de 3.69dB (DP +/- 2dB) (4,6,8).
LAPSLEY MILLER et al. (2004) estudaram 472 indivíduos entre 14 e 49 anos de idade com vários graus de exposição ao ruído durante 4 anos, embora no 4º ano somente 42 indivíduos puderam ser acompanhados. O objetivo foi avaliar a modificação da amplitude das emissões e a correlação com os limiares tonais a cada ano. Avaliaram também 106 orelhas de indivíduos não expostos ao ruído. Observaram que a magnitude da variação das emissões transientes com estímulo não-linear a 74 dB foi similar no grupo com e sem exposição, portanto não pode ser atribuída ao ruído. A variação da amplitude no grupo sem exposição foi entre -0.46 dB e -0.48 dB. Os autores testaram as emissões não-lineares a 74 dB pelo fato de que as emissões transientes a esse nível fornecem alta confiabilidade teste-reteste e o menor artefato entre todos os tipos de emissões (13).
HARRIS et al. (1991) descreveram que em sua casuística, as respostas de menor amplitude variaram de forma similar àquelas de grande amplitude. Segundo os resultados dos autores, a maior variação encontrada foi na frequência de 0.7 kHz (2 dB, SD = 1.5 dB) e a menor diferença foi em 2.4 kHz (0.8 dB, SD = 0.57 dB) (8).
Recentemente, CHAN e MC PHERSON (2000) estudaram a reprodutibilidade das emissões transientes e com tone-burst de trinta jovem chineses com audição normal em três sessões de avaliação. Encontraram que as diferenças de teste-reteste nunca variaram mais do que 6dB na resposta global e nunca mais de 11 dB na resposta por banda. A média da variação no entanto, foi de 0,81 na freqüência de 1 kHz.3
Embora em nosso estudo não tenha sido possível quantificar a variação da amplitude encontrada devido ao alto desvio padrão, não foi observada uma variabilidade estatisticamente significante entre as testagens. Isso permite que possamos usar as emissões como teste confiável da função e disfunção coclear, embora a variabilidade intrasujeito deve ser cautelosa e individualmente interpretada.
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